Segui o menino por uma escada até um cômodo antigo que cheirava a ervas, onde mais tarde descobri ser o andar superior a uma loja de chás. A criança me disse para esperar os guardas se acalmarem e saiu saltitante. Não tive tempo para fazer pergunta alguma, então minha única opção fui esperar.
Minha mente estava rodando, me sentia no escuro. A fala evasiva do homem de cavanhaque grisalho se repetia várias e várias vezes pelo cômodo vazio. Eu procurava em minhas memórias algo contestável na vida e personalidade de meu pai, mas não encontrava nada.
Me doía lembrar dos sorrisos cativantes que ele me dava sempre que me via ler, lembrar das histórias de viagem, de como ele sempre se empolgava enquanto falava sobre viajar. Estevan amava viajar. Pequenas lágrimas escapam quando me pego procurando algo errado nele. Afinal, era possível ter algo errado com uma pessoa tão serena como meu pai era?
Depois de um tempo o menino voltou ao chalé, me avisando que meus perseguidores tinham desistido de me alcançar.
- Ele pediu para te chamar.
- Ele quem? - Perguntei confusa.
- O senhor Brianchi.
- Oh sim - Fico perplexa por um instante, afinal, como eles se conheciam? - A propósito obrigada por ter me ajudado.
- Estou apenas seguindo ordens! - O menino disse, saindo correndo em direção a um grupo de crianças logo depois.
Como assim seguindo ordens? Ele sabia que eu viria? Como era possível?
Completamente confusa e atordoada saio do chalé. Na única saída do beco que antes me deixou sem saída encontro o sr. Antônio apoiado em sua bengala elegante. Caminho até ele pensativa. Minha intuição me alertava para não confiar neste homem.
- Senhorita Jade, como um pedido de desculpas por não poder lhe ajudar com suas perguntas, ofereço um teto para passar duas noites. - Percebendo minha mudança de expressão, ele persiste - Acredito que você não tenha onde dormir, nem dinheiro para alugar um quarto... Estou certo?
Analiso bem a expressão do senhor a minha frente antes de responder. Me parecia uma idéia estúpida aceitar a oferta.
- Eu realmente não havia pensado nisso, agradeço o convite, mas não quero incomodar.
- Não incomoda de modo algum, entenda isso como um favor que devia a seu pai. Venha, está escurecendo. - Ele diz por fim, me convidando a segui-lo.
Mesmo parecendo um ato ingênuo o seguir foi o que fiz. Nem de longe seria ruim um lugar para passar a noite de graça. Sem contar com o meu estômago reclamando de fome. Não seria inteligente da minha parte recusar, ainda mais que seria mais fácil ficar de olho em Brianchi.
O caminho foi silencioso, tirando as tentativas frustadas do homem de puxar assunto. Algo nele me incomodava, não podia evitar de fugir de conversar.
Quando finalmente chegamos a propriedade fiquei levemente intimidada com o tamanho dos portões e mais ainda com o tamanho da casa. Os detalhes bem cuidados por toda extensão da área de sua posse me dava indícios da boa situação financeira do senhor de cavanhaque.
Logo na entrada da bela casa tinham dois vasos postos seperados pela porta preenchidos com uma espécie exótica de planta nativa. Dentro da casa era ainda mais detalhado que o lado de fora. A decoração do interior contava com diversos objetos caríssimos e quadros super detalhados, tudo sempre pensado nos mínimos detalhes. Mesmo com toda essa classe e cuidado minha intuição insistia em dizer que Brianchi não era boa pessoa.
O anfitrião então pediu a uma das empregadas para me mostrar e acomodar um quarto de hóspedes. Por fim disse-me que tinha coisas importantes a resolver no escritório.
- O senhor Brianchi não costuma recebe visitas... Que surpresa ele receber alguém tão jovem... - A mulher disse, com uma expressão que entregava todas as suas suposições estranhas e particularmente bizarras.
- Não pense coisas erradas... Seu chefe devia favores ao meu pai.
- Eu não disse nada querida, me desculpe se dei a entender errado... Mas como seu pai o conhecia querida?
- Não sei dizer, nunca fomos apresentados formalmente. - Suspirei quando as dúvidas sobre esse assunto voltaram a me perturbar - Talvez você já deve ter ouvido falar sobre algo relacionado a Estevan Fonseca....
A empregada arqueou as sobrancelhas pensando se podia me responder, mas depois de uma aparente luta interna ela começou.
- O senhor de olhos azuis... Ouvi o senhor Brianchi dizer certa vez que estava prestes a romper um acordo com seu pai, mas não sei dizer sobre o que era.
Era impresionante que quanto mais conseguia descobrir menos eu sabia. Disfarcei minhas perguntas com desculpas esfarrapadas e pretextos sem sentidos, mas que a mulher acreditou cegamente. E depois de alguns minutos a mais de assuntos diversos e alguns corredores finalmente chegamos ao tal quarto em que o homem me oferecera.
O quarto tinha várias decorações estranhamente bonitas, como o quadro que ficava encima da cama, os detalhes da cômoda e também a maçaneta da porta. Era confortável e exótico. Depois de me explicar os detalhes sobre o café da manhã, onde encontrar objetos e coisas do tipo a mulher se retirou, me deixando sozinha no silêncio do cômodo.
Passei um longo tempo vasculhando o quarto em busca de qualquer coisa que confirmasse a teoria da minha intuição sobre o anfitrião, mas não encontrei nada. Por fim desci para o jantar.
A refeição tinha pratos muito incomuns e nomes estranhos. Um completo silêncio. Hesitava em puxar assunto com o anfitrião, que aparentemente estava evitando conversas. Seus olhos e semblantes transpareciam irritação. Tinha algo o incomodando. E de novo minha intuição se fez presente me dizendo que eu era o motivo.
Antes de voltar ao meu quarto me entreti explorando os corredores antes do cômodo. Todos eles tinham decorações únicas. Os bustos feitos em gesso me mostrava rostos importantes, e as pinturas de paisagens me faziam acreditar que eram de lugares inexistentes de tanta beleza.
Já no meu quarto também enrolei por um instante para dormir. Confesso que fiquei fuçando nas gavetas da cômoda por um longo tempo. Sem sucesso na procura por algo suspeito fui até a janela. Minha melhor decisão em tempos.
A vista dali era linda. Ao redor da casa tinha um imenso jardim, que eu particularmente poderia passar semanas com apenas alguns livros e aquelas flores belíssimas. O brilho das estrelas refletidos pelas folhas das árvores do jardim era um espetáculo. Um show de cores.
Por um momento me peguei relembrando os momentos que passei com papai no jardim da minha possível antiga casa. Os poucos momentos que passava com papai na semana eram perfeitos. Ele me passava coisas boas em cada segundo que passava comigo. Eu me sentia a pessoa mais amada do mundo quando estava com ele.
- Minha Jade... Sempre que sentir a minha falta quero que olhe para as estrelas e se lembre do quanto eu te amo, aí pode ter certeza que estarei com você.
Foi o que ele disse uma vez, em uma noite que estávamos caminhando pelo jardim. Um pouco antes de uma de suas viagens a trabalho. Como vou sentir falta desses momentos.
Me sinto completamente perdida neste mundo sem meu pai aqui para me dizer que vai ficar tudo bem, para me dar coragem, para me dizer o que fazer.
Sinto falta de Carmen. A doce mulher que sempre me fazia companhia nas noites que ele não estava em casa. Ela era meu porto seguro. Tínhamos o mais perto que eu já tive do sentimento de mãe e filha.
Fecho meus olhos por um instante, tentando acalmar meus pensamentos agitados. "Vai ficar tudo bem", eu repeti silenciosamente. Precisava ser forte, por eles.
A única coisa que conseguia pensar em fazer neste momento era descobrir o que aconteceu de fato desde o começo.
No fundo eu só queria voltar para casa e encontrar meu pai e Carmen lá, vivos e saudáveis. Mas não seria mais possível, afinal, eu aparentemente era uma criminosa.
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Em um mar de estrelas
Aventura═════════ ❃ ═════════ Jade Fonseca, uma garota de família nobre. Tudo para ela era como num livro chato sobre casamentos, leis e tédio. Seu pai era como o mocinho, sempre fazendo o que acreditava ser o certo, um homem de coração bom. Talvez ela esti...