Em todo esse tempo que estive aqui nunca tinha me sentido tão bem quanto agora. Estar ao lado do Noen, ouvir sua voz e seus conselhos me dão mais alegria do que jamais pude imaginar sentir. Ter esses sentimentos me deixam confusa, não sei quando senti algo assim pela última vez, essa sensação de estar com alguém que gosto e ao mesmo tempo sentir aquele frio na barriga quando me perco na imensidão azul dos seus olhos.
Estamos conversando a algumas horas, nem vi o tempo passar enquanto falávamos sobre coisas banais da vida. Suas histórias eram incríveis, assim como ele.
Quando olhei pela madeira no fundo do porão e não vi o sol entrando sorrateiramente pelos cantos me dei conta de que já era tarde. Nos deitamos no colchão e por um tempo a única coisa que ouvia era nossa respiração quase que combinando, subindo e descendo até nos olharmos e meu peito disparar. Me senti em uma montanha russa quando percebi o quão perto estávamos um do outro. Seus lábios estavam próximos do meu, queria agarrar e beijar ele até não sobrar um resquício de ar em meus pulmões. Se ele sente o mesmo que eu já não tenho ideia, só quero que esse momento nunca acabe.
Já estamos aqui a tanto tempo, as vezes me pego pensando que isso talvez seja um plano de algo maior que todos nós. Talvez o nosso destino seja nos encontramos aqui e nos apaixonarmos perdidamente um pelo outro, na verdade eu não sei o que é estar apaixonar, eu já tive fortes sentimentos por alguns meninos mas nada desse jeito.
Enquanto estou perdida em meus pensamentos sinto sua mão se aconchegar em meu rosto. Seu toque é macio e quente, imediatamente sinto minhas bochechas corar com o toque de seus longos dedos. A medida em que sua mão vai se aprofundando em meus cabelos sinto que estamos cada vez mais próximos um do outro, até que finalmente estamos a centímetros de distância um do outro. Meus lábios estão prestes a tocar os dele quando ouço a irritante porta do porão ranger sua madeira gasta no chão. Nos separamos em um pulo e sentamos em nossos colchões esperando algo acontecer. Fred desceu as escadas e se sentou mais uma vez na frente da nossa querida e nada aconchegante jaula. Nos olhou por alguns minutos até que ouço sua voz quebrar o silêncio.
- Vocês já amaram alguém?
- O que? - ouço a voz de Noen claramente não entendendo a pergunta
- Vocês já amaram alguém? - Fred repetiu a pergunta calmamente
- Você diz no sentido familiar, amizades ou relacionamento amoroso? - perguntei enquanto me aproximava dele.
- Qualquer jeito.
- Eu amo minha família, já amei uma garota quando era mais novo mas acho que era uma paixonite de criança. - Noen diz com a maior tranquilidade
- E você, Alice?
- Eu também amo minha família, eu acho, mas nunca amei ninguém fora isso.
Noen parece incomodado com minha resposta, ficou me olhando durante alguns segundos sem entender até continuarmos nossa conversa.
- Eu amo uma pessoa, sua mãe Alice, Eu amo ela.
Fico sem reação, não sei o que dizer, fico feliz por ele ter sentimentos mas não sei o que esperar disso. A possibilidade de esse homem ter um surto e resolver tentar conviver comigo e minha mãe sendo uma família feliz e unida mesmo depois disso é muito grande. Pelo menos penso assim, obviamente eu sei que isso nunca vai acontecer mas caso ele tenha essa ideia, tudo pode mudar. A felicidade em pensar a voltar a ter uma vida normal me enche de alegria, já por outro lado me distanciar de Noen acaba levantando uma ponta de tristeza dentro de mim.
- Fico feliz. - digo despretensiosamente
Assim que digo ouço o barulho da companhia, não me lembrava de que ainda tínhamos isso. Fred colocou a um tempo atrás para caso algum "vizinho" viesse checar quem morava nessa casa no fim do mundo. Tanto eu quanto Noen ficamos quietos ao ver que Fred não demonstrou nenhum medo ou desespero, não sei se ele estava esperando alguém ou não quis demonstrar mas seu rosto estava duro como concreto. Levantou ajeitando sua cadeira, subiu as escadas e logo ao sair trancou a porta.
- Não sabia que vocês recebiam visita.
- A gente nunca recebeu visita.
- Quem será que está la?
- Não tenho a menor ideia.
Ficamos em silêncio por um tempo tentando ouvir o que estava acontecendo no andar de cima, não ouvia nenhuma palavra com clareza mas a pessoa tinha uma voz suave, certamente era uma mulher. Os passos vão ficando cada vez mais altos e sei que estão vindo até o porão. Meu coração está a mil por hora, nunca ninguém havia vindo até aqui, muito menos no porão, assim que olho para Noen encontro o mesmo desespero em seu rosto. As chaves batendo uma nas outras e a porta pendendo com o peso do homem alto me levam a loucura até que finalmente a porta se abre. Fred entrou primeiro mas dessa vez diferente, tinha um olhar de pena e cansaço, desceu as escadas e então pude ver quem estava logo atrás.
Meus olhos não estavam acreditando no que estava vendo, endureci e não falei nada até ver bem de perto.
- Mãe? - minha boca finalmente se mexe em um sussurro
- Até que para quem está aqui a tanto tempo você está muito bem - ela diz debochando do lugar
Minha cabeça estava girando, era como se tudo fosse um sonho, não podia ser real. Minha mãe está aqui na minha frente, viva e feliz.
- Eu te falei que ela estava bem, eu não sou tão ruim.
- Como andam suas pesquisas? - minha mãe anda pelo porão tocando suavemente em cada prateleira
- Muito bem. - Fred diz olhando para dentro da Jaula.
- O que tá acontecendo aqui? - Noen está tão perdido quanto eu.
Minha pernas estão tremendo e me jogo no colchão, logo após sinto as mãos quentes e suaves do meu colega me abraçando e certificando de que estou bem.
Lembrei de todas as vezes que chegava perto e eles estavam sussurrando, todas as vezes que cheguei em casa e minha mãe tinha um largo sorriso estampando no rosto. Lembrei de como ela parou de dar importância as minhas notas e tudo o que conquistei antes de vir para cá. Me levanto com o ódio que me possuiu e chego bem perto do seu rosto já colado na jaula.
- Você estava por trás disso tudo todo esse tempo? - sinto minhas mãos tremendo
- Achei que já tivesse percebido meu amor, faz tempo que está aqui. Todos esses anos e você não descobriu? - ela começa a rir como se tudo fosse uma grande piada.
- Não é bem assim Alice. - vejo Fred surgir do fundo do porão.
- Você tem que acabar com o meu momento né? Okay filha vou te explica já que você demora pra entender. Eu já estava cansada de você, todas aquelas brigas estavam me deixando cansada e eu contei pro meu baby, ele disse que sempre quis fazer um experimento com jovens e eu perguntei como funcionava mas ele só me contou que era o sonho da vida dele. Eu não sei do que se trata e nem a razão disso tudo mas eu disse que poderia ser você filha. Ninguém nunca acreditou no seu trabalho né baby? - ela apoia os braços em volta do pescoço de Fred e sorri maliciosamente
- Enfim, ele me disse que poderia dar um fim a esse meu stress e eu topei na hora mas você me faz falta. Quer dizer, eu preciso cozinhar agora e limpar a casa também porque se não ela fica um nojo e você sabe o quanto eu odeio sujeira né? Você fazia tudo pra sua mamãe mas eu nunca te dei valor amor. Eu só não te levo de volta porque meu baby precisa finalizar a grande obra dele e então ficamos ricos né baby?
- Sim - a voz de Fred sai rouca ao concordar
Estou exausta, não sei como reagir, meus olhos encontram Noen e ele parece mais assustado que eu. Nada disso faz sentido mas ao mesmo tempo tudo se encaixa, minha cabeça começa a doer e latejar forte. Me deito de novo nos braços de Noen e começo a chorar, foi a única coisa que consegui fazer, chorar como um bebê.
- Não precisa ser dramática Alice, para de ser criança.
Levanto secando as lágrimas e aponto meu dedo em direção ao seu rosto.
- Você me fez ser eletrocutada, passar fome, frio e tantas outras coisas horríveis e me diz que sou criança? Você é a pessoa mais podre que já conheci em toda minha vida.
- Viu como você é forte, ainda aguenta muito mais. Não precisa se fazer de coitadinha na frente do seu namorado, eu sei que você é tão podre quanto eu, temos o mesmo sangue lembra?
- Isso não quer dizer nada, eu nunca faria isso com ser humano algum.
- Faria né amor, lembra dos insetos que você matava e depois fazia o velório deles. Que criança faz isso? - sua cara de deboche me irrita profundamente
- Eu era uma CRIANÇA e sentia medo deles por isso matava mas me sentia culpada e então sempre fazia um velório. Eu não sou como você e nunca serei.
- Escuta, eu vou subir relaxar um pouco e depois a gente conversa, estou cansada já.
Ela sobe as escadas com seu salto alto batendo na madeira e Fred está logo atrás trancando a porta ao sair. Fico em estado de choque até sentir seu braços quentes e confortáveis novamente.
- Eu não sou como ela, sou? - pergunto aos prantos
- Jamais, você é a razão de eu acordar feliz todos os dias mesmo nesse lugar horrível.
Assim que escuto suas palavras o abraço como se não houvesse amanhã. Ficamos ali por um bom tempo até deitarmos
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Rua Jardim de Monet
Mystery / ThrillerNa rua Jardim de Monet tudo parecia ser calmo, era como se tudo acontecesse em perfeita sintonia. Apesar da calmaria, no fim da rua em uma casa simples, um psiquiatra, que não aparentava ter boas intenções era motivo de desconfiança entre os vizinh...