Capítulo 5

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A chuva cai forte nas montanhas. As gotas, de início, tímidas, passam a ganhar forma ao unir-se a outras, formando verdadeiras enxurradas que descem pelas encostas criando quedas d'água únicas naquele ambiente inóspito.

Em meio à cordilheira, protegido em uma pequena e escura caverna está Cynemaer. Suas únicas companhias são a fogueira, cujas chamas lutam bravamente contra o vento incessante que adentra a gruta, e seu machado, cujo metal, tantas vezes polido por sangue inimigo, reflete o brilho da lua.

O bárbaro contempla o horizonte, imaginando quais serão seus próximos passos. Não que ele tenha um plano, isso não faz o seu tipo. Ele é um animal. É movido por seus instintos. Está aonde precisa estar.

Lá embaixo ele enxerga a cidade, com suas luzes tênues, e fica pensando nas pessoas que lá habitam. Ergue um pouco a vista e enxerga o castelo real, onde reside o rei local. O mesmo rei que dizimou seu povo. Talvez não o mesmo. Mas ele porta a coroa e a coroa é o símbolo máximo daquele poder sujo e mortal que ceifara tantas vidas inocentes durante tanto tempo.

Cynemaer, no entanto, não deseja o poder. Pode viver a base de carne de javali e hidromel. Isso é o bastante para ele. O que ele de fato deseja é exterminar esse poder mortal. Ele odeia a ideia de um reinado. Odeia a figura do rei por si própria. Ele acredita que essa corja deva ser exterminada, para sempre. Só assim poderá viver com paz e tranquilidade.

Um bárbaro vive muitos anos, ele sabe. Não tanto quanto elfos, mas pelo menos o dobro do tempo dos homens. E ele tem sangue anão. Isso ainda deve lhe render algumas décadas a mais.

Cynemaer fita a chuva. Ele encara cada gota, observando seu reflexo, enquanto elas tocam o chão e se desmancham em pequeninas poças quase imperceptíveis. Por si só, cada gota é inofensiva. Mas muitas gotas trazem tempestade. E somada a raios e ventanias, uma tempestade pode ser perigosa. Então ele volta a pensar nas pessoas da cidade. Aquelas criaturas frágeis, que parecem ser de vidro. Talvez juntas elas possam ser de algum auxílio. Elas não gostam do rei também, ele sabe. Mas o temem. E o temor impede que ajam. Ele pensa no que eles temem mais: o rei ou a possibilidade da ausência de um.

Apesar de parecer estúpido, Cynemaer é sábio. Ele sabe que os ignorantes temem a possibilidade da não presença de um líder. Por mais que vivam as suas vidas, sendo ignorados em sua maior parte, eles precisam de alguém para olhar e dizer: eis aquele que ordena! Não concebem a possibilidade de viverem por si só. De produzirem a própria comida, de construírem suas próprias casas, sem terem que pagar impostos. Para Cynemaer, todo líder é inútil, é desnecessário. Cada ser deve saber viver por si só e para si só. Deve estar pronto para lutar por sua família e por seu gado e pela sua comida e pela sua terra. Um mundo sem líderes é um mundo livre. Um mundo melhor.

O bárbaro se levanta. A chuva parece começar a enfraquecer. Ele toma seu machado e apaga a fogueira pisando nela. Ele queima seus pés, mas a dor não o incomoda. Como dizia uma velha canção que sua mãe costumava lhe cantar, a dor se fez sua amiga e dói devagar.


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