Capítulo VII

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Pela manhã, me levantei antes do despertador. 

O sol se espreguiçava lentamente no horizonte, trazendo-me apenas uma meia luz para o quarto apagado. Calcei minhas pantufas azul —quase cinza pela poeira acumulada— e caminhei em passos lentos até o banheiro.

De frente para o espelho do armário de madeira, acima da pia, me deparei com grandes bolsões arroxeados em volta dos olhos.

— Ah, céus... — lamentei, abrindo a torneira. 

Inclinei o corpo, mergulhando o rosto desajeitadamente para dentro da pia e deixei que o feixe de água caísse diretamente sobre ele.

— Annie? — A voz súbita de tia Margot me cobrou um espasmo de susto, fazendo-me levantar abruptamente e bater com a testa na boca da torneira.

— Ai! — Cambaleei para o lado, chocando de costas contra a parede atrás de mim. 

O esbarrão com a torneira fez com que a água se esguichasse em todas as direções, molhando as paredes, o armário e meu pijama de bolinhas.

— Annie, santo deus! — Margot exclamou, vindo me segurar. 

Comecei a rir, massageando a testa. 

— O que te deu na cabeça? — ela perguntou, fechando a torneira.

— Um galo, certamente — respondi.

Saí do banheiro, enxugando meu rosto e pescoço molhados, então voltei ao quarto para me trocar.

Naquele dia, optei por uma blusa de tricot vermelha e calças pretas de tecido leve, caso viesse a ter mais um encontro indesejável como o do dia anterior. Enquanto estava sentada na beira da cama calçando meu tênis vermelho, Margot surgiu na porta.

— Por favor, Annie, onde estão as botas que te dei? — ela perguntou, encarando meu par de tênis com o cenho franzido em perfeito desdém.

— Eu acho que elas não combinam com a roupa — retruquei, terminando de amarrar os cadarços branco-encardido.

Qualquer coisa combina melhor do que isso. Nos vemos à noite! — respondeu sem grande sensibilidade, saindo pelo corredor.

Me levantei da cama, encarando o espelho do outro lado do quarto.

Certamente, os tênis haviam tirado a beleza da combinação de roupa. Suspirei fundo, retirando-os e indo até o armário de sapatos. A bota estava na prateleira de baixo, junto de outros calçados sujos. Depois de calça-las, soltei os cabelos e disfarcei as olheiras com um pó compacto velho, escondido nas entranhas do guarda-roupa.

Após a caminhada matinal até o Bright, adentrei as dependências do colégio sentindo um ar gélido no estômago.

Não sabia ao certo o motivo daquela sensação, mas ela se intensificava conforme eu me perdia no emaranhado de alunos. Os minutos antes da primeira aula do dia estavam dentro dos momentos onde os corredores ficavam mais cheios.

Percebi que talvez o que me acometia era o medo de me esbarrar com Emily ou Katherine Johnson e suas amigas, sem aviso prévio. Ainda não sabia como encará-las. Desde o incidente na arquibancada, eu não voltei a vê-las, mas a lembrança me chacoalhou com um embrulho no estômago.

Em passos rápidos para a sala de aula, pensei ter escutado meu nome ressoar pelos corredores. Continuei a caminhar sem olhar para trás, imaginando ser uma confusão sensorial diante de tantas vozes em uníssono. 

Entretanto, a junção das sílabas "Lan-cas-ter" começaram a ficar claras e altas, então me virei, vendo Albert em minha direção.

— Finalmente! Achei que não ia me escutar — ele disse, se aproximando.

WalkerOnde histórias criam vida. Descubra agora