~Algo na neblina~

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Como faz mais de um mês:
Anteriormente: Luahn e Mejem foram pegos por um grupo de pessoas que vieram bem de longe para recuperar coisas que foram roubadas de sua cultura. Com a possível troca de sua ajuda por um pingente que poderá fazer Luahn controlar-se quando se transformar em um monstro, os dois viajantes se envolvem nessa luta e participam do plano de recuperação dos artefatos. Porém, o tempo é curto e a lua cheia vai surgindo, o perigo estava próximo e... será mesmo que o plano de ataque deu certo?
Boa leitura!
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[Luahn]

— LUAHN! NÃO! PARE!

A frase gritada e desesperada surgiu de repente no meio da escuridão. Instantaneamente, senti medo e uma vontade enorme de entender o que eu não devia fazer, mas tudo que eu enxergava era um ambiente escuro, sem sensações, sem nada mais. Então experimentei um gosto metálico na boca, gosto de sangue que me fez cuspir, e subitamente ouvi um urro de mim, de minha própria garganta, depois minha visão despertou para a realidade...

Ao meu redor a neblina na noite escondia os detalhes, mas estava na estrada de terra. Ouvi homens gritando, alguns lutavam contra um adversário distante de mim, e o cavalo branco de Mejem se afastava com um ferimento fresco e manchado de vermelho na coxa. Tive o impulso de segui-lo, mas parei a mim mesmo, também sentindo um puxão no pescoço. Ao me virar, vi que estava laçado por uma corda e enroscado nela estava meu mestre feiticeiro, sujo de sangue nos braços e nas mãos, incrivelmente nervoso para um homem de idade e que já viu quase de tudo. O encarei, observando como ele era pequeno naquela situação que eu desconhecia completamente.

—... Você voltou?  — sussurrou, encarando-me com certo temor e sem nenhum movimento brusco. Em resposta, apenas movi a cabeça de leve, confuso demais sobre o que estava acontecendo para pronunciar alguma palavra.

O homem soltou um suspiro e largou a corda, movendo-se rapidamente ao pegar a haste de uma lança cravada em mim e arrancá-la numa puxada. Eu senti a dor e urrei, me afastando dele. Foi aí que notei que meu corpo era pesado, grande, peludo, armado com garras e dentes e eu estava de quatro, sem roupa alguma. Eu era um animal completo.  Não sabendo o quanto de estrago causei até ali.

— Mejem! Por favor! Ajude-o! — um homem dos Peregrinos gritou, indicando alguém caído.

Apesar de ouvi-lo, o feiticeiro virou-se para mim:

— O carregamento escapou, Luahn! Traga-o antes que isto tudo tenha sido em vão! Havia olheiros na floresta e não os surpreendemos. A carroça principal fugiu, mas graças a você impedimos a grande maioria dos homens dos mercadores. Apesar de que tivemos perdas também... Isso ainda não acabou. — A cabeça dele tinha o tamanho de uma tigela, ao ficar na minha frente para ter minha atenção, poderia desfigurá-lo com uma mordida... Se quisesse. — E eu tive que cravar isso em você. — Tocou-me exatamente sobre um ponto que estava coçando próximo do meu pescoço. — Não tem como você perder o pingente agora. Por enquanto, esse é o seu corpo e vai ter usá-lo para buscar o carregamento. Vá e volte logo...

— Mejem! — o homem chamou-o, mais tenso.

— E você não precisava ter mordido meu cavalo. Garoto mal! — se afastou. — Vá Luahn!

Ele apontou a estrada e eu fui. Correndo como um cão na noite de lua cheia e neblina, sentido o pavimento da estrada macio demais em baixo do meu peso, engolido litros de ar quando comecei a sentir os efeitos da atividade agitada e necessária para alcançá-los o quanto antes.
Eu não era mais humano e nem pensava da mesma forma, mas estava consciente e no controle. O fragmento de pedra incrustado na minha pele foi capaz disso, mas coçava como uma pulga esfomeada que eu não podia tirar. Apesar do novo corpo anormal, lupino e gigante, não me sentia desconfortável ou sem habilidade com ele, era como se eu já o conhecesse. E meus pensamentos, que quando humano estavam indo e vindo e se sobrepondo entre memórias, conhecimentos e questionamentos, agora pareciam um rio fluindo em uma direção, focado em alcançar a carroça com o tesouro e levá-la para onde o grupo de Peregrinos estava. Era como confiar que depois disso poderia pensar na próxima coisa, uma por vez.

O Lobo-Homem e o Feiticeiro MestiçoOnde histórias criam vida. Descubra agora