Querida Carrie,
Já faz um ano. Bom, faltam dois meses para fazer um ano desde a última vez que eu te escrevi. Mas nada melhorou desde então. Eu lamento tanto por dizer isso.
Eu realmente gostaria de ser uma amiga melhor para você, ou para qualquer um. Gostaria de verdade.
A sensação de que eu tenho é de que eu sou um fracasso. Não é mais tão difícil assim admitir isso quanto era no começo. Se analisarmos todas as nossas conversas desde que eu comecei, tem 14 anos que eu me sinto um fracasso.
Eu sinto que não mereço minha vida. Não mereço ter sobrevivido a todos aqueles horrores. Eu só queria ter alguém com quem conversar. O único problema é que se eu for a um psiquiatra, ele vai me fazer falar de todas as monstruosidades. E lembrar é reviver. Não quero passar por tudo isso de novo.
Estou sem dormir há uma semana. Exatamente uma semana. Não durmo de dia, não durmo de tarde, não durmo de noite. Tudo o que eu consigo fazer é chorar. Chorar muito. A sensação de que eu sou um fracasso e que nunca vou conseguir nada é assoladora, como levar uma surra de uma onda cheia de pedras e ter o rosto esfolado na areia grossa do fundo da praia.
Junior e eu namoramos há 3 anos. Eu o amo de todo o meu coração. Mas ele se sente confortável demais com a vida dele. Com a casa dele, onde os pais dele lhe dão tudo o que ele quer, como celulares caros, computadores, videogames, pagam a faculdade. Ele vai fazer 30 anos. E, por mais que eu o ame, estou deixando cada vez mais de acreditar que ele me ama, sabe, de verdade.
É muito difícil competir entre amor e uma vida confortável sem ter que fazer nada.
E isso dói demais. Eu não quero ser a mãe dele. Eu trabalhei um ano inteiro, e dei mais presentes pra ele do que ele me deu em 3 anos. Eu dei os presentes. Eu vejo os preços das casas. De financiamentos, de carros, de documentos, procuro lugares para ele mandar currículos, empresas, escritórios.
Mas, se eu olhar em retrospectiva, parece que eu estou implorando pra ele "por favor, seja homem uma vez na vida, eu vou te dar tudo, só casa comigo".
Eu nunca quis casar, Carrie. Eu tenho medo dos homens. Eles são monstros cruéis que só se interessam por eles mesmos. Só pensam que as pessoas que valem a pena demonstrar afeto, compartilhar planos, segredos, são os outros homens. E que as mulheres só servem para descarregar a libido e servir o jantar.
E por mais que todos os homens digam "nem todos são assim", cada vez mais eu vejo que eles todos se comportam exatamente assim. Inclusive o meu Junior.
Eu não paro de chorar, Carrie. Não consigo. Porque quando pedi uma atitude dele, tudo o que ele me disse foi "você está com muita pressa de casar". Ou seja, eu só sou boa para beijos e carinhos, para dizer que ele é importante e inteligente.
Mas quando se trata de um futuro... ele é igual a todos os outros.
Eu quero terminar tudo.
Maldita foi a hora que eu decidi me abrir. Maldita hora que eu pensei que merecia amor. Maldita hora que eu me deixei levar pelas palavras doces e sentimentos floreados de um maldito homem. Eu os odeio, sempre odiei. E parece que sempre vou odiar.
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Querida Carrie...
Short StoryCartas de uma esquizofrênica para uma amiga que não existe.