XV - O convento de ***

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Terminada a oração, Úrsula, espavorida e amedrontada, disse:

— Fujamos, Tancredo! Mas, ah! O seu ódio pode seguir-nos por toda a parte.

— Úrsula, o meu braço é bastante forte para defender-te; estás ao abrigo do seu furor.

— Fujamos! – Tornou a moça, desvairada – Ele não tarda a chegar.

Tancredo olhou-a assustado, e obedeceu. Úrsula estava combalida por muitas dores, e a mais leve contradição poderia enlouquecê-la. Ele procurou acalmá-la, e durante a viagem, mais tranquila, relatou-lhe os tristes acontecimentos, que sobrevieram na sua ausência.

Tinham deixado a estrada real, e tomado por um atalho, que muito lhes alongava o caminho; mas que evitava o encontro do comendador.

Úrsula caminhava agora desassombrada e feliz, reclinada a cabeça no ombro do mancebo, que ela amava mais que a vida.

E uma noite prateada pelos raios da lua lhes amenizava a fadiga da viagem.

E ao alvorecer do dia, depois de longa e porfiada carreira, chegaram cansados à cidade de ***, em demanda do convento de Nossa Senhora da ***.

Meia légua fora da cidade erguiam-se denegridas pelo tempo as velhas paredes do antigo convento, com suas gelosias também esfumaçadas pelo tempo, e que escondiam zelosas às vistas indiscretas as puras virgens dedicadas ao Senhor.

Era um edifício antigo na sua fundação, grave e melancólico no seu aspecto: era a casa do Senhor sem ostentação. As virgens que o habitavam, longe do mundo, não conheciam deste os gozos de um momento; mas também em suas almas não amargavam o doloroso pungir de profundos pesares. Viviam no remanso da paz; porque a solidão e o retiro davam-lhe aquela doce inocência, que constitui a candura da alma; e essa vida de castos enlevos dedicavam-na ao Deus do Calvário.

E Ele escutava-lhes os sagrados cânticos e acolhia-os; porque vinham de inocentes e angélicas criaturas, de consciência reta e pura, e votadas ao serviço do Senhor.

E o Senhor ama àqueles que na pureza da sua alma erguem-lhe os carmes de um hino melodioso, e abrem-lhe o coração como um sacrário sem mancha; ou, como a pecadora, mostram-se profundamente arrependidos; porque as lágrimas de um pranto sentido lavam a nódoa do pecado.

Chegaram a esse asilo da inocência os nossos viajantes e pararam observando atentos essas paredes solitárias do luxo humano, e depois Tancredo conduziu pela mão sua jovem desposada à porta do convento, que se abriu ao seu reclamo.

Ela estava radiante de beleza, e parecia disputar primores com a estrela da manhã.

A pesada porta abriu-se, e Úrsula desapareceu por ela.

— Úrsula! – exclamou Tancredo de novo cavalgando o seu ginete – Úrsula, só tu compreendeste o meu coração... Deixa vãos receios!... Oh! Sossega! Eu te protegerei contra a cega paixão desse louco.

Pretenderá em vão lutar contra a tua vontade, e nunca te poderá arrancar da alma a sublime afeição, que deste a outrem. Louco! A mulher só ama uma vez. No seu coração imprimiu Deus um sentir tão puro e tão verdadeiro, que o homem não pode duvidar dos seus afetos.

E a mulher cumpre na terra sua missão de amor e de paz; e depois de a ter cumprido volta ao céu; porque ela passou no mundo à semelhança de um anjo consolador.

Esta é a mulher.

Mas aquela, cujas formas eram tão sedutoras, tão belas, aquela, cujas aparências mágicas e arrebatadoras escondiam um coração árido de afeições puras, e desinteressadas... Oh! Essa não compreendeu para que veio habitar entre os homens; porque a cobiça hedionda envenenou-lhe os nobres sentimentos do coração.

O brilho do ouro deslumbrou-a, e ela vendeu seu amor ao primeiro que lho ofereceu.

Maldição!... Infâmia sobre a mulher que não compreendeu a sua honrosa missão, e trocou por outro os sublimes afetos da sua alma.

Úrsula (1859)Onde histórias criam vida. Descubra agora