No final de semana, Sarawat estava voltando do restaurante onde almoçou. Se sentia tranquilo naquele dia. Não havia trabalhos para fazer ou provas para estudar, e não havia encontrado Tine também. Ele tinha saído cedo, antes que acordasse. Perguntou-se onde ele tinha se metido, mas expulsou o pensamento rapidinho. Não era da sua conta, disse a si mesmo.
Arrastava os chinelos sobre o chão do prédio com preguiça, as mãos nos bolsos da bermuda do uniforme do futebol que praticava. A camiseta estava molhada de suor e ele precisava ficar tirando os cabelos dos olhos. Deveria cortá-los. Quem sabe outro dia, quando não estivesse com tanta preguiça.
Com absoluta certeza, Sarawat já tinha visto casais se beijando, e tudo bem, mas quando viu Tine encostado na porta do quarto, beijando a boca daquele cara menor que si, algo em si se mexeu. Talvez fosse puro ódio pelo garoto estar aos beijos com alguém na porta do quarto dos dois — era uma falta de respeito, no mínimo. Ou talvez fosse o tesão que sentiu ao ver Tine mexendo a boca bonita que tinha, afinal, ele podia ser um pé no saco com todo o deboche, ironia, e com a sua insistência em tentar puxar assunto o tempo todo, mas o desgraçado era bonito. No entanto, o que estava incomodando Sarawat, de fato, não era a falta de ética de Tine, ou o repuxar no pé da barriga que fazia a cueca ficar apertada aos poucos. O problema mesmo era que Tine estava beijando outra pessoa. Um homem. Sarawat não sabia daquele detalhe. Ficou chateado em ser o último a saber. Ele e Tine eram colegas de quarto há bastante tempo, por que ele não tinha falado sobre aquilo consigo? Achou uma sacanagem, até se lembrar de que não conversavam. Ficou triste de repente, e com raiva. Raiva de si mesmo. E com ciúmes. Quis mais do que tudo se sentar com Tine e passar horas conversando com ele, e depois beijar os lábios que ele tinha.
Com raiva, apertou as mãos em punho e pisou firme até estar perto dos dois. Há centímetros deles, fez um barulho alto com a garganta e ambos se afastaram. Estava com sangue nos olhos e não fez questão de tentar disfarçar. Quando Tine o olhou, a expressão que fez quase divertiu Sarawat. Ele ficou pálido.
— Pensei que fosse demorar a chegar.
— Se enganou. — Respondeu, entredentes. Não tirou os olhos de Tine. Estava com tanta raiva, por tantos motivos, que era difícil saber qual deles mais importava. — Se não se importa, eu quero entrar no nosso quarto. Ou tá muito ocupado com a língua enfiada na boca desse cara?
Ele nem sequer olhou Fong. Queria enforcar Tine, mas ao mesmo tempo queria saber como era o beijo dele. Talvez fosse aquilo que estava o deixando tão puto: saber que nunca beijaria Tine, porque odiava ele.
Tine se afastou da porta e de Fong. Sarawat parecia tão irritado que poderia pular em cima do seu pescoço a qualquer momento, e, sendo bem sincero, nem sabia o porquê. Sarawat provavelmente beijava meio mundo de gente também, e eles não eram namorados ou coisa assim.
— A gente se vê depois. — Disse Fong, saindo com rapidez. Sarawat não o olhava, mas Fong podia sentir a raiva emanando dele.
Sarawat entrou no quarto, pisando firme, e Tine o seguiu.
— Sarawat? — Chamou, alto. Ele não estava em nenhum canto, mas soube que se trancou no banheiro quando percebeu a porta fechada. Foi até lá e bateu. — Wat? — Chamou novamente, receoso pelo apelido. Estava tentando acalmar a fera. Era difícil lidar com a raiva dele quando não sabia o que tinha feito de errado. — Sai daí que eu quero falar com você.
— Já cansou de beijar aquele cara?
Tine se afastou da porta, tentado a rir. A voz estava tão feroz que o certo era deixá-lo apavorado, mas por algum motivo, achava a irritação alheia adorável.
— Vai sair ou quer que eu arrombe a porta?
— Vou sair a hora que eu quiser!
Rindo, Tine se afastou, e se sentou em sua cama. Tirou a regata preta do corpo e jogou no cesto de roupas sujas. Depois se deitou, as mãos entrelaçadas em cima da barriga. Esperaria Sarawat sair do banheiro nem que ele só desse as caras de madrugada. Por sorte, Sarawat saiu do cômodo logo, de cabeça baixa. Ele parecia envergonhado. Tine riu pelo nariz, o observando com curiosidade. Se sentou novamente na cama.
— Qual é o problema dessa vez?
— Você beijou aquele cara na porta do nosso quarto, esse é o problema. — Respondeu, sem hesitar, querendo acreditar que aquele era o problema, e não outra coisa que estava o incomodando no estômago e no coração. — Não acha isso uma falta de respeito?
— Não achei que você fosse se importar.
Sarawat finalmente o olhou. Fez uma careta. Andou até a sua cama, e ficou de costas para ele, encolhido.
Suspirando, com um sorriso mínimo no rosto, Tine se levantou, sem fazer barulho, e andou até estar perto da outra cama. Se inclinou e colou os lábios na bochecha de Sarawat, que se levantou, quase caindo, o coração doendo pela acelerada que deu.
— Ficou maluco, porra? — Quanto mais Tine ria, mais Sarawat ficava possesso. — Por que me beijou? Perdeu o juízo?
— Porque pensei comigo mesmo, e, cheguei à conclusão de que... você tá com ciúmes de mim, e aí eu decidi te dar um beijo também. Sorte a sua que foi na bochecha.
Sarawat ficou tão puto que rosnou como um cachorro raivoso.
— Da próxima vez que fizer isso, eu vou quebrar a sua cara, ouviu bem?
— Da próxima vez? Isso significa que você espera que eu beije você de novo?
— Cala essa boca, ou eu quebro a sua cara agora mesmo.
Tine levantou as mãos em redenção, ainda rindo. Observou Sarawat se deitar na cama e enfiou a cara no travesseiro, sem conseguir controlar a risada. Dormiu feito um anjo naquela noite, ao contrário de Sarawat, que sentiu a bochecha formigar a madrugada toda. No fim, matou a curiosidade e sentiu como era a sensação dos lábios de Tine. Antes de dormir, percebeu que queria mais do que só um beijo na bochecha.
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Incógnita
FanfictionÉ impossível conviver com Sarawat quando ele tem um temperamento forte, mas há uma pessoa em especial que sabe lidar com isso muito bem: Tine, o seu colega de quarto. Só há um probleminha: Sarawat odeia Tine. créditos: capa mais do que linda feita p...