A falta da lua

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O sol nascente demorou a jogar sua luz sobre os telhados das casas dos humanos vizinhas. Normalmente, acordaria na mata ainda escura e então já estaria caminhando atrás de algum alimento. Mas estava preso, literalmente. Preso na toca de um jovem feiticeiro que agia como um folgado, o que provavelmente seria motivo para ser expulso de uma alcateia. Então tudo que fiquei fazendo foi encarar a abertura translucida na parede, observando os pássaros voando na alvorada e pequenos felinos surgindo nos telhados e correndo, adoraria caça-los. De repente, ouvi um baque e olhei para a cama. O garoto tinha caído e resmungou, sentando-se. Descobri uma razão para ele não querer dormir em um lugar alto, mas não comentei. Logo os olhos dele se puseram contra os meus e sorriu.

— Não foi um sonho... — comentou e depois se pês de pé, preparando-se para o dia.

Em pouco tempo saímos da casa, eu na forma de homem e ele com suas vestes e algumas mochilas com seus pertences mais importantes e mantimentos para alguns dias. Caminhamos até a residência de seu mestre de feitiçaria, as pessoas nos olhavam, mais a mim, na verdade, talvez por ser forasteiro.

Esperei-o parado na cerca de entrada da casa. Luahn foi até a porta, pareceu por um segundo que ia bater, mas então tirou de algum bolso da veste um envelope e grudou na porta. Quando ia dar as costas, a porta se abriu e uma moça jovem e linda, de cabelos castanhos longos, o encarou.

— Onde você está indo, Lu?

Ele ficou surpreso, recuou um passo, com um sorriso afetado e coçou a nuca.

— Para outra cidade. — A expressão da menina ficou ofendida. — Sejamos honestos, Flora, a gente nem tem uma química juntos, somos mais como irmãos que vivem puxando o cabelo um do outro e coisas assim. Você merece alguém que cuide de você como deseja. Olha para mim, não tenho nada, e sendo sincero também não tenho nenhuma vontade de estar contigo para ter uma família.

— Luahn! Você sabe bem o que está acontecendo! Nós temos um dever. Era o combinado. Faríamos dar certo de algum jeito. É importante para meus pais.

— Para com isso garota! Eu estou dizendo: eu não faria dar certo! E se esta difícil entender: eu não quero que dê certo. Eu deixei os motivos na carta — e ele apontou com o cajado o papel na porta. — Estou indo! Não se preocupe comigo, vou me cuidar — deu as costas e vinha em minha direção.

— Seu ingrato! — a garota gritou e então soluçou, me pareceu que ia começar a chorar, seu rosto era triste, eu queria muito ir consolá-la e dar o que aquele idiota estava negando.

Luahn correu para a estrada, ignorando, eu não entendi a pressa, e fiquei ali, prestes a ir até a jovem.

— Fiel! — o feiticeiro chamou, irritado, mas não parando de se afastar. Só então optei por ir com ele e deixar a garota desconhecida para trás, com o meu coração apertado por ela.

— Porque fez aquilo? — perguntei.

Ele bufou, me encarando sério, continuava a andar com passos rápidos pela estrada principal que levava para fora do vilarejo.

— Não acredito que você estava mesmo caindo naquele encanto barato! — Fiquei confuso, mas depois vi que podia ser verdade, segundos depois eu já nem me importava com a garota. — Vou ter que te arrumar algumas proteções para você.

— O que mais estava acontecendo? Não entendi bem sua interação com fêmea.

Luahn suspirou, ajustando uma das mochilas no ombro:

— Para alguém preso por um encanto, você não sabe nada do que está acontecendo entre os feiticeiros... Estamos meio que vivendo uma escassez de feiticeiros. Há poucos garotos com habilidade magicas nascendo e muitas garotas, o que torna os filhos delas com simples humanos um tanto menos poderosos. Mejen é o meu mestre de feitiçaria, ele praticamente me criou e ensinou desde que eu tinha uns cinco anos, e Flora é a filha dele, sangue puro de feiticeira e um tanto arrogante, nós crescemos juntos. Além de mim, o mestre tem umas três ou quatro garotas que devia ensinar, mas ele me deu mais atenção porque sou o único rapaz e decidiu que eu seria o marido da filha dele depois que completasse meu treinamento.

O Lobo-Homem e o Feiticeiro MestiçoOnde histórias criam vida. Descubra agora