Capítulo III

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Abri a gaveta do armário de tia Margot, onde estavam todos os álbuns de foto da família. 

A tarefa de árvore genealógica de Madame Aime podia ser bem complicada, visto que minha história não foi escrita tão generosamente.

Tive poucos registros da minha primeira infância, isto porque meus pais biológicos me deixaram sob os cuidados de minha tia quando eu ainda era um bebê. 

Meu irmão, Mike Lancaster, por outro lado, parecia ter sido intensamente amado. Havia registros de seus primeiros passos, a primeira papinha, os primeiros dentinhos. Fotos de suas covinhas lindamente desenhadas nas bochechas enquanto ele, com os olhos brilhantes e a camiseta de patinho, tentava pegar a câmera. 

Mike era alguns anos mais velho que eu e teve o que chamei de "época de ouro" de nossos pais, quando eles ainda estavam juntos e queriam filhos.

Minha chegada mudou tudo. Com ela, veio o divórcio, a fuga de meu pai e a rejeição de nossa mãe. 

Aquele foi o período mais difícil da vida de meu irmão e isso é refletido nas poucas fotos que vieram depois de sua vida ser completamente mudada. Depois que passamos a morar com a tia Margot, Mike se tornou uma criança retraída, que pouco se expressava, mesmo que ela esgotasse as tentativas de fazê-lo feliz novamente. 

Folheei as fotografias de seu aniversário de treze anos, no quintal da nossa antiga casa no Queens. Tudo estava decorado com luzes de pisca-pisca verde, sua cor favorita, banners com as imagens de Charlie Brown e Snoopy, o desenho que ele mais assistia em seu tempo livre, e mesas de plástico brancas espalhadas pelo gramado, onde alguns poucos amigos da vizinhança ocupavam os lugares. 

Os pisca-pisca se enrolavam pelos Oitis do quintal, dando um toque diferente e iluminado ao ambiente. Havia também uma churrasqueira acesa próxima à entrada para a varanda erguida de madeira clara, onde eu me lembrava vagamente ter sido o lugar em que os adultos mais ficaram durante toda a festa, saboreando da carne assada e proseando sobre as próprias vidas fúteis, que eles julgavam como importantes.

Tudo tinha um potencial de parecer contente e vibrante para Mike, se não fosse os retratos onde ele apenas comia bolo no canto da sala, enquanto eu e as outras crianças corriam e se alegravam com balões por toda a casa. Seu rosto estava sujo de glacê e seus olhos buscavam fuga da câmera. 

Na página seguinte, estávamos nós dois abraçados, sorrindo com os dentes sujos de recheio de morango. Naquele momento, eu sorri aliviada por ser a pessoa com quem Mike voltava a ser ele mesmo, um menino radiante e livre de dores. 

Mas também sentia a dor de tê-lo arrancado da sua vida normal.

Apesar de todos os pretextos para se tornar um homem ruim, Mike cresceu muito caridoso e amável. Sua beleza inconfundível era o atributo menos atraente de tudo que ele era. 

Eu me lembrava das inúmeras noites de chuva em que ele dormia ao meu lado para me acalentar dos relâmpagos e trovões, ou de como ele adorava cozinhar para tia Margot, pela manhã. 

Também tinha pequenos lapsos de memória da época em que éramos crianças, as incontáveis lágrimas que, muito zelosamente, ele guardou para enxugar as minhas. 

Crescemos no amor e aconchego de Margot, que nos aceitou e cuidou de nós como se fôssemos seus filhos. Com o passar do tempo, as lembranças e a imagem de Annelise Lancaster, nossa mãe, deixaram de ser destrutivas para se tornarem puramente saudosas, foi quando Mike se reergueu completamente. Eu me lembro de sua transição para a fase adulta e de como passei a ver novamente o sorriso no rosto de meu irmão.

Aos dezenove anos, ele abriu seu primeiro negócio inspirado em nossa tia, que administrava uma cafeteria bem alavancada nas imediações de Nova Iorque desde quando éramos crianças. Então descobrimos que esse era o ponto mais forte da família: empreender. 

WalkerOnde histórias criam vida. Descubra agora