XIV - O regresso

87 10 0
                                    

Agora é preciso sabermos como Tancredo, de volta de sua viagem, pôde saber onde estava Úrsula, e o que lhe havia acontecido.

Dominado unicamente pela ideia de revê-la, o mancebo correu apressadamente, e quase sem descanso, logo que terminou na comarca de *** a missão de que o haviam encarregado, e que tão penosa se lhe tornou depois que conheceu Úrsula; mas Tancredo mal podia prever quantas dores amarguravam a alma da pobre donzela.

Entretanto raiou o dia apetecido, e que devia levá-lo para junto de sua jovem desposada, e nesse dia o coração arfava-lhe, ora com um arrebatamento apaixonado, ora com um triste desassossego, e ele enterrava as esporas nas ilhargas do brioso animal que o conduzia, e redobrava o ardor de sua carreira.

E na sua impaciência a distância parecia-lhe imensa.

— Túlio, – exclamou Tancredo vendo que fugiam as horas – será possível que ainda hoje deixemos de chegar à sua casa?!

Túlio nada respondeu, e parecia não tê-lo ouvido: com efeito, o negro cismava profundamente; porque a aproximação daqueles lugares trazia-lhe mais de uma recordação.

— Não me ouviste, meu bom amigo – continuou Tancredo. – Túlio, quero vê-la hoje, agora mesmo se nos for possível. Ah! Não sabes como a amo... Ela é tão bela... o sorriso nos seus lábios é como a gota do orvalho no cálice de uma flor.

— Túlio, apressemos os cavalos.

— Morreriam, senhor – tornou Túlio arrancando-se aos seus pensamentos.

— Oh! – exclamou Tancredo contrariado – E ela me espera! Parece que lhe escuto o palpitar do coração, que vejo a ânsia com que me aguarda, e ouço-lhe um som queixoso, e um suspiro lhe perpassar pelos lábios, embaciando o vivo rubor, que os tinge.

E então ela chamar-me-á ingrato, e esquecido da minha promessa. Oh meu Deus! ... Túlio, tu não sabes quanto essa ideia me aflige. Demo-nos pressa; tu andas tão devagar!... Ah! Hoje mesmo Úrsula deve ter a seus pés o homem que mais sabe adorá-la sobre a terra.

Túlio também sentia uma vaga inquietação, e esse desassossego, que começava a tornar-se sensível no jovem apaixonado, há muito o tocava ao vivo: é que a cada um deles figurava-se que Úrsula reclamava socorro, que algum pesar a oprimia.

Tancredo amava apaixonadamente a essa menina de olhar meigo e arrebatador; Túlio tinha-a visto no berço, e a sua afeição para com ela era profunda e desinteressada.

Entretanto, tinham já percorrido longo espaço, quando duas estradas se lhes apresentaram à vista.

— Agora – disse Túlio – tomemos a estrada de Santa Cruz; é a que devemos preferir. Daqui à casa de minha senhora temos só meia légua, e a outra dar-nos-á mais que o dobro.

— Louvado seja Deus! – exclamou o mancebo com alegre reconhecimento. – Tomemos a estrada de Santa Cruz. E meteram os cavalos a galope.

— É tão somente para satisfazer a vossa impaciência – tornou Túlio – que propus essa estrada com preferência à outra; ao contrário...

— Por quê? – interrompeu o mancebo ingenuamente.

— Por quê! – repetiu Túlio – porque eu havia prometido a mim mesmo, e às cinzas de minha mãe, nunca mais trilhar esta maldita estrada: porque sentirei pungentes e tristes recordações ao passar pela fazenda de Santa Cruz.

— Espera, – interrogou Tancredo – parece-me que já ouvi falar desse nome. A quem pertence essa fazenda?

— Ao comendador P. – respondeu Túlio gravemente.

Úrsula (1859)Onde histórias criam vida. Descubra agora