Brilhavam ainda no ocaso os últimos raios do sol. A parda tarde embelezava a natureza com essas melancólicas cores, que trazem ao coração do homem a saudade e a tristeza.
Sentado em um banco do seu jardim, o comendador Fernando P. não via, nem curava de toda essa beleza arrebatadora, que inebria os sentidos e eleva a alma até Deus. A essa hora mágica em que a flor singela e sedutora escuta enlevada o suspiroso segredo da brisa, que a festeja; em que o colibri furtando-lhe um mimoso e feiticeiro adeja e sussurra-lhe em volta; em que lá no bosque o vento suspira harmonioso, e os cantores das selvas soltam seu trinar melodioso e terno; em que o mar na praia é pacífico e manso, e perde a altivez com que bramia; em que a virgem entregue a um vago, indefinível e mágico cismar recende mais casto, mais enlevador perfume, como o aroma de uma flor celeste; a essa hora mesma Fernando P., aguilhoado pelos remorsos, só via hórridos fantasmas, que o cercavam.
No rosto pálido e desfeito, as lágrimas escavavam-lhe profundos sulcos; os olhos encovados, vermelhos, e pisados denunciavam a insônia febricitante. Já não era o mesmo, senão no seu amor e na sua desesperação.
A dor enrugou-lhe as faces, os remorsos alvejaram-lhe os cabelos. Tão poucos dias de aflição transformaram-no em um velho fraco e abatido.
Faltavam-lhe forças para ver Úrsula; as noites, e os dias inteiros passava-os aí, ora correndo louco por baixo dessas copadas e seculares árvores; ora rojando-se por terra, arrancando os cabelos e blasfemando horrivelmente de Deus e dos homens.
Aí, a essa hora mágica do crepúsculo, estava ele, como de costume, só, e todo entregue a seus pungentes sofrimentos, quando a branda, mas repreensiva voz de um homem, o sobressaltou.
Era o velho sacerdote.
— Vedes? – lhe disse apontando com o dedo na direção do poente. – É ela, é Susana!
O comendador levantou maquinalmente a cabeça e olhou.
Em uma rede velha levavam dois pretos um cadáver envolto em grosseira e exígua mortalha; iam-no sepultar!
Então Fernando P. estremeceu, porque aos ouvidos ecoou-lhe uma voz tremenda e horrível que o gelou de medo. Era o remorso pungente e agudo, que sem tréguas nem pausa acicalava o seu coração fibra por fibra.
Escondeu o rosto, espavorido, e meneando a cabeça disse:
— Não! Não fui eu!
— Fostes! – tornou-lhe o padre com o acento do que vai julgar. — A infeliz sucumbiu à força de horríveis tratos. Martirizastes a pobre velha, inocente, e que não teve parte na desaparição de Úrsula! Não vo-lo provava seu acento de sincera ingenuidade, sua negativa franca e firme?!
Homem! Porque a encerrastes nessa escura e úmida prisão, e aí a deixastes entregue aos vermes, à fome e ao desespero?!!
Nos derradeiros instantes da sua vida, eu, o indigno ministro do Senhor, estava ao seu lado, e os seus últimos queixumes como que ainda os escuto!
Sorria-se à borda da sepultura; porque tinha consciência de que era inocente e bem-aventurada do céu. A morte era-lhe suave; porque quebrava-lhe o martírio e as cadeias da masmorra infecta e horrenda.
E sabeis vós o que é a vida na prisão? Oh! é um tormento amargo, que mata o corpo e embrutece o espírito! É morrer mil vezes sem encontrar nunca a paz da sepultura! É um sono doloroso e triste do qual o infeliz só vai despertar na eternidade!
E endurecestes o coração ao brado da inocência!... Porque era escrava, sobrecarregaste-a de ferros; negastes-lhe o ar livre dos campos, e entretido com novas vinganças, nem dela mais vos recordastes.
