"You are confusion that never stops, closing walls and ticking clocks..."
(Coldplay - Clocks)
Ao som dos pássaros cantarolando pela glória de mais um dia, o sol nasceu no horizonte. A luz se derramou em minha janela, adentrando todo o quarto e escorrendo pelas paredes de tom pastel, que se iluminaram em um tom levemente alaranjado.
Uma nova manhã crescia radiante.
Vertigem me atingiu assim que levantei, essa era a consequência de se deitar tão tarde para acordar tão cedo. Caminhando em tropeços para o banheiro, notei a corrida de ponteiros do relógio no corredor. Eu teria exatos vinte e oito minutos para estar na porta do Bright College, onde eu era uma típica novata me ambientando ao último ano do ensino secundário.
Havia exato um mês e alguns dias desde que deixei Sunnyside, no Queens, para morar ao norte do Bronx, junto de minha tia Margot Lancaster, uma senhora de meia-idade alegre e eclética, que cuidava de mim e meu irmão desde que éramos bem pequenos.
Fora a pequena infiltração no quarto de hóspedes e o gato do vizinho —que nunca deixava as petúnias do jardim crescerem—, a vizinhança era ótima. Além de que, o Bright College era bem próximo do subúrbio.
Eu não sabia exatamente qual era o sentimento que a palavra "novo" e seus derivados me passavam, porque novidades sempre tinham seus pontos bons e ruins, uns mais que os outros. Por todos os meus dezoito anos até então, nunca soube qual deles era mais constante.
Entretanto, mudar tão de repente me trouxe uma estranha sensação agradável, embora eu ainda não tivesse descoberto o motivo.
— Annie, querida! Está de pé? — Ouvi a tia Margot do outro lado da parede, na cozinha.
Ainda com o rosto úmido após lavá-lo, alcancei a toalha de mão e terminei de me secar. Saí pela porta em passos preguiçosos até a mesa de jantar, no centro da cozinha.
— Agora estou — respondi.
Margot colocava o café da manhã com suco, bolo e pães.
— Então venha comer, não saia de barriga vazia — ela disse.
Minha tia estava com os cabelos presos por uma touca de cetim lilás e uma camisola surrada, de flores rosas e brancas. Seus chinelos de pantufas pisoteavam o chão da cozinha de um lado para o outro, com pressa.
— Preciso estar no café em quinze minutos para receber as mercadorias — ela falou, virando meio copo de suco em um só gole, enquanto caminhava para o quarto.
Margot era dona de uma das cafeterias mais movimentadas da área central da grande Nova Iorque, e suas manhãs eram sempre resumidas na mesma rotina: o relógio que corria muito rápido e os pães mal digeridos.
— Você quer uma carona para a escola? — a escutei gritar dos fundos.
— Não, estou bem! — gritei de volta.
Terminei o café e me vesti muito corriqueiramente numa calça jeans velha com bordados amarelos de desenhos indecifráveis, e uma blusa de mangas cor mostarda.
Nesse momento, minha tia passou pela porta já com os cabelos presos num coque mal feito e em um vestido marfim, de alcinhas.
— Eu já vou, querida. Boa aula na escola hoje e não se esqueça do protetor solar — ela falou, depositando um beijo em minha têmpora.
— Tia, nem faz sol hoje — eu constatei.
— Pois não diga que não avisei quando estiver velha e manchada — ela respondeu, já caminhando rumo à porta.
Do lado de fora, escutei seu Pontiac dar partida até que o som do motor se tornasse distante o suficiente para não ser mais ouvido.
Um tempo depois de sua saída, por fim calcei minhas botas de veludo marrom, logo experimentando o ar frio daquela terça-feira pela primeira vez no dia.
A corrida pelas ruas despertou-me com uma faísca de entusiasmo. Era outubro e o frio, teoricamente, começava a se aproximar, embora a temperatura ainda permanecesse quente para a época, ao passo dos dezessete graus.
Atravessando o extenso gramado, que ligava a calçada à entrada do Bright, senti minhas botas se afundarem na terra úmida pelo sistema de irrigação, que flagelavam jatos de água em todas as direções.
Passei pelas grandes portas de vidro, chicoteada pela diferença térmica do ar-condicionado. Pisquei repetidamente os olhos para dissolver a irritação do primeiro contato do dia com as tantas luzes distribuídas pelos corredores extensos e largos, esperando que um dia pudesse finalmente me acostumar com todas elas.
Num olhar rápido para meus próprios pés, percebi que conforme caminhava, deixei um rastro de barro ao longo do piso vinílico, perfeitamente limpo e encerado. Ergui novamente a cabeça, buscando pelos típicos olhares críticos que poderiam estar fitando aquele momento, mas só encontrei vários estudantes ocupados em atravessar o imenso Bright a tempo de não se atrasarem para a primeira aula.
Custou-me poucos minutos para conseguir chegar à classe de Francês. Madame Davis Aime, a professora, conjugava incansavelmente o verbo caminhar:
— Je marche, tu marches, il marche, elle marche...
Estava tão concentrada que não me viu adentrar a sala sorrateiramente.
Tentando ignorar os olhares que me acompanharam até que eu encontrasse uma mesa vazia nos fundos da classe, me sentei observando as voltas de sua letra no quadro negro:
"Presente indicativo Je marche, tu marches, il marche, elle marche, nousmarchons."
Eu caminho, tu caminhas, nós caminhamos... mas a grande pergunta era: caminhar para onde?
— Atenção ao verbo — Aime orientou —, hora de pronunciarem comigo — Diante de seus comandos, repetimos como robôs: "Je marche, tu marches, nousmarchon".
Madame Aime gostava muito de rosa Pink, ela era uma senhora rechonchuda com aparência de muito mais idade do que realmente tinha. Naquele dia, usava um vestido floral, muito charmoso e elegante.
Ela se formou em Francês em Harvard e apesar de ministrar suas aulas com muita seriedade, não era tão exigente. Eu costumava me atentar ao som de suas inúmeras pulseiras se chocando enquanto ela explicava algo ou quando caminhava de um lado para o outro ao aplicar avaliações.
Sempre nos dizia que se queríamos chegar a algum bom lugar, deveríamos ter objetivos muito claros, mas eu sempre me perguntava quem poderia ter tanta certeza da vida aos dezoito anos.
— Na próxima aula, vamos adentrar a temática família e para isso eu quero que façam uma árvore genealógica de vocês — ela disse.
Aquilo foi a última coisa que escutei antes de me desligar olhando para as vidraças, que cobriam a lateral da sala de fora afora.
Ali, no segundo andar, pouco se via o que estava lá embaixo, na área verde do campus.
Em alguns dias, havia coisas interessantes como o treino das líderes de torcida ou dos jogadores de futebol americano, mas na maior parte do tempo a visão era de alguns muitos alunos sentados no gramado, estudando, lendo ou conversando, o que dificultava vê-los, visto as janelas altas.
Então, só restava observar o céu decorado pelas nuvens cinzentas e a luz do sol que caminhava sutilmente entre elas, bem como a grandeza do Bronx que se estendia no horizonte com casas e pequenas construções para além das dependências do colégio.
Aquela era uma manhã bonita, embora nublada, e a aula deslizou com pressa, tanto que quase não notei quando chegou ao seu término. Talvez fosse minha percepção de tempo afetada pelo ânimo, os dias bons sempre corriam rápido.
Em meio à dúzia de estudantes que guardavam seus pertences e se levantavam para sair, respirei fundo.
Comecei a guardar minhas anotações quando senti alguém se aproximar...
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Walker
Romance"Naquele instante, memorizei cada traço dele... a curva da boca, os olhos castanho-escuro, os cílios tocando a maçã do rosto e até a rebeldia atraente dos fios platinados. Seu calor invadia meu corpo, alastrando-se e dançando com meu âmago, e ainda...