Coraline e a Volta ao Mundo Secreto

Capítulo 7

Tentei abrir os meus olhos de forma bem lenta, o fato de ter chorado deixou minhas pálpebras pesadas e eu já estava esgotada de cansaço; o meu corpo só queria mais um pouco de paz e descanso até se recompor, mas lembrei da realidade e tive que me levantar rapidamente.

Achei que fosse ser um sonho, que os fantasmas perturbados das crianças estavam todos vis e descontrolados, que eu e Chess havíamos rolado ladeira abaixo e que, depois de escondermos do perigo e da chuva, estávamos dentro de um tronco grande de uma árvore já morta e caída na terra molhada.

Mas percebo que não foi um sonho. Tudo não passou de fatos que aconteceram há alguns minutos.

- Chess? Chess! Cadê você? -perguntei ainda confusa e com medo do que tínhamos visto.

- Ei ei, calma. Eu tô aqui, calma. - me pegou nos braços e me abraçou. - Sei que você acabou de acordar e tá tudo escuro ainda, mas sua visão já vai se acostumar com a noite e vai poder me ver. Você achou que eu tinha te abandonado?

Eu estava com minha cara enterrada em seu casaco preto; cheirava a orvalho:
- Eu não sabia o que pensar, já me sinto assustada o suficiente diante do que a gente acabou de presenciar e... me sentir sozinha é a última coisa que eu quero.

- Você sabe que eu não te abandonaria, não agora depois de tudo o que fez por mim. -me soltou e segurou meus ombros. - Cuidou de mim desde que eu era um simples gato e continuou fazendo isso mesmo sendo um humano, me ajudou a curar minhas feridas e até deixou eu deitar no seu colo. Saiba que posso não ser mais um felino, mas te garanto que sou um companheiro fiel e cumpro com a minha promessa de te acompanhar sempre pelas aventuras afora. Consegue me entender?

Eu o abraço com força novamente:
- Obrigada por ser tão fiel a mim e por me ajudar. Céus, já perdi o Wybie nessa brincadeira, não quero perder outra pessoa; ainda mais se for você. -me afastei e olhei para seus olhos. Estavam tão intensos e profundos, tão concentrados e brilhantes. Era como se fosse ver uma lua em meio à noite.

Houve um breve momento em que me senti estranha, que me senti diferente, que havia algo de diferente naquela situação. Eu não sabia responder o porquê, mas não conseguia sair daquele transe, como se estivéssemos ambos hipnotizados e aguardando algum de nós descruzar os olhares para fechar os olhos e não pensar em mais nada.
Até que eu tomei a iniciativa e fechei minhas pálpebras, tentando imaginar aquele momento bom em meio ao caos; tentando imaginar os motivos de ainda estar ali; tentando não notar em o quê havíamos de passar ainda.
Um pequeno sopro foi sentido pelo meu nariz. A respiração de alguém. A respiração de Cheshire próxima de meu rosto. Eu conseguia sentir em como sua respiração estava leve, serena e tranquila; pensar em como estava chegando mais perto de mim; em como a noite fria havia se tornado quente e aconchegante naquele momento. Eu não pensava em mais nada além disso. Mas...

Wybie!

Abri os olhos abruptamente:
- Chess. - seus olhos se abriram rentes aos meus. - Temos que voltar a procurar pelo Wybie. Eu não sei onde estamos mas não duvido que ele possa estar tão assustado quanto nós. -observo que seus lábios estavam semiabertos antes de eu ter falado.

Se afastando lentamente de mim e sentando com a cara entre as pernas, disse:
- Tem razão, a gente ainda tem que correr atrás do seu amigo. Acho que conseguimos despistar os fantasmas no final das contas, e mesmo tendo rolado ladeira abaixo, acho que ainda consigo analisar onde é que ele pode ter ido. - Seus olhos estavam tão pensativos e fixados no chão que me senti como se estivesse invisível. - Foi na direção contrária de nós. Se fomos pelo sul, ele provavelmente deve ter ido pro norte ou noroeste. O mundo de Otherland não é tão grande assim, vamos conseguir chegar em algum lugar que tenha alguma pista de onde ele pode estar. -disse e começou a sair do tronco.