parte VIII

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Eu sei que alice está chorando, consigo ouvir o barulho baixinho saindo de forma calma, beirando o silêncio. Ela está assim já faz um tempo, não quis incomodar então simplesmente fiquei deitado em meu colchão tentando pensar em alguma maneira de animá-la. Sou péssimo nisso, sempre fui. Quando eu era criança e tentava ajudar meus amigos com seus problemas eu dizia as piores frases possíveis. Quando a minha irmã criou tamanho para me perguntar as coisas e contar sobre as brincadeiras mal sucedidas ou os colegas que implicavam com ela, eu dava péssimos conselhos e assim por diante. Pensei em tudo que se possa imaginar e mesmo assim minhas ideias se tornaram um vazio. Olhando ela novamente sinto meu corpo se preencher de algo que eu ainda não tinha sentido antes, levantei e deitei ao seu lado envolvendo meus braços ao seu redor. Não sei de onde isso saiu, estou tremendo desajeitadamente mas me sinto seguro. Completo.
Percebo seus batimentos rápidos e desnorteados se acalmarem. Ficamos assim por um tempo, não dissemos nada um ao outro, não era necessário. As horas foram se passando e acabamos adormecendo.
Acordei perdido sem saber o que estava acontecendo, ela ainda dormia tranquilamente, levantei e me assustei ao perceber a presença daquele que me atormentava até nos melhores sonhos e piores pesadelos.
Não disse nada, sentei logo a sua frente, sentia que ele queria conversar, só não sabia sobre o que.
Tudo nele me aterrorizava, as pálpebras caídas pelo cansaço devido à idade. Os cabelos levemente grisalhos e a barba ainda para fazer. Seu rosto era inexpressivo, nunca vi alegria, raiva ou tristeza. Mas os olhos não mentem.
Sempre me considerei sensitivo, seja por sonhos ou arrepios na nuca. Consigo dizer se alguém está mentindo apenas olhando em seus olhos, mas ele não fala nada, não posso adivinhar se o sujeito não se comunica. Prestando atenção agora, de perto e sem interrupções, posso ver. Ele está cansado, com medo, mas medo de que?
- Você gosta dela, não é? - ele diz cortando meus pensamentos
- Ela não merece estar aqui, ser tratada assim, como consegue ver ela chorando e não sentir nada? Você é um monstro.
- Vocês estarem aqui não é somente uma escolha minha.
- O que?
- Pergunte para ela sobre o passado. Ela precisa se libertar, talvez com você seja mais fácil já que ela confia em você.
- Se libertar por que razão?
- Alice se cobra demais, ela está protegendo quem não devia.
- Quem? - estou confuso e quase chorando pensando no quando Alice pode estar em perigo.
Ele levanta e vai embora me deixando sozinha com minhas paranóias.
Continuei sentado no mesmo lugar olhando para o meu próprio reflexo esperando cair a ficha de que aquilo era real e se eu não fizesse alguma coisa, tanto eu quanto Alice estaríamos em grande perigo. Provavelmente já estamos.
Não sei quanto tempo estou assim, olhando, observando, pensando e enlouquecendo por dentro, pensando que se me esforçar e pensar bem talvez haja um jeito de fugir daqui. Minha cabeça está latejando de dor mas quando olho para trás e vejo seu lindo e delicado rosto, tudo acaba. O terror em meus pensamentos, a respiração ofegante se normaliza quando meus olhos focaram nos dela. Eu quero ela, o bem dela. Acho que estou ficando louco, me preocupo se estou assim por estar preso aqui com Alice a incontáveis dias ou se realmente ela mexe comigo. Mas é ela.
Levantou majestosamente e se ajeitou em seu colchão já em trapos, olhou direto em meus olhos e despejou o sorriso mais bonito que já vi em toda a minha vida, continuei babando até ouvir sua voz
- Obrigado, Noen.
- O que?
- Obrigado por estar comigo, me entender e tudo mais.
- Não precisa agradecer, eu..
Sou bruscamente interrompido quando a porta abre escancaradamente e a sombra grande de um ogro aparece, a bandeja mágica com o alimento se aproxima e vejo a alegria reaparecer em meus olhos. Nunca achei que fosse ficar tão feliz ao ver um prato passar por uma minúscula abertura em uma "Jaula" para experimentos, é tudo tão novo e estranho mas já me sinto acostumado.
Devoramos a comida e ele nos deixa novamente sem dizer uma palavra.
- Comeu bem? - preciso parar de parecer tão preocupado ou ela vai desconfiar de que sinto alguma coisa.
- Sim, muito bem e você? - seu sorriso e suas covinhas me fazem dançar mentalmente.
- Com certeza. - meus olhos estão grudados aos dela - Posso te perguntar algo?
- Claro, pode perguntar.
- Por que você não fala sobre seu passado comigo? Você já comentou sobre algumas coisas mas, estamos presos aqui e não sabemos quase nada uns sobre o outro.
- Okay, o que quer saber?
- Tudo.
- Resumidamente, depois que meu pai largou minha mãe foi muito difícil, então moramos com a minha avó um tempo, me apeguei muito a ela. Chorei durante duas semanas seguidas quando nos mudados. Eu já tinha uns 12 anos e foi bem difícil na época ficar separada da única pessoa que me amava de verdade. Não que minha mãe não me ama, mas não é igual, não vejo o carinho em seus olhos quando estamos juntas e isso sempre me machucou, mas ela é minha mãe o que eu poderia fazer?
- Você sente falta dela?
- As vezes, mas sinto falta de qualquer pessoa depois que vim parar aqui. Voltando a história, depois de alguns anos minha mãe conheceu o Mark, que agora conhecemos por Fred. Ele sempre levava alguma guloseima e me deixava longe da minha mãe pra não brigarmos tantas vezes.
- Vocês brigavam muito?
- Sim, quase todos os dias, a todo momento ela tinha algo do que reclamar sobre mim, e isso me deixou cansada psicologicamente, era horrível conviver com alguém assim, eu sempre senti que ela não me amava de verdade e eu só destruía a sua vida.
- Não diga uma coisa dessas, você não estraga a vida de ninguém, você é muito especial. Olha o quanto aguentou nesse lugar horrível sozinha e ainda consegue ter um sorriso lindo no rosto. - Assim que as palavras saem da minha boca vejo um largo sorriso aparecer em seus lábios.
- Não sei como consegue levantar minha auto estima desse jeito mas está funcionando.
Rimos baixo e continuamos nos encarando por alguns segundos, o clima quente exalando era mais que visível.
- Agora me conta sobre você.
- Bom, eu morava com meu pai e minha irmã mais nova, Emma. Minha mãe morreu quando minha irmã nasceu. Foi muito difícil na época obviamente mas meu pai conseguiu cuidar de nós dois muito bem.
- Sinto muito pela sua mãe. - ela diz carinhosamente.
- As vezes eu sonho com ela, ela sempre me conta quando algo ruim vai acontecer. Ela me avisou para tomar cuidado antes de acabar aqui.
Seus olhos arregalados e interessados em minha vida me causam borboletas no estômago. Ficamos contando histórias por mais algumas horas. Não me cansava dela em momento algum.

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