Querida Carrie,
Como acontece com todas as pessoas todos os anos, hoje eu estou fazendo aniversário. Isso é tão estranho. Existe um problema com o número 23, eu acho. 2 dividido por 3 é igual a 0,666, e esse não é um número da sorte, por assim dizer. Por outro lado, na cultura Maia e Egípcia o número 23 é o melhor número que existe. Segundo uma matéria da revista Superinteressante,
"Grande parte do misticismo que envolve o número 23 vem de uma corrente de pensamento recente, fundada no final dos anos 50. Batizada de discordianismo, a crença é norteada pelo "enigma 23", que sugere que todos os incidentes neste mundo estão, de alguma forma, direta ou indiretamente, ligados ao número 23. Por isso, ele é um algarismo sagrado para os discordianos. Como sucessor imediato do 22, que simboliza as coisas concretas deste mundo, o 23 anuncia o início de uma era governada por leis não tão harmoniosas como antes. Não à toa, o discordianismo é baseado na adoração de Eris, a deusa greco-romana do caos."
Isso parece cada vez menos animador.
Quando eu tinha 15 anos, eu olhava para o meu futuro imaginando como seria a minha vida aos 23. Tinha até uma lista de possibilidades, que eu já enviei a você em cartas antigas, quando as escrevia no papel.
• Um emprego. Eu me imaginava feliz em um emprego, nem precisava ser estável. Me imaginava linda chegando de manhã no meu trabalho, cumprimentando meus colegas e conversando, com meus cabelos loiros presos por um hashi com desenho de gatinhos e pingente de patinha dourado. Um emprego com um bom salário, que me permitiria viajar e comprar chocolate sempre que precisasse.
• O amor da minha vida. Eu me imaginava chegando em casa e abraçando o amor da minha vida, com uma linda aliança brilhante no dedo. Isso passou a parecer cada vez mais distante com o passar dos anos. Primeiro, comecei a achar que eu acharia alguém, mas não estaria casada antes dos 30. Depois, comecei a achar que não acharia ninguém. E no fim, tive certeza de que acabaria sozinha. Afinal, quem poderia me amar? Eu sou só uma nerd gordinha que não consegue falar com as pessoas. O que leva ao próximo item.
• Amigos. Eu ainda tinha esperança aos 15. Mas desapareceu no aniversário de 16. E nunca mais retornou.
• Minha própria casa. Eu achava que não estaria mais morando com os meus pais e ouvindo eles reclamarem por eu ter esquecido de lavar a louça ou por assistir a tv no meu quarto alto demais. O engraçado é que eles nem estão perto dos 50 anos, mas agem como se tivessem muito mais.
• Formada. Eu achava que estaria começando uma pós graduação.
Agora, olhando pra mim, eu vejo que tenho mais coisas ruins do que itens cumpridos dessa lista.
• 0 amigos. Eu sou a amiga depósito. As pessoas vem até mim pra despejar seus problemas e frustrações, e depois saem se sentindo aliviadas. Ninguém quer realmente perguntar se eu me sinto bem.
• Ansiedade e depressão. Minha cabeça continua acelerada e me enlouquecendo, e o Pedro desapareceu. Acho que de vez. Eu nunca mais ouvi ele falar. Ele nunca mais esteve ao meu lado, nem a Susana, que sempre disse que era minha melhor amiga. É cada vez mais difícil constatar que eu estou sozinha e isso não vai mudar tão cedo.
• Doente. Sim, eu passei o ano passado todinho no hospital, uma das vezes fiquei na UTI. Agora tenho que tomar remédios e usar injeções de insulina duas vezes por dia. E o pior é que nem é por gostar de chocolates. É por estresse. Estou doente e essa doença veio justamente por estar doente.
• Ainda na faculdade. E cada vez mais distante de estar me formando.
Quanto ao quesito amor da minha vida, eu olho para o lado agora e o Júnior não está aqui dormindo comigo. Ele está há 3.500km daqui. E depois de 2 anos e meio de namoro, não estou mais perto de me casar do que estava aos 15 anos. Nesse relacionamento, isso não é culpa minha. E talvez também não seja culpa dele. Ele precisa arrumar um emprego e se formar antes de pensar em qualquer coisa. Não cobro isso dele, eu vejo que ele se esforça. Ele realmente se esforça.
• O mundo está acabando. Pois é, talvez os apelos incessantes do meu pai durante anos tem surtido efeito e finalmente o mundo está entrando em colapso e ameaçando ruir. Ficar trancada dentro de casa por causa disso piora todos os itens acima, e empurra meu futuro cada vez mais longe, enquanto encurta meu tempo de correr atrás dele.
Hoje eu faço 23 anos. Minha vida não é nada do que eu tinha planejado. E não consigo ter uma boa perspectiva. Assistir Bridget Jones só me desespera ainda mais, porque ela só achou o amor e o emprego certos aos 32, e só se casou aos 40 e um pouco. Eu não queria esperar tanto tempo. Não quero estar falida aos 25, nem cair na maldição dos 27. Eu queria uma vida, uma de verdade, como todo mundo tem. Eu não sou eu, presa na casa dos meus pais, aguentando broncas que eu não merecia ouvir dos meus pais e da minha avó idosa que ainda mora com a gente e diz, além do quanto eu sou gorda, imatura e inútil, que eu tenho que me casar logo porque não conseguir nada melhor na minha vida mesmo. E se eu não correr, nem filhos vou conseguir ter. Grande incentivo, vovó.
É cada vez mais difícil acreditar que eu possa merecer o amor de alguém. Especialmente quando todo mundo ou te critica ou te abandona. Ou te usa como lixeira emocional. Viva, 23 anos.
Duvido que você ainda esteja aí me ouvindo, Carrie. Acho que você também nunca esteve. É só mais um delírio da minha cabeça.
P.S.: Será que eu deveria começar a considerar beber como uma opção?
P.P.S.: Além disso, meu pai está mais preocupado em provar pros outros o quanto ele estava certo sobre o fim do mundo, do que realmente se importando com qualquer outra coisa. Ninguém se lembrou do meu aniversário. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação. Minha mãe só cantou parabéns porque olhou no celular e viu a data. Mas ela não ia cantar. Nem ela lembrou realmente de mim. Eu estou odiando cada vez mais fazer aniversário. Ou natal. Ou Páscoa. Ou viver.
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Querida Carrie...
Historia CortaCartas de uma esquizofrênica para uma amiga que não existe.