Compreensão

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Tine não mudou de quarto, e nem Sarawat, junto com o seu orgulho. Estavam há semanas convivendo como colegas de quarto. No começo foi impossível, e Tine realmente pensou em trocar de quarto com alguém. Sarawat conseguiu estressá-lo. Estressar alguém como Tine era praticamente impossível. Ele era muito calminho.

O fato era que Tine viveu um inferno na primeira semana. Sarawat fazia questão de roncar, de ouvir música alta, de esbarrar em Tine de propósito, de pegá-lo pelo colarinho das roupas e enfrentá-lo com palavras como "você me irrita mesmo sem fazer absolutamente nada" ou "eu tenho vontade de socar a sua cara toda vez que você sorri com esse seu cinismo". Tine não entendia onde cabia tanta raiva. Sarawat era fofo, até, mesmo quando estava puto da vida. Tentava mesmo decifrá-lo, e queria aquilo, mas como o faria se o garoto não dava nenhuma brecha? Parecia odiar Tine, e o jovem sempre se pegava se perguntando o motivo. Talvez pelo esbarrão, ou pelo banho de cerveja. Chegaria um momento em que perguntaria para o outro, mesmo que sofresse as consequências. Tudo bem. Já estava se acostumando a ser puxado pelo colarinho.

Na segunda semana, tudo pareceu mais calmo. Sarawat parecia ter se rendido. Não enfrentava Tine, mas ainda o olhava com ódio. Não fazia mais nada para irritá-lo também, a não ser demorar no banho. Passava horas trancado no banheiro.

Na terceira semana, eles não trocavam tantas farpas como antes, mas Sarawat ainda era o mesmo marrento de sempre.

Foi em uma madrugada qualquer que, do nada, Sarawat soltou:

— O roxo do seu olho finalmente sumiu.

Tine o olhou abismado. Ficou surpreso por ele ter percebido que o seu olho estava melhor e por ele estar puxando assunto. Não estava indo dormir, felizmente. Estava terminando de reescrever um artigo no notebook, enquanto Sarawat assistia um filme pelo celular, com fones. Ele nunca havia feito aquilo. Geralmente colocava qualquer som no último volume, torcendo para o colega de quarto sumir da sua vista.

— Pelo visto você se tornou uma pessoa decente.

— Não se acostume. Eu tô de bom humor hoje.

— Uau, esse é o seu bom humor? Imagina quando tiver de mau-humor.

— Não dá pra conversar com você. Qualquer coisa que venha de você me irrita.

Tine soltou um riso fraco e terminou de digitar o seu artigo. Salvou o documento e desligou o notebook. Sentou-se de lado na cama e encarou Sarawat. Ele era tão bonito, mas tão marrento. Estava sempre de cara fechada.

O encarou tanto que quando viu já estava imaginando mil e uma coisas. Sarawat rebolando no colo dele, de roupa mesmo, não se importava. Sarawat embaixo de si, sem roupa, com certeza. Sarawat gemendo e xingando enquanto levava alguns tapas no rosto corado.

— Perdeu alguma coisa aqui?

Foi naquele momento que Tine percebeu que estava atraído por Sarawat e não fazia a mínima ideia do que fazer. Quer dizer, era gay, mas ficar com ele... parecia impossível. Primeiro, havia Fong, alguém com quem trocava beijos na maior parte do tempo, mesmo que não houvesse sentimentos envolvidos. E segundo, Sarawat era um mistério. Uma incógnita. Algo desconhecido. Como se aproximaria dele? Como falaria com ele sobre aquele assunto? Como jogaria uma cantada sem levar um soco no olho? Nem mesmo fazia ideia do que ele gostava. Mulheres, talvez? Homens, quem sabe? Precisava achar uma forma de virar amigo dele, e depois, claro, beijá-lo até que ele parasse de ser esquentado.

— Posso fazer uma pergunta?

Sarawat desviou o olhar do celular. Ele estava com aquela expressão fechada.

— Não.

— É uma pergunta importante.

Com um suspiro, respondeu:

— Pergunte.

— Por que você é assim? Irritado a maior parte do tempo. Como se tivesse raiva do mundo.

Por um segundo, Sarawat relaxou o rosto. Pareceu triste de repente, e confuso. Desviou o olhar e encarou o nada, em silêncio. Voltou ao normal não muito tempo depois. Estava com raiva, — de novo — e se levantou, de meias nos pés e um pijama de seda azul no corpo. Daquele jeitinho, não parecia mesmo o homem mais puto da face da terra. Conseguia ser fofo na maioria das vezes e nem se dava conta daquilo.

— Não vai responder?

— Não. — Disse firme.

— E vai sair a essa hora?

— Não é da sua conta.

Então saiu pela porta, deixando Tine sozinho no quarto, se sentindo... culpado. Ele havia dito algo errado? Fez Sarawat se lembrar de um momento ruim? O marrentinho era mesmo difícil. Quase como uma equação impossível de se resolver.

No dia seguinte, Sarawat e Tine estavam se arrumando para a primeira aula do dia, de costas um para o outro. E estavam atrasados.

— Quando é que você vai começar a não demorar no banho? — Perguntou Tine, abotoando os botões da camiseta.

— Ao contrário de você, eu gosto de tomar banho.

— O que quer dizer com isso? Que eu não sou limpo?

— Entenda como quiser.

— Aonde você foi ontem à noite?

— Desde quando isso é da sua conta?

— Você é mesmo um idiota, Sarawat. Pensei que finalmente se tornaria uma pessoa normal depois de ontem.

— O quê? — Virou-se, sorrindo. Havia ironia naquele sorriso. — Acha mesmo que só porque trocamos duas palavras sem brigar um com o outro, nasceu, magicamente, uma amizade entre nós? Não se iluda. — Tine não rebateu. Estava ferrado. Atraído por Sarawat quando ele o odiava, o tratava mal e o caralho a quatro. — Tchau. — Despediu-se, saindo pela porta e a batendo com força, nem mesmo permitindo que Tine observasse como ele ficava bonito de jaqueta marrom.

Quando Tine terminou de se arrumar, pegou o celular e mandou mensagem para Fong, avisando para se encontrarem na porta do dormitório. Não estavam se vendo com tanta frequência, e os beijos não pareciam necessários. Estavam agindo mais como amigos do que como ficantes.

Antes de sair do quarto, olhou o seu reflexo no espelho e refletiu por um minuto, arrumando os cabelos castanhos. De repente, tudo o que mais queria era entrar na mente de Sarawat e entendê-lo.

IncógnitaOnde histórias criam vida. Descubra agora