VI - A despedida

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Minha desvelada mãe aguardava-me tremulada e ansiosa, e perguntou-me aflita:

— Recusou?

— Não, senhora – tornei-lhe amargurado.

— Louvado seja o Senhor! – exclamou então com reconhecimento, mal compreendendo o excesso da minha dor, e lágrimas de satisfação lhe regaram as faces.

E Adelaide erguendo as mãos aos céus, e fitando neles seus grandes olhos úmidos de prazer, parecia concluir a oração começada por minha mãe.

— Adelaide, – disse-lhe – não cedas assim aos transportes de uma ventura, que ainda se envolve nas sombras do porvir; porque o despertar te seria doloroso. Meu pai impôs-me dura condição, e eu submeti-me a ela. Meu Deus! Que posso eu fazer? Sabeis qual seja? Oh! É um custoso e amargo sacrifício, é um ano de separação arrastado no exílio! Este ano é um século de desesperação.

— Meu Deus! – exclamou minha pobre mãe com acento tão doloroso, que me estalou o coração de mágoa – É mais uma prova, Senhor, que me enviais!

— Meu filho, – continuou – esta separação será talvez eterna!

Muitos dias não eram passados, quando eu em pé no meio do salão de meu pai, com os braços cruzados sobre o peito, que sentia partir-se de dor, observava em silêncio a agonia íntima dessas duas mulheres que, na derradeira despedida, semelhavam dolorosas estátuas de Níobe.

Adelaide reclinava-se nos braços de minha mãe, pálida como a açucena pendurada na corrente; e essa mulher cheia de bondade e de virtude esforçava-se por consolá-la de uma dor, que só nela era real; mas que supunha igual na donzela, que um dia seria minha esposa.

Com mágoa comparei então o semblante pálido e emagrecido dessa mulher de alma tão heroica e santa, com o seu retrato pendente de uma das paredes do salão, e gelei de pasmo e de angústia. O pintor havia aí traçado uma beleza de dezoito primaveras.

As madeixas de seus sedosos cabelos molduravam-lhe as faces brancas de neve, e as rosas eram tão débeis que as tingiam apenas de ligeira cor. Sua fronte altiva e nobre coroava uns olhos ternos e expressivos, e os lábios acarminados, onde pairava angélico sorriso, deixava meio perceber-se dois renques de alvíssimas pérolas.

E agora, demudada, macilenta e abatida pelos sofrimentos de tantos anos, era a duvidosa sombra da formosa donzela de outros tempos.

Esta separação forçada era contudo a maior dor que a havia torturado; porque um funesto pressentimento dizia-lhe que seria eterna!

E essa dor debuxava-se muda, porém viva e profunda, em seu rosto macilento e cheio de rugas.

Minha pobre mãe!...

E ao lado desse retrato estava outro – era o de meu pai. Sessenta anos de existência não lhe haviam alterado as feições secas e austeras, só o tempo começava a alvejar-lhe os cabelos, outrora negros como a noite.

Enquanto retraçava na mente agitada os desgostos de minha aflita mãe, entrou seu esposo. Notou-lhe o abatimento, viu as lágrimas de Adelaide, e seu rosto de leve se contraiu.

Tomei-lhe a mãe e beijei-a: e ele voltando-se para a inconsolável esposa, com severa inflexão de voz, e com aspecto colérico, perguntou-lhe:

— Senhora! Quando deixareis partir vosso filho? Por toda a resposta, só lhe ouvi um gemido de profundo desânimo.

— Meu pai!... – exclamei sentido.

— Oh! Meu filho – tornou-me ele com aquele sorriso, que lhe é particular – é necessário que nem sempre se atenda às lágrimas das mulheres; porque é o seu choro tão tocante, que apesar nosso comove-nos, e a honra, e o dever condenam a nossa comoção, e chamam-lhe – fraqueza.

— Pois bem, meu pai, na hora em que saio a cumprir a vossa vontade, permiti que vos recomende zeloso o tesouro de minha futura felicidade, e a mãe desvelada, que minha alma adora.

— Meu pai – continuei com voz queixosa – adoçai o amargor do meu exílio! Bem sabeis quanto me é penosa esta separação, que só um requinte de filial condescendência a ela me obrigou. Oh! Fazei com que não saiba no lugar do desterro que minha pobre mãe verteu uma lágrima de aflita dor, longe do coração de seu filho, e que a desposada, que me concedestes, se conserva triste e pesarosa como ora a vedes. Oh! Velai por ela, meu pai, e que ela se conserve digna da mão que lhe está destinada.

Então olhou-me, e seu olhar era sinistro: suportei-o, e sempre imóvel ante ele, aguardei uma resposta.

Mordeu os lábios, e com esforço disse-me:

— Descansa. Avia-te, avia-te.

— Úrsula!... Minha Úrsula!... – prosseguiu o cavaleiro reprimindo um doloroso gemido – beijei as faces mimosas de minha desposada, uni minha mãe contra o coração; mas não lhe disse um adeus, nem um gemido me arquejou no peito; porque aí havia dorido sofrer.

Ela deu-me um derradeiro olhar, tão terno, tão apaixonado, tão expressivo de mágoa íntima, e de sincero reconhecimento, que as lágrimas, que me gotejavam no coração, por fim me ressaltaram nas faces, e prorrompi um copioso pranto...

Nesse olhar, em que lhe estava a alma, disse-me a infeliz seu derradeiro adeus!

Úrsula (1859)Onde histórias criam vida. Descubra agora