02. - Nothing has changed.

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Quando eu era criança, eu vivia perguntando para minha mãe sobre uma cantiga de ninar que sempre esteve em minha cabeça, mas ela disse que nunca cantará ela para mim; nem reconhecia a melodia, e eu falava também sobre um garoto, dizendo que precisava esperá-lo porque ele viria me buscar, mas meus pais não sabiam quem era. E por um momento meus pais acharam que eu estava louca e me obrigaram a ir para o psiquiatra, porém naquele tempo eles não acharam nada de errado comigo, e por mais que tenham me dito que era possível que eu tivesse memórias fetais, meus pais me desacreditaram e disseram que isso era tudo minha imaginação. E com o tempo, as memórias foram se dissolvendo, em um mar escuro e fundo, até sumirem — não completamente, porque eu consigo cantar a melodia, a música sem letra, apenas um farfalhar de uma voz doce e melodiosa, que ecoa como um rádio baixo e antigo em minha cabeça —, mas está aqui, embaralhada, escondida. Eles disseram que elas não eram reais, mas sei que elas estão aqui, em algum lugar. E me pergunto agora se essas memórias eram da minha antiga família, ou se realmente imaginei tudo isso.

Já entrei em casa sentindo o meu estômago no chão, ainda não é nem seis e meia. Fechei a porta devagar, respirando profundamente — embora, silenciosamente. Olhei ao redor, nenhum barulho de Greta, o que só afunda mais a sensação contra minha pele. Rodei a celular na minha mão suada, e comecei a andar em direção às escadas. Me sinto pesada, e sei o porquê. Tento raciocinar calmamente, ela não iria perder um dia de emprego por isso, não é? Mas por acaso encontrei o meu pai.

— Penelope, vamos conversar.

— Não, não dá. Preciso ir estudar. — O mesmo se pôs na minha frente, e eu fitei-o seriamente. — Te dei a oportunidade ontem à noite, e você não o fez, agora me deixa passar.

— E só por isso acha justo dormir fora de casa, sem dar qualquer explicação para seus pais? — Eu trinco meus dentes.

— Não, não acho, está bem? Mas eu não tenho tempo para discutir isso agora. — Disse, e em seguida, passei por ele em direção as escadas.

— Penelope!

— Agora não, pai! — Gritei, colocando um pé no degrau, mas é a minha mãe, eu lembro, e não ando metade da escada antes que ela pareça, de braços cruzados e no topo.

— Aonde você dormiu essa noite, Penelope? — Engoli o seco. Ela não conseguiu me rastrear durante a noite toda, o aplicativo dando locais confusos até aonde ela entende. Contudo, agora está na hora do confronto — e eu, em suma por causa dela — odeio confrontos, é mais simples aceitar o que ela quer? Sim, é, mas eu não posso mais com isso.

— Não importa. — Respondi, e ela deu um passo à frente, à medida que eu dei um para trás.

Minha mãe não acredita muito que violência resolva: chantagem emocional, autoridade, castigos e invasão pessoal sim.

Seus olhos brilham raivosos, e eu travo a mandíbula. Não gosto de irritá-la, não gosto de discutir com ela, contudo sinto o furacão a caminho. Fitei o meu pai, ele claramente não fará nada contra ela.

— Eu quero o seu celular. — Ela esticou-me a mão, e imediatamente eu enfiei o celular no bolso da jaqueta.

— Eu não vou te dar. — Respondi calmamente.

— Penelope... — Seu tom foi um aviso, e ao vê-la descer as escadas, eu decidi que era a hora de recuar também. — Me dê o seu celular agora!

— Não! — Rebati, incrédula. — Não achará nada do que quer nele.

— Acha que não sei que aquele gringo andou colocando ideias nessa sua cabeça?

Gringo?

Fiz um bico. Ela fala do meu professor de física.

InvictusOnde histórias criam vida. Descubra agora