{ Ido embora }

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Vinte Anos Antes| 26 de Abril de 2001
   Orfanato Jazz Louis

O relógio de madeira em forma de casinha de passarinho estava preso a parede, enquanto seu lustre de doze velas iluminava a sala de lazer, onze crianças brancas com rostos finos, cinco crianças classificadas como mestiças em um currículo de adoção.

Entre as dezesseis crianças de três a doze anos, apenas uma tinha habilidades surpreendentemente incomum para sua idade, uma criança com seus cachinhos presos a uma trança baixa para que pudesse se soltar, a única criança que tinha algo a mais que as outras, Any Gabrielly.

— Any! Saia de perto da janela, sabes que o diretor não gosta quando olhamos fixamente para a rua! — Morgana, governanta do orfanato a anos, seus dez anos dedicado a outras crianças

— Não estou olhando fixamente, estou apenas admirando tia Morgana — sua voz suave em um agudo quase lento

— Já falei mais de mil vezes sobre se referir a mim como tia! Tenha modos Any, quem sabe assim será adotada.

— As vezes não ligo muito sobre ser adotada ou não Senhora Morgana — seus olhos se apertaram para lembrar da referência a senhora mais velha

— Bom, mas eu ligo! Não quero ficar aqui cuidando pra sempre de você, apesar de sempre estar com a cara enfiada nesse livro, o que tanto lê aí?

— É um livro Senhora Morgana, um livro de química mediano

— Deveria pintar com o aquarela, brincar com as bonecas, pensar em algo mais normal do que um livro de química! — enquanto arrumava os uniformes de todas as crianças, Senhora Morgana a olhava indignada

— Isso é bom, mostra que eu sou diferente Senhora Morgana, sou inteligente ao invés de ser tecnicamente normal. — um grupo de crianças se aglomeraram para subir as escadas

— O diretor está vindo Any, me dê o livro e suba agora, rápido! Antes que ele te pegue no corredor outra vez! — suas pequenas pernas subiam os diversos degraus

Era uma espiral de degraus, no topa a direita os quartos das meninas, cada cama com seus bichos de pelúcia para a identificar suas donas temporárias, na encosta da janela, Any Gabrielly se mantinha de pé para receber o dono da instituição.

Como todos os orfanatos, existiam regras básicas de convivência, além das aulas de boas maneiras dadas pela governanta Morgana. Ao contrário da mais velha, o senhor Bradford era rígido e abominava a vaidade instalada na sociedade, proibindo suas crianças de quaisquer enfeite.

— Todas estão devidamente tomadas banho e de dentes limpos? Não quero ver nenhuma reclamação de dor de dente ou de inchaços nas gengivas. Todas em suas camas para a oração — era como rotina, todas as noites o Senhor Bradford rondava as camas para conferir o quarto.

— Joalin, onde está o seu laço de cabelo? — Any sussurrava para a loira ao lado que estava sem seu laço de identificação verde

— Acho que deixei no banheiro Any, eu 'tô ferrada! — um estralar de dedos foi dado pelo mais velho, sabia que iria se dar mal pelo laço, nada passava pelo senhor Bradford.

— Loukamaa, de novo me encontro a sua frente na hora de dormir.

— Boa noite Senhor Bradford, desculpa pela interrupção — tão pequena e com seus olhos marejados.

— Onde está o seu laço? Onde o deixou dessa vez? Não me diga que foi tão descuidada que agora não sabe onde o colocou — sua mão apertava o chapéu para frente, o apertando.

— Eu o deixei no banheiro quando fui para banhar senhor Bradford, sinto muito.

— Vá buscá-lo, que isso não se repita, estamos entendidos? Amanhã lavará o banheiro de novo, assim não esquecerá de está sempre com o laço.

— Sim, senhor Bradford — uma menina triste e solitária saia do quarto para caçar uma fita verde

— As outras podem ir para a cama.

E foi assim que ganhei minha primeira cicatriz na mão esquerda, minha unhas se apertaram fortemente contra minha mão que logo minha carne vermelhada, sangrava pouco pelos cortes. Em um gesto rápido e sorrateiro, levo para debaixo do vestido onde estava sendo estancado o sangue.

E assim, nasci como Any Gabrielly.

Anos Antes| 21 de setembro de 2003
       Orfanato Jazz Louis

Era dia de visita ao orfanato, onde todas as meninas refaziam suas tranças e vestiam seus melhores vestidos, a Senhora Morgana relembrava a todos sobre manter a postura e como demonstrar uma boa educação, ela podia ser insistente e as vezes sem controle dela mesma, mas era a única que conseguia ser sincera.

— Muito bem crianças, não me deixem com vergonha e muito menos sem jeito, façam tudo que ensinamos aqui no orfanato e tudo sairá bem, com sorte alguém será adotado ainda hoje — ela estava nervosa e passava a mão em seu vestido a cada dois minutos

— E se ninguém for adotado? Existem pessoas que não irão gostar de nenhum de nós.

— Que bobagem Gabrielly! Não seja pessimista, pensar em coisas ruins, trazem coisas ruim. Todas descendo para a área de lazer para esperarmos.

— Está sentindo isso? Essa vibração no peito? — Joalin tinha intuições momentâneas, muitos tinham medo dela por achar aquilo bizarro demais

— O que Joalin?

— Algo me diz que essa visita não vai ser como as outras, algo vai acontecer e não vai ser uma coisa boa Any! — seus olhos lacrimejava intensamente, sua pele estava gelando pouco a pouco

Devia ter ido embora com a Joalin.

𝙈𝘼𝘿𝙀𝙈𝙊𝙄𝙎𝙀𝙇𝙇𝙀 • 𝘽𝙚𝙖𝙪𝙖𝙣𝙮 𝘿𝙖𝙧𝙠Onde histórias criam vida. Descubra agora