Querida Carrie,
Eu tive meu primeiro pesadelo em quatro meses.
Já fazem quase dois meses que eu e o Junior estamos namorando, e cada dia tem sido mais lindo e perfeito que o outro. Eu o amo demais, e ele adora dizer que me ama o tempo todo. É maravilhoso, eu não sabia que namorar, especialmente ele, seria tão gostoso assim.
Essa noite, eu tive um pesadelo. Faz muito tempo que eu não os tenho, estava vivendo bem já. Eu diria muito feliz, amando.
Eu estava na minha gaiola outra vez, coberta de piche. Na escuridão fora da gaiola, a mesma voz ria, debochado, várias e várias vezes ao mesmo tempo. Aquilo me apavorava, eu cobria as orelhas, enfiando o rosto em meus joelhos. De repente, uma figura apareceu a apenas alguns passos de mim. Era o monstro nojento. Eu pegava o piche, cheia de ódio, e jogava nele, mas não conseguia acertar. E ele gargalhava e gargalhava.
De repente, ele se abaixou, e puxou algo pelos cabelos de dentro do piche, até que ficasse de pé. Era o Junior. Ele estava assustado, tentava se soltar do monstro sem sucesso. Eu berrava e gritava, implorando que o monstro soltasse ele, mas o desgraçado apenas ria.
Eu me levantei do chão e tentei andar. Mas o piche segurava meus pés, eu não conseguia me mexer, sair do lugar. Eu tentava alcançar o Junior, mas meus dedos chegavam muito perto, sem conseguir tocar. As lágrimas corriam pelo meu rosto, e eu gritava de ódio.
O monstro se cansou de mim, e enfiou a mão no peito do Junior, arrancando seu coração. E jogou o corpo sem vida do meu amor no meu colo. Eu abracei ele, acariciando seus cabelos, chorando e beijando ele. Doía demais ver aquilo acontecendo, não era justo.
"O que foi, coelhinha? Você pensa que amava ele? Como pode achar que pode amar alguém? Monstros como nós não temos sentimentos. Monstros como nós não amam. Não se iluda coelhinha, você é igual a mim. Sem coração. Não pode ser feliz."
Eu gritava a cada palavra. Eu não podia suportar as palavras pesadas que o desgraçado dizia. Eu olhava para o corpo do meu amor nos meus braços, e chorava, abraçando ele, beijando ele, implorando justiça aos céus. E as sombras ao meu redor riam da cena toda.
Eu acordei chorando. Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça o dia todo. Sem coração. Não pode ser feliz. Monstro igual a mim. Meu estômago gela e embrulha ao lembrar. Eu queria tanto poder ser feliz, por que não posso ser feliz? Por que ele não me deixa em paz?
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Querida Carrie...
Short StoryCartas de uma esquizofrênica para uma amiga que não existe.