VIII - Luísa B.

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O dia ia já alto quando Úrsula entrou no quarto de sua mãe, e esta admirada de não vê-la logo ao amanhecer, como de costume, começava a inquietar-se, e por isso estendeu-lhe os braços com transporte de indizível satisfação, e disse-lhe: — Dormiste hoje muito, minha cara Úrsula, e eu julguei que me tinhas esquecido.

Suposto a voz de Luísa nada tivesse de repreensiva, todavia Úrsula corou de envergonhada e, ao mesmo tempo, o remorso lhe errou na alma.

— Deus meu! Perdoai-me – disse consigo, e correu com os braços abertos para abraçar sua carinhosa mãe, que lhe sorriu.

— É verdade, minha mãe, demorei-me muito; mas haveis de desculpar-me. Achei-me incomodada durante a noite, e foi-me preciso respirar o ar fresco da manhã para restabelecer as forças.

— Ah, minha filha! – tornou a senhora B., querendo atrair Úrsula aos seus braços, a qual afetada pelo primeiro remorso, receava algum tanto lançar-se nos braços maternos – Vem abraçar-me... que tão ansiosa estava por ver-te!

Então a tímida menina, vencendo a sua perturbação, lançou-se com júbilo no seio de sua mãe, e soluços mal sufocados lhe rebentaram do peito.

Luísa B. mal podia compreendê-la, e olhava-a enternecida. Pouco e pouco convencida de que o seu penoso estado era a única causa de tão sentido choro, que outro motivo não podia ela descobrir, procurou serenar a extremosa filha, chamando sua atenção para outro objeto, e disse-lhe:

— Enxuga, minha Úrsula, as tuas lágrimas, não vês que eu não choro? – e procurava sorrir-se; mas era um riso amargo; porque o coração não estava isento de dores.

— Minha filha – continuou afetando tranquilidade – o nosso hóspede intenta deixar-nos hoje: pediu que me queria ser apresentado, e eu te aguardava para fazer-lhe as honras desta pobre casa.

Úrsula levou o lenço ao rosto por um movimento rápido, Luísa julgou que ela procurava daí extinguir o vestígio das suas lágrimas; mas a donzela ocultava o rubor subitâneo, que lhe tingia as faces, ouvindo sua mãe falar do homem, que lhe ocupava a alma, e por disfarçar a sua comoção disse distraidamente:

— E o nosso Túlio, que também se vai?!...

— É verdade! – tornou a pobre paralítica – e a nossa casa vai-se tornando cada vez mais isolada e triste!

Úrsula deixou descair os olhos para a terra, e reprimiu magoado suspiro por amor de sua mãe.

E um profundo silêncio reinou no quarto da doente; porque cada uma dessas duas mulheres se abandonava a seus pensamentos. Luísa sem dúvida ocupava-se só do porvir de sua filha; esta pelo contrário recordava as doces expressões do cavaleiro, seus votos de amor, e sentia pesar por vê-lo partir. Contudo Úrsula tinha já uma esperança que lhe dava forças para arrostar as dores da vida: amava, e tinha a convicção de ser amada.

E ela meditava na breve mudança da sua vida, e sentia o coração palpitar com estranho desassossego.

Depois o silêncio foi interrompido pelo anúncio da chegada do mancebo.

— Ei-lo – disse a moça a sua mãe, que se tinha imergido em tristes reflexões, e não ouvira pronunciar o nome de seu hóspede – e levantou-se para ir ao seu encontro.

— Úrsula, – exclamou a enferma como quem acordava de um pesado sono – aonde vais?

A moça compreendeu que sua mãe muito sofria, e com meiguice chegou-se a ela e disse-lhe:

— É o nosso hóspede, minha mãe.

— Ah! – exclamou então a infeliz senhora, caindo em si – sejais bem-vindo, senhor. Esperava por vós. E o mancebo transpunha o liminar da porta.

Úrsula (1859)Onde histórias criam vida. Descubra agora