Prólogo

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Nota da autora:

Atenção, esta história inclui conteúdos perturbadores, como sexo, violência psicológica, física, emocional, como estupro, aborto, traição. Caso você vivencie algumas destas situações, procure ajuda, com urgência. Você não está sozinha ou sozinho! Disk 180 para falar com a Delegacia especializada de atendimento a Mulher.

05 de novembro de 2018

A ansiedade está me matando. Não consigo raciocinar. Há dias não como direito. Estou aqui sem dormir. Será que ele vem? Como eu vou me comportar? Será que ele vai falar comigo? Ele deve estar muito puto da vida comigo, não vai nem olhar para minha cara. Que raiva! Por que as coisas precisam ser deste jeito? Por que eu simplesmente não esqueço o passado? Tudo isso aconteceu antes de ele me conhecer...

Eu continuo encarando o elevador. 13h15! A audiência começa às 13h30 e ele ainda nem chegou. Ele dispensou aquele advogado amigo da Paty, mas será que vem mesmo? Estamos sem nos falar há um mês. Não tenho notícias desde aquele fatídico encontro na cafeteria. Se eu pudesse voltar atrás, se eu pudesse explicar o que aconteceu...

— Duda! Dudaaaaaa!!!

Sinto uma mão fria tocando meu ombro. Eu deveria ter vindo com uma roupa mais fechada. O ar condicionado está muito gelado aqui. Ao meu lado vejo um copo grande de isopor transbordando vapor. Demoro quase um minuto para perceber que é café...

— Toma amiga! Procurei por um chá, mas não tinha. Também comprei uns biscoitinhos para acompanhar. Você não come nada desde ontem à tarde. Desse jeito vai desmaiar na audiência.

Sorri para Patrícia sem entusiasmo, como se fosse um robô. Sou grata por tudo o que ela está fazendo por mim, mas não consigo dizer nada, nem demonstrar agradecimento. Olho ao redor e percebo o quanto sou sortuda. Estou cercada por meus melhores amigos! Patrícia, Tereza, Roberto e Estela. Largaram seus compromissos para estarem aqui comigo hoje. Às vezes me pergunto se realmente mereço.

Pego o café, a contragosto, e bebo um gole. Quase queimo minha língua, mas acho que nem sentiria se queimasse. Parece que só o meu corpo está ali, sem a minha alma. Estou fora do meu corpo, observando a mim mesma como se fosse uma outra pessoa, ou como se eu fosse uma câmera de cinema. Às vezes tudo fica em câmera lenta. Às vezes perco o foco. Se alguém me dissesse que estaria aqui, desta forma, há três anos, eu iria rir muito.

13h16. Não é possível que só tenha passado um minuto. Meu relógio deve ter parado. Aliás, alguém, além de mim, usa relógio de pulso? Meus amigos sempre me chamam de "a rainha vintage". Uso aplicativos de mensagens apenas por conta dos meus amigos. Gosto de escrever cartas, usar relógio, não tinha rede social alguma até que eles fizeram para mim e me deram a senha, uso máquina fotográfica e gosto de revelar as fotos e colocar em álbuns, não compro comida congelada, gosto de cozinhar, ouço rádio e tenho fitas cassetes, VHS e vinil. Ainda peguei um pouco desta "tecnologia analógica", mas a minha geração não se liga muito nisso. Estão todos preocupados em ter o melhor smartphone, conhecem os melhores aplicativos para tudo, estão conectados vinte e quatro horas por dia com o resto do mundo. Aliás... Indiretamente, foi a tecnologia que me colocou aqui. Em uma das poucas vezes que me rendi a ela, acabei conhecendo ele! Jahi! Este é o seu nome. Nascido na Nigéria, seu nome significa Dignidade. Sei disso porque pesquisei tudo o que foi possível sobre ele, sobre sua cultura, seu país de origem...

Jahi apareceu na minha vida em um momento difícil... Na realidade, estes três últimos anos foram bem complicados. Sabe aquele período da vida que, se você sobreviver, você tem a certeza de que sua vida vai ser maravilhosa? Então.

DESILUSÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora