V - A entrevista

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— A dor que senti, minha querida Úrsula – prosseguiu o mancebo com voz magoada – não vos poderei exprimir... Ela calou-me até o fundo do coração, e eu gemi de angústia por mim, por minhas esperanças assim cortadas, e por minha mãe desdenhada e aviltada ao último apuro por seu esposo!...

Corri para ela chorando: esse choro, que eu não sabia reprimir, arrancava-me o sofrer profundo daquela criatura angélica.

E ela também chorava; mas era um pranto sentido e terno, que contrastava com o meu, que era provocado mais pela indignação mal sufocada no coração, ao passo que o dela era o de uma santa.

— Que humilhação! – exclamei pálido de comoção – Que humilhação, minha mãe!

— Amo as humilhações, meu filho – disse com brandura, que me tocou as últimas fibras da alma – o mártir do Calvário sofreu mais por amor de nós.

Meus joelhos vergaram instintivamente ante essa mulher de tão sublimes virtudes, e eu disse-lhe:

— Ao menos o sacrifício do filho de Deus não foi inútil, minha mãe, e o vosso?!... Lágrimas e desesperança!...

— Paciência, meu filho, Deus assim o quer!

— Eu tudo ouvi, minha mãe, tudo. – e ajuntando as mãos sobre seus joelhos, que tremiam de aflição, continuei soluçando – Por amor de mim quisestes sacrificar-vos!... E reprimindo o pranto continuei – Meu pai...

— Silêncio! – exclamou ela interrompendo-me – Meu filho, não levantes a voz para acusar aquele que te deu a vida. Adelaide, que estava presente, pálida e abatida, disse com voz grave e melancólica; porém firme, que revelava dignidade:

— Para que repetirem-se estas cenas de humilhação e de pranto, que me magoam? Cessem elas, senhora, para sempre.

E voltando-se para mim, com acento breve; mas trêmulo e amargurado, concluiu: — Tancredo, eu te restituo teus votos.

E depois, com voz mais tocante e mais dolorosa, que me cortou o coração, prosseguiu:

— Agradeço-te, generoso mancebo, o afeto desinteressado, que animou teu coração; mas se me é permitido pedir-te ainda um último favor: – Tancredo, pelo amor do céu não desafies a cólera de teu pai!

— Mulher angélica! – bradei comovido por tão sublime expressão. — Que me pedes? Posso por ventura esquecer-te? Poderei viver um só dia sem ver-te? Sem ouvir o harmonioso som da tua voz? Oh! Adelaide... Esse sacrifício fora demais para mim – nunca o farei!... Deixasses embora de amar-me, que ainda assim eu te amaria loucamente.

— E eu, – disse ela com amargura; mas tão baixo que só eu lhe ouvi – triste de mim! amar-te-ei sempre; mas em silêncio – basta que só Deus o saiba.

E um turbilhão de lágrimas borbulharam de seus olhos e sufocaram-na.

— Úrsula... minha Úrsula, – só agora sei que essa mulher mentia, que suas lágrimas eram encadeadas aleivosias e suas palavras refalsadas como o seu coração.

Tresloucado, porque essas lágrimas feriam a minha alma, arranquei-me à triste cena que tão dolorosamente me magoava, e fui procurar meu pai.

Apenas fiz-me anunciar, fui logo introduzido em seus aposentos.

Nesse quarto, onde brilhava o luxo e a opulência, tudo era triste e sombrio.

Cruzava-o meu pai com passos rápidos e incertos; seus olhos refletiam o ódio que lhe dominava nesse momento o pensamento. Notei que suas feições estavam transtornadas, e que baça palidez lhe anuviava o rosto. Semelhava o leão ferido, que despede chama dos olhos, e eu julguei que ia prorromper em insensatos brados. Enganei-me.

Úrsula (1859)Onde histórias criam vida. Descubra agora