VII - Adelaide

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— Agora – prosseguiu o mancebo, após alguns momentos de profundo silêncio – agora se não fôsseis vós, minha Úrsula, que de novo acabais de prender-me à vida, que me restaria sobre a terra?

No exílio, encerrado entre as paredes silenciosas da minha morada, aí eram comigo as saudades dum estremecido amor, e as fagueiras esperanças de um porvir de afetos e ventura. Loucas esperanças eram essas! Não podia imaginar que sob as aparências de um anjo essa pérfida ocultava um coração traidor como o do assassino dos sertões.

Recebia constantemente cartas de minha mãe, em que me falava de Adelaide, animava-me no meu desterro, e não dirigia queixas contra o seu marido.

As cartas deste eram sempre breves e frias.

Adelaide, que com frequência também me escrevia a princípio, entrou a espaçar mais a correspondência, que era o alento da minha vida, era o que me fazia permanecer com alguma alma tão longe de entes caros.

Por último cessaram!

E eu chorava no exílio dores, que ela havia esquecido – afetos, que nunca lhe tinham pulsado no coração – esperanças e saudades que eram só minhas!...

Com que lentidão espreguiçavam-se então os dias!... Contava as horas, longas como séculos, tristes como as agonias do padecente.

Com o tempo, o espírito cansado de tão apurado sofrimento reagiu sobre o físico, e caí perigosamente doente.

Prolongou-se a minha enfermidade, apesar dos esforços dos médicos, e eles recearam pela minha vida; porém o amor e a esperança salvaram-me.

Recobrei finalmente a vida, e quando me achei com forças para empreender viagens, pensei em rever o objeto de minha terna afeição, e não obstante não ter carta de meu pai, que me chamasse a receber a recompensa de meu sacrifício, dispus-me para a partida.

Mas... Deus eterno! Como são ocultos os teus juízos! Uma ordem muito positiva do governo obrigou-me a renunciar ao meu projeto, e tive de dirigir-me à comarca de ***, onde ia incumbido de uma comissão espinhosa e honrosa.

Enfraquecido pelos sofrimentos, contrariado, quase que desesperado, empreendi essa viagem, que fiz com tanta rapidez quanta me permitiram minhas forças, e alguns dias depois estava de volta. Levava no coração a imagem desse anjo idolatrado; mas uma mágoa estranha anuviava-me o coração, e eu não podia compreendê-la, e o absoluto e tétrico silêncio desse espaço, que percorria, mais aumentava esse sentir vago de indefinível melancolia.

E dei de rédeas ao animal com loucura e sem parar, porque sentia a necessidade do movimento; mas depois a aflição sempre crescente trazia-me o abatimento, e eu deixava o cavalo andar como lhe parecia.

O coração pressagiava males e não tinha energia para desvanecê-los...

Concluída essa penosa tarefa, ao entrar em minha casa encontrei uma carta, cuja letra era trêmula e mal traçada, cuja data era ainda anterior à minha enfermidade. Oh! Deus meu! Gelou-se-me de dor o sangue – essa carta era de minha mãe! Escrevera-a às portas da Eternidade, e cada uma de suas palavras era um queixume desanimado de dolorosa angústia. Não havia aí uma palavra que acusasse meu pai; mas compreendi logo que ele lhe cavara a sepultura.

Adelaide! Minha pobre mãe não me falava dela...

E após essa, li sucessivamente uma carta de meu pai, e outras de alguns amigos – minha desditosa mãe cessara de existir!...

Ah! Essa dor foi profunda, e tão aguda, que recaí e por muitos dias ignorei o que se passava em derredor de mim. Recuperei a saúde, alentado por meu amor. Adelaide estava no coração, e agora mais do que nunca seus afetos eram necessários a minha alma.

Úrsula (1859)Onde histórias criam vida. Descubra agora