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- Como assim? 

- Eu tinha acabado de tirar habilitação e estava na autoestrada em Manchester, meus pais foram visitar minha avó na época e eu pedi pra dirigir quando paramos em um posto de gasolina. Como faltava só uns trinta minutos pra chegar e a estrada estava vazia... eu achei que seria uma boa ideia e eles deixaram - respirei fundo, incapaz de olhar pra ele - Tinha um caminhão parado no acostamento e não tinha sinal de pessoas, então eu só continuei dirigindo na velocidade normal pra autoestrada... só que... - senti minha garganta fechar e tentei controlar o choro, eu odiava esse assunto, odiava me lembrar do que eu fiz

- Hazz, não precisa me contar se não quiser - ele se aproximou e segurou minhas mãos

- Eu quero contar... é só que... é um assunto delicado - mordi fortemente o lábio - Quando eu estava passando pelo caminhão, um garotinho apareceu de repente e eu tentei, eu juro que eu tentei, Lou, eu nunca faria nada assim de propósito, mas eu não o vi, ele apareceu do nada, eu não pude fazer muita coisa - soei desesperado, apertei suas mãos contra as minhas e me inclinei pra ele - Por favor acredita em mim, eu nunca faria de propósito, eu nunca machucaria uma criança dessa fora

- Ei, calma, eu acredito em você - segurou meu rosto e limpou as lágrimas que começaram a sair sozinhas, eu fechei meus olhos e deixei que minha cabeça descansasse em seu ombro quando ele me abraçou - Vem comigo - me puxou pra cama e eu deitei entre suas pernas, as batidas do seu coração me ajudavam a não surtar, ele me abraçava com tanta força que eu simplesmente me sentia em casa apesar de estar com vergonha de mim. Ficamos muito tempo apenas nos abraçando, meu choro foi cessando até que só restasse o vazio pós lágrimas, sua mão nunca deixou de acariciar meu cabelo e por vezes sentia beijos no topo da minha cabeça

- O nome dele era Tommy - sussurrei - Anthony Davis Smith e tinha dez anos... eu quase tirei a vida de uma criança, Lou, uma criança que não tinha vivido o suficiente, que tinha família, amigos, uma vida inteira pela frente...

- Mas o que aconteceu com ele? - me apertou mais

- Eu vi a bola na estrada de uma hora pra outra e então ele correu, eu tentei desviar e a lateral do carro bateu nele - fechei os olhos, meu peito doía como o inferno - Eu bati no poste que tinha do outro lado da estrada e o carro capotou, mas só minha mãe, que estava atrás, se machucou muito. Eu tive ferimentos leves e meu pai quebrou uma perna, minha mãe perfurou o fígado e teve duas costelas quebradas, o Tommy foi jogado pra longe e fraturou a coluna, eu não sei, eu não quis saber a fundo porque só a ideia de quase ter matado uma criança acabou comigo... mas a mãe dele, Margareth, gritou comigo dizendo que eu deixei o filho dela paraplégico e que ele nunca mais iria andar por minha culpa - escondi meu rosto em seu peito e voltei a chorar - Eu me odeio, Louis, ela me odeia, o pai dele me odeia, todo mundo me odeia e com razão - sussurrei

- Amor, essa é uma situação de merda, mas foi um acidente, você não fez de propósito, todo mundo se machucou mesmo que ele tenha se saído pior. Você nunca machucaria alguém de propósito, você não tem que se culpar, foi um acidente e por sorte ele continuou vivo - suas palavras se cortaram algumas vezes e eu soube que ele também estava chorando 

- Mas se eu tivesse prestado mais atenção, talvez se tivesse parado quando vi a bola--

- Harry, não - levantou minha cabeça e me fez olhar pra ele, ele estava mesmo chorando Acidentes são horríveis, mas a culpa não foi sua, você não viu o garoto e quando viu tentou desviar o carro, você fez o possível que tinha pra fazer naquele momento e não deve se culpar por um acidente que você não teve culpa - finalizou pausadamente e acariciou minha bochecha - Eu não estou falando isso só porque eu te amo, eu nunca passaria a mão na sua cabeça se você tivesse causado o acidente, mas você não causou. Você fez de tudo pra tornar o pior menos pior, eu não sei se eu teria feito a mesma coisa

Borahae (l.s)Onde histórias criam vida. Descubra agora