Capítulo Quatro

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Zynaya

O quê, eu estava fazendo?

Eu havia surtado após a visita de Jayce. Eu deveria arrumar minhas coisas e fugir desse lugar. Olho para Rex, ele estava me encarando, enquanto me movia pela sala, estava quase furando piso, de tantas voltas que dei.

— Você deveria me impedir.

Au!

— Onde você estava, quando aceitei esse convite?

Au!

Eu estava ficando louca, era oficial, estava até culpando meu cachorro. Jogo-me no sofá, esfrego meu rosto exausta. Havia algo em Jayce, além do perigo, eu não consegui dizer não.
Isso deveria ser como um grande alerta de perigo, meu auto-controle era tudo que eu tinha, era como uma arma para me manter firme na minha fuga. O sorriso dele, só podia ser, isso e essa fuga por uma liberdade que nunca vou ter. Dominic nunca deixaria de me perseguir, suas ameaças foram bem claras, anos atrás.
Após a morte de Ricky, fiquei desesperada, arrumei a mala com poucas roupas e corri até a casa da minha amiga, larguei a arma no chão daquele quarto, ao lado do corpo dele.
Não demorou muito, para chegarem até mim. Minha amiga Karen, tentou me ajudar, procurou Dominic e contou tudo. Foi tudo em vão, ele como todos no Distrito, admiram Ricky, ele era o herói, um grande exemplo para seguir. Eu passei a ser a louca e desequilibrada, a assassina cruel de um policial. Aquela arma, se tornou uma grande prova, já que Dominic, formará toda uma história. Eu era a assassina fria, que planejou a morte, comprou uma arma ilegal, tudo para eliminar o esposo, que só queria uma chance.
Não posso ver, nem ouvir a voz dos meus pais, perdi contato com minha melhor amiga. Eu não tinha nada e cada fuga nova, me sentia mais exaurida, sufocada. Há momentos que penso em desistir, ficar parada aguardando ele me encontrar, então tudo teria fim.
Talvez não fosse tão ruim, me misturar, tentando ser alguém normal, pelo menos por um fim de semana. Olho para Rex, agora está de barriga para cima, aguardando que eu faça carinho.

— Você é mesmo, um grande folgado.

Corro para um banho, confesso que ainda estava sonolenta, os pesadelos vieram com força total, arrancando minha paz, meu sono.
Retiro minha roupa e paro por um momento, observando as cicatrizes. Eu tinha uma enorme, um corte feito pela ponta da bota de Ricky, foram tantos chutes naquele dia, que desmaiei no chão. Na lateral do meu corpo, onde ele havia fraturado uma das minhas costelas, tem uma linha grossa e rosada, marca da fivela do cinto. Deslizo minha mão até minha perna, um pouco acima da minha coxa, quase entre minhas partes, tenho uma marca de queimadura. Ricky, achou divertido, enquanto estava bêbado me marcar, dizendo que ali, era território dele. A maior parte das minhas cicatrizes, posso esconder, contudo, aquelas na alma, essas eram infinitas, e dói mais que qualquer marca no meu corpo.
Antes, eu conseguia chorar, agora, eu as observo, toco, depois as cubro.

********
Meu banho, foi longo. O motivo, Jayce, cada vez que meus pensamentos eram usurpados, com seu sorriso, seu corpo. Merda, nem toda água fria, conseguiria aliviar esse calor, esse incômodo entre minhas pernas.
Ainda enrolada numa toalha, vou até à janela do meu quarto, não pretendia ficar parada ali, mas minha visão foi atraída até costas largas, uma trilha de tatuagens na lateral do seu corpo. Isso devia ser proibido, aposto que tem muitas vizinhas ao redor, usufruindo dessa visão. Como se sentisse estar sendo observado, ele ergue seu rosto e me encontra, espionando. Minha primeira reação, deveria ser, correr e me esconder, porém, estava paralisada e quando ele curvou seu lábio num meio sorriso, meu corpo todo se aqueceu, estava tão fascinada, que me esqueci completamente, eu estava apenas com uma toalha em volta do meu corpo, os olhos dele, percorrem de cima a baixo.

— Merda!

Fecho as cortinas e corro até minha cama, me jogo olhando para o teto.
Isso era errado, não podia ter esses pensamentos.
A campainha começa a tocar sem parar, dou um pulo, sentindo aquele pavor habitual. Corro, ponho uma calcinha, shorts e uma camiseta.
Desço a escada com cuidado, paro diante da porta e aguardo. A campainha volta a tocar, mas agora, ouço Jayce me chamar.

— Ei, Zinn, eu sei que está aí, abra.

Ótimo. Tentei acalmar minha respiração, antes de abrir a porta. Meu auto-controle, foi pelo ralo.

— Ah! oi.

Ele permanecia sem camisa, o mesmo sorriso e lá estava eu, sem conseguir disfarçar, enquanto o secava.

— Gostando?

Tento me manter segura, inabalada, mas foi uma grande falha.

— Qual é o problema com as suas camisas, estão todos sujas?

Ele deixa seu sorriso ficar amplo.

— Eu poderia dizer o mesmo, afinal, era você que estava me espionando, apenas com uma toalha em volta do seu corpo.

Corei. Senti estar febril, ao som daquelas palavras, contudo, precisava me defender.

— Primeiro, eu não estava de espionando, aquela é a janela do meu quarto, segundo, eu havia acabado de sair do banho.

Ele ergue seus braços, um de cada lado da minha porta.

— Estava sim, já disse que consigo ver, mesmo estando de costas.

Reviro meus olhos e me viro, indo em direção ao (Rex), esparramado no chão. Ouço seus passos logo em seguida.

— Já lhe disseram, que possuí um ego grande?

Sento-me, próxima ao (Rex) e afago sua barriga. Jayce arqueia uma sobrancelha, era nítido o brilho carregado com malícia, seu sorriso, só confirma.

— Baby, já me disseram sim, que possuo algo grande, eu diria enorme.

Abro a boca para responder, mas não sai nada, estava com a boca seca, o rosto queimando, levando ondas de choque por todo meu corpo.

— Você fica irresistível, com todo esse rubor.

Deus, ele era impossível. Cadê aquela parte racional em meu cérebro, que grita "perigo".

— Veio até aqui, somente para me irritar?

Ele cruza seus braços, na frente do seu peitoral, firme.

— Vim, convida-la, para um passeio.

Agora sou eu que o encaro, cruzando minhas pernas, recostada no sofá.

— Outro convite?

— Apenas uma volta, você fica muito tempo nessa casa.

Ergo uma sobrancelha.

— Está me espionando?

Vejo seu lábio curvar.

— Baby, temos muitos olhos por trás de todas aquelas cercas, e eles adoram cuidar da vida de todos.

Uma volta, o dia estava bonito e olhando para a bolota em meus pés, percebo que uma caminhada será boa.

— Tudo bem. Rex, precisa se exercitar.

Ele franze a testa e só depois, olha para Rex.

— Você têm um cachorro, chamado Rex?

— Qual o problema?

Ele balança a cabeça, sorrindo.

— Ele poderia chamar, xuxo, que eu não ligaria, afinal, você vai dar uma volta comigo.

Sorrio.

— Vamos Baby, só preciso de uma regata e uma bermuda.

Corro para pegar o guia e a água do (Rex), então coloco um boné e óculos escuros. Eu tinha uma desculpa perfeita, estava sol e quente.

*********
Eu nunca imaginei, que me sentiria segura e muito menos, que seria a companhia de um estranho, meu vizinho que eu mau conhecia, e policial. Tudo isso parece uma grande piada do destino, zombando de mim.

— Ei, vizinha, onde sua cabeça está?

Eu precisava mudar o foco dessa conversa, apelo para o tal churrasco.

— Vai me contar, sobre esse churrasco, onde quer me levar.

Ele abre um sorriso.

— Meu amigo Frédéric e Anne, são casados há seis anos. Eles namoraram por quatro anos. Eu os conheci, assim que comecei no Distrito aqui. Os dois, são como minha família.

Tenho vontade de perguntar mais, minha memória vai até à morena no porta-retratos.

— Você sempre morou sozinho?

Seu bom humor se dissipa, sua testa se fecha com linhas de expressões, aquilo revelava muito mais, do que qualquer resposta. Ele caminhou um tempo em silêncio, parecia refletir sobre qualquer que fosse o assunto. Após um longo suspiro, ele fala.

— Eu pedi transferência para cá, porque eu acreditava ter tudo. Quando meu pai, faleceu, minha mãe se entregou numa enorme depressão, eu fiz de tudo, contratei os melhores terapeutas, tentei ser suficiente para ela, mas não fui.

Senti uma angústia no peito.

— Ele morreu, dois anos após meu pai. No começo, acreditei haver uma pessoa por mim, que nunca me decepcionaria, foi quando decidi, que já era hora de vim atrás dela.

Ele respira fundo. A dor estava estampada em seu rosto.

— Comprei aquela casa, eu tinha tudo planejado, só não contava com uma coisa.

Fechei meus olhos, temendo o que viria depois.

— Lindsay, estava tendo um caso.

Ele deixa um riso nervoso, escapar.

— Eu quis fazer uma surpresa, e fui pego totalmente de surpresa.

— Oh, minha nossa!.

Nós sentamos num banco, sob uma árvore com a copa larga, proporcionando sombra.

— Eu a odiei, depois, percebi estar sendo injusto, afinal, quem esperaria, ou entenderia. Eu não tinha tempo, não podia abandonar minha mãe.

Sem conseguir controlar o impulso em mim, ergo minha mão e toco em seu rosto.

— Se ela te amasse, entenderia. É assim que o amor funciona. Pelo menos deveria ser. Acolhedor, protetor e nunca machucar.

Jayce ergue seus olhos. Ele toca meu rosto, fazendo um calor espalhar por todo meu corpo. Era tão diferente, me senti acolhida, em volta de algo quentinho.

— E você, qual sua história fodida?

Quase rio, porém, minha realidade era o oposto da dele. Eu era uma assassina, perseguida pelo meu ex cunhado.

— Podemos falar de algo que não seja fodido?

Seu sorriso e o brilho malicioso, estava de volta.

— Tem razão Baby, a palavra fodido, esta começando a mexer comigo.

Reviro meus olhos. Estava aliviada pela tensão se dissipar. O dia estava realmente lindo e eu não era a única gostando da bela praça, adornada por árvores e plantas. Um pequeno chafariz no centro. De onde estávamos, tínhamos a visão da rua, do outro lado, uma lanchonete com fachada que lembra simples e aconchegante.

— Que tal um lanchinho?

Rex, que estava desmaiado, parece entender independentemente da linguagem, quando se trata de comida.

— Parece que tem alguém, com fome aqui.

Sorrio.

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Lágrimas De SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora