- Alice, alice? - grito enquanto seu corpo está caindo sobre meus braços
- Coloque ela no colchão - ouço a voz de fred grossa e ríspida
Seguro seu quadril com uma mão e com a outra sua nuca, coloquei seu corpo frágil no colchão e a vejo desaguar sua cabeça no lençol fino em um branco pleno que Fred havia nos dado um dia antes. Seu rosto rosado agora era um branco pálido assim como o lençol, suas mãos que são quentes e sempre inquietas estão geladas como pedra sem mover se quer um dedo. Meu coração aperta na hora, não sei o que fazer, se devo me mexer ou não, tentar acorda-la aos tapas ou deixá-la ali na esperança de acordar logo e me tirar aquela dorzinha chata em baixo do coração que aumentava a cada minuto em que ela não acordava.
- De isso a ela - Fred passou pela pequena porta um copinho de plástico com um pouco de sal. - coloque um pouco em baixo da língua.
Segui suas ordens como um cão, rapidamente o sal já estava em sua língua e eu parado como um poste ao seu lado.
- Não precisa ficar assim, ela já já acorda
- Eu sei, apenas me assustei - digo sem mesmo olhar pra ele
- Descanse um pouco também menino - ficar aí parado desse jeito não vai fazer ela acordar - e subiu as escadas trancando rotineiramente a porta.
Fiquei ali mais alguns segundos olhando seu rosto, seu lindo rosto sem cor, sem seu sorriso que me cativa, me encanta. Aos poucos a dor de cabeça foi me consumindo e decidi seguir a dica de Fred, deitei no colchão olhando para os furos no teto do grande cubo. Pensei em quantas vezes aquilo havia acontecido nesse mesmo lugar, quantas vezes Alice teria desmaiado e Fred entrado aqui colocando um punhadinho de sal em baixo da sua língua. Quantas vezes isso teria se repetido? Eu não teria como saber obviamente, mas só de pensar em quanto tempo ela teria passado aqui, passando por terrores que eu jamais imaginaria me dava calafrios.
Alice já havia me falado que hoje em dia Fred não faz as mesmas coisas de antes, não deixa dias sem comida, choques se não responder o que ele queria saber. Coisas absurdas que um dia ele já fez nesse mesmo lugar, nessas paredes que contam histórias onde eu não participei. Ela deve olhar pra qualquer canto e lembrar de alguma cena, "eu passei por isso aqui mesmo" ela pensaria e me olharia tentando entender o porque agora ser tudo diferente. Eu me pergunto a mesma coisa, o que será que ele queria antes? O que ele queria descobrir no tal projeto já não era a mesma coisa de quando alice estava aqui sozinha, não poderia ser, ele mudou o caminho, mudou sua técnica assim como sua pesquisa e seja lá qual for a grande questão, agora somos o que deixa ele acordado, nossa relação macabra e sem nenhum sentido são agora o motivo dele puxar a ponta do bigode pensando e raciocinando sobre onde estamos, o que vamos comer e tomar. Nada me deixava mais ansioso, roendo as unhas freneticamente tentando saber o que ele quer conosco. Tentando entender porque nos usa como seu teatro de fantoche onde cria e recria suas mais malucas teorias. As fisgadas no fundo da cabeça estão cada vez mais fortes, me virei e afundei o rosto no travesseiro tentando esquecer tudo aquilo. Devo ter dormido por algumas horas já que quando acordei a luz tinha voltado, atravessando minhas pálpebras cansadas. Tentei abri-las com toda a força que tinha, era difícil fazer qualquer coisa, sentei esticando as pernas e deixando a luz se apropriar em minhas retinas. Olhei para frente e vi Alice sentada segurando os joelhos, levantei rápido tropeçando pela frente para chegar depressa ao seu lado.
- Você está bem?
- Sim - ela diz olhando pra frente, um olhar disperso e cansado
- Você me deu um susto, achei que..
- Ia me perder? não, pelo menos não agora
Ela não estava bem, fisicamente talvez mas sei que seu psicológico estava detonado. A abracei de lado e beijei seu ombro e em um movimento rápido se esquivou.
- Precisamos conversar
- sobre o que?
- Sobre o que aconteceu ou está acontecendo não sei- diz finalmente me olhando nos olhos
- Ah...
- Eu queria evitar isso ao máximo possível mas eu não posso Noen, não posso te machucar com minhas incertezas.
- Você não vai me machucar Alice.
- Vou sim, já estou fazendo isso, eu consigo ver no seu olhar que você está perdido, não sabe se eu gosto de você ou se quero ficar com você e pra ser bem sincera eu também não sei. A gente não vai dar certo, eu não quero estar com você e ser algo que o Fred possa usar.
- Ele não precisa saber de nada
- Eu tentei esconder meus sentimentos por meses e agora ele aparece sabendo de tudo? Ele sempre está um passo à frente, eu já te disse isso Noen.
- Eu não posso ficar sem você, não agora, não depois de tudo.
- Eu não quero ficar longe de você, só acho que devemos nos afastar um pouco.
- Você só pode estar brincando.
- Noen, por favor! - ela diz com a voz trêmula.
- Tudo bem, se é assim que você quer, que seja.
Sai dali e me deitei no colchão novamente, minha cabeça doía como antes e dessa vez não tinha escapatória. Fiquei de costas a ela tentando esquecer tudo o que havia acontecido. Suas palavras ficaram se repetindo na minha cabeça por longos minutos, seu olhar baixo e turvo me deixava sem vontade de viver. Eu ainda queria fugir dali, de tudo aquilo, eu só preciso do plano perfeito.
Comecei a planejar em um bloco de notas mental toda a rotina, lembrando de casa detalhe mais específico possível.
Os nosso dias eram sempre iguais, acordávamos e conversávamos por horas, brincando e rindo até que Fred nos trazia pães ou algo do tipo. Depois ela ou eu usávamos o banheiro nada convidativo. Eu sempre me virava pra manter por pouco que seja a privacidade que deveríamos ter nesses momentos. A pequena pia era usava pra banhos nada convencionais, Alice lavava seu cabelo com dificuldade mas eu a ajudava sempre. O almoço chegava e depois ele pegava as bandejas, fazia algumas perguntas e subia. A noite não era diferente, ele trazia comida, pegava as bandejas e seguia com algumas perguntas. As vezes a tarde ele apenas sentava em sua cadeira velha e gasta nos observando sem dizer uma palavra. Era algo comum agora, nunca pensei que meus dias seriam em um lugar como esse, acho que ninguém nunca pensa na verdade. Em minha antiga realidade agora eu estaria em Los Angeles, fazendo algum trabalho de modelo e depois voltaria para casa de Chase na esperança de me divertir com todos aqueles amigos falsos que ele adquiriu depois da fama. Ele era um ótimo amigo mas nos desentendíamos de vez em quando, acho que é comum em amizades de longa data como a nossa. Depois voltaria pra casa e contaria tudo a meu pai e minha irmãzinha linda e jantaríamos na cozinha escura com a parede vermelha que meu pai pintou depois de Emma ter desenhado com giz de cera preto e amarelo grandes flores desproporcionais.
Eu só queria sair de tudo isso, voltar a vida pacata que eu tinha que nunca dei valor, que eu não soube aproveitar tão bem. Não sei se tem um motivo específico para ser eu neste lugar e não outro adolescente qualquer. Talvez se eu tivesse dormido em um dos quartos da casa e não tivesse andado por aquele caminho coberto por árvores agora eu estaria jogando vídeo game em meu quarto. Não teria que olhar nos olhos de Alice, não teria que encarar as madeiras que não se completam, nada disso seria meu dia a dia.
O maldito som das chaves torcendo no tranco da porta me tira dos pensamentos, olhar aqueles mesmos degraus toda vez que algum barulho surgia era sempre motivo de borbulho no estômago, por mais que todos os dias fossem iguais ultimamente tem acontecido reviravoltas, a mãe de Alice, perguntas impessoais do Fred e por aí vai. Meus dedos formigam antes mesmo de tentar pensar em algo, era como se eu soubesse o que fosse acontecer, como se tudo fosse um grande dejavù, mas no fim das contas apenas uma surpresa como sempre, eu não sabia o que aconteceria, não sabia quem estava a porta, o que diria e como reagiria. No fundo tenho a esperança de ouvir a porta abrindo e me deparar com policiais ou vizinhos distantes, descobririam que estamos presos aqui usados em um projeto de um homem maluco de meia idade e nos resgatariam. Mas essa esperança fica cada vez menor toda vez que vejo o rosto deturpado de Fred no alto daquela casa aos pedaços. Tanto minha feição quanto a de Alice e fred são as mesmas, não mudam desse olhar triste e caído com uma ponta de preocupação.
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Rua Jardim de Monet
Mystery / ThrillerNa rua Jardim de Monet tudo parecia ser calmo, era como se tudo acontecesse em perfeita sintonia. Apesar da calmaria, no fim da rua em uma casa simples, um psiquiatra, que não aparentava ter boas intenções era motivo de desconfiança entre os vizinh...