A luz de um mundo morto

126 7 7
                                    

  Sob a chuva pesada que encobria o som denso de suas botas, Onze corria intensamente até a casa mais próxima que viu, ela tinha a absoluta certeza de quem nenhum estalador estaria lá dentro, nem mesmo um Corredor sequer. Mas por precaução, ela chutou a porta com toda força que tinha na perna esquerda, a porta se abriu abruptamente e ela empunhando um arco e flecha o apontou para a penumbra do corredor a sua frente. Não havia nenhum sinal de infectado na casa, Onze entrou com passos cuidadosos, um após o outro, como um gato que adentra a casa sem que seus donos ouçam, sempre com os braços eretos e as mãos firmes segurando o arco e a flecha, olhos tão atentos quanto de um tigre mirando sua presa na relva. A chuva lá fora era tão intensa, tão densa, que confundiria os infectados, até mesmo atrapalhava um pouco Onze de ouvir o interior da casa. Mesmo controlando sua respiração, o medo de se deparar com um infectado era grande, ela passou pela sala bem iluminada, não havia ninguém lá, ela passou por um quarto de criança e não havia ninguém lá. Ao chegar o quarto de casal ao fundo, ela se deparou com um corpo já esquelético, havia ao lado desse corpo uma carta, ao qual ela apanhou e nela estava escrito:

"Querida, eu escrevo essa carta por saber que eu não suportei viver sem você e sem nossa filha Melanie, espero que um dia eu possa encontrar você novamente um dia, em uma bem melhor, eu estou isolado e tudo que ouço lá de fora são sons aterrorizantes de pessoas mortas, não há mais ninguém, e agora não há eu também".

  Ao lado do corpo havia um revólver, uma caixa de balas, havia um furo no crânio do homem e sangue seco embolorado sobre o tapete. Onze se abaixou largando a carta ao lado, apanhou o revólver velho, a caixa de balas e as guardou em sua mochila. Nada fora do comum para Onze que nesses anos longe de seus amigos houvera visto. Ela fugiu antes da quarentena de Indianápolis cair pelas mãos dos Iluminados, e agora estava numa jornada solitária buscando pistas daquela quem ela amava e sempre andava com uma foto sua guardada.

 Ela fugiu antes da quarentena de Indianápolis cair pelas mãos dos Iluminados, e agora estava numa jornada solitária buscando pistas daquela quem ela amava e sempre andava com uma foto sua guardada

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

  Esse dia, tão especial, ambos tinham 14 anos, ambos estavam vivendo suas vidas despreocupados, ambos estavam se amando intensamente, até que tudo aconteceu...

Onze se lembra que seu corpo estava todo encharcado, e isso iria lhe causar uma hipotermia grave, ela então abriu o guarda roupas, apanhou uma calça militar surrada, uma camiseta e uma jaqueta preta, além de uma bota marrom de trilha. Ela secou seu curto cabelo que agora estava emaranhado pela estática, seus olhos cansados fitaram a si mesma no espelho empoeirado do guarda roupas, as marcas de cortes pelo rosto, as dores pelo corpo, as memórias assustadores daqueles que ela teve de matar, Onze já não era a garota sorridente da foto polaroid que ela guardava consigo, uma das 10 fotos que ela mais amava, um pedaço de sua, agora tenra, humanidade. Tal humanidade que a fazia ignorar aquele corpo diante dela, alguém que no ato do desespero simplesmente não resistiu e se agarrou ao desespero da fácil saída suicida. Ela penteou seu cabelo e o prendeu com um laço fazendo um curto rabo de cavalo. Ela se sentou na cama fofa, passou a mão devagar sobre o edredom, estava tudo arrumado, ninguém havia deitado ali há anos, ela passou os olhos pelo quarto em penumbra e encontrou no canto um violão guardado em sua capa, ela devagar o retirou levantando um pouco de poeira, era um belíssimo violão Tajima preto com cordas douradas desbotadas, por incrível que pareça, havia pouca poeira sobre ele, mas ao tocar em suas cordas, ela viu logo a desafinação.

  De sorte, Mike Wheeler havia ensinado Onze a tocar violão, entre beijos e notas, ela aprendeu perfeitamente a tocar e afinar o violão. E ali mexendo nas tarrachas, ela colocou o tom que quis para música perfeita para aquele momento, para o seu humor. A melodia era melancólica, devagar seus dedos trêmulos e cansados se moveram sobre elas fazendo o som ecoar devagar, não havia medo de alguém infectado ouvir, afinal a chuva estava ajudando a encobrir qualquer som. Como um grito preso em sua garganta, reprimido pela melancolia da solidão profunda, ela começou a cantar.

- I Hurt My Self, Today (Eu me machuquei Hoje). - To see If i still feel (Pra ver se eu ainda sinto). - I focus on the pain (Eu foquei na dor). - The Only thing that's real (A única coisa que é real).

  Sua voz suava como um breve sussurro nos ápices versos, cada frase uma dor cortante por dentro.

- The needle tears a Hole (A agulha abre um buraco). - Onze está fazendo uma sutura em seu próprio braço esquerdo, um ferimento que adquiriu numa briga com contrabandistas. - The Old Familiar Sting. (A velha picada familiar). - Try to kill it all away (Tento eliminar isso tudo). - Onze está lavando seu rosto na pia do banheiro. -  But I remember Everything. (Mas eu lembro de tudo). - Ela aumenta a intensidade do toque. - What have i become (O que me tornei). - Ela dolorosamente se lembra de quando estava sendo espancada por contrabandista em Jackson. - My sweetest friend (Meu doce amigo). - Ela se lembra de cada chute, soco, de cada xingamento, da dor lancinante percorrendo seu corpo. - Everyone I Know (Todos que eu conheço). - Ela se lembra de Mike partindo em um caminhão militar com civis para outra região de quarentena, ela lembra do gesto dele de levantar sua mão e acenar enquanto as lágrimas caíam dos seus olhos intensamente. - Goes Away In the end (Vão embora no final). - And you could have it all (E você pode ter tudo isso). - Ela se lembra de apanhar um canivete e enfiar no calcanhar de um dos contrabandistas e depois aproveitar a distração dos demais para se levantar e enfiar o canivete no pescoço de um deles. - My Empire of Dirt (Meu império de poeira). - Ela se lembra de passar o canivete no peito de outro contrabandista que foi parar trás ferido, e ela então apanhou uma barra de ferro e desferiu um letal golpe contra o rosto do homem que teve sua mandíbula destruída, caindo para trás morto. - I will let you down (Eu vou desapontá-lo). - Ela se lembra de correr com a perna ferida enquanto infectados a perseguia. - I will make you hurt (Eu vou fazer você sofrer).

Ela para de tocar Depois de memórias tão dolorosas. Onze se levanta deixando o violão de lado, ela caminha até a porta da frente ao qual ela deixou aberta em um vacilo. Onze a fecha, coloca uma mesa a frente respira fundo, aquele será seu porto seguro por uma noite no mínimo.

Stranger Things - Os Últimos De NósOnde histórias criam vida. Descubra agora