Capítulo 5

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02 de janeiro de 2016

Quando voltamos para casa, eu marquei uma conversa com Tereza. Contei exatamente o que tinha acontecido na viagem.

— Neto não está bem, está ficando muito ciumento, descontrolado. Estou ficando assustada com ele. Não sei se é a tensão do casamento ou se é esta espera para que eu finalmente consiga engravidar e dar o filho que ele tanto quer... Ou então a mãe dele, que está piorando. Ele está tendo que pagar uma cuidadora 24h para ela. Às vezes a cuidadora liga para ele durante a noite e ele sai que nem um maluco, só volta no outro dia, acabado, sem dormir.

— Por que você não vai junto, para ajudar com a mãe dele? Aliás, o que exatamente ela tem? – perguntou Tereza. Havia algo estranho no tom de voz dela, um excesso de cuidado ao perguntar.

— Eu não sei direito. Ele fica muito nervoso quando pergunto, acho que ele pensa que ela vai piorar se ele falar sobre a doença. Só sei que ela está muito mal há alguns anos. Não sai da cama, não consegue falar e não gosta de receber visita de estranhos.

— Mas, amiga, você não é uma estranha. Você é a nora dela. Vocês já devem ter sido apresentadas algumas vezes, afinal, você vai se casar com o Neto daqui a poucas semanas. Vocês moram juntos há muito tempo...

— Pois é... Mas ela já estava doente quando eu o conheci. Ela nunca quis me receber. Ela é muito vaidosa e se recusa a me conhecer estando em cima de uma cama. Respeito a vontade dela... E agora, com a piora do quadro, sinto que nunca vou conhecê-la...

— Como assim? Então você nunca a viu? Nunca mesmo? Só por fotos? Vocês só conversaram por telefone?

— Nem por fotos e nem por telefone. Neto fica muito mal quando vê fotos antigas... Só vi uma foto dele com a mãe, no aniversário de dois anos dele, uma foto desbotada e manchada, rasgada quase na metade. Acho que ele ficou muito mal quando o pai os abandonou. Descobriram que ele tinha outra família. Desde então, eles não gostam de tirar fotos e nem de falar sobre a família.

— Eles precisam falar sobre isto. Este trauma na vida deles é muito forte para simplesmente varrer para debaixo do tapete. Pode trazer consequências sérias para o seu relacionamento com ele. Talvez seja por isto que ele tenha tanto medo de que você o traia, porque o pai dele os traiu por tanto tempo e ainda optou por abandoná-los. Neto faz terapia? Ou a mãe dele?

— Nem pensar! Neto não suporta a ideia de ficar contando a vida dele para uma pessoa que ele sequer conhece. Ele acha que os terapeutas marcam um café todo sábado, às 17h, para falar sobre a vida dos pacientes e dar risadas. Ele não acredita na ética da profissão, assim como também não acredita que tenha algum trauma para tratar... Terapeuta, psicólogo, psiquiatra, analista... todos estes só tratam de malucos, de acordo com ele, ou são charlatões. Me desculpa, amiga... Essa é a opinião dele. Eu não concordo em nada...

— Relaxe! Eu sei disso. Infelizmente, tem muita gente que pensa assim... Mas o foco aqui é outro: o que fazer com o jeito como Neto está agindo. Não é isto? – Concordo com a cabeça – Ele já era assim, nem que fosse só um pouco? Ou mudou completamente o padrão?

— Ele sempre foi um pouco possessivo, ciumento e dominador. Ao mesmo tempo, sempre foi muito amigo, me fazia rir, me elogiava, fazia eu me sentir especial. Mas agora parece que o fato de me achar especial é ruim, porque os outros também vão achar e me roubar dele. E eu nunca deixaria que alguém me levasse dele.

— Opa! Cuidado com o que fala. Você não é um objeto para ser roubada. Não é porque ele está te objetificando que você vai passar a se sentir assim, ok? Você é um ser humano, com vontade própria e direito de escolha. Você está com ele porque você quer, certo?

— Não foi o que eu quis dizer... Ah! Você entendeu – respondi um pouco assustada com o que eu mesma havia falado.

— Entendi sim, por isto pontuei. Para que você também entenda. Voltando ao Neto... E se eu indicasse um terapeuta para ele? Você sabe que eu não posso tratar dele, porque o conheço e porque ser sua amiga, mas posso indicar alguém bem legal.

— Ele não vai aceitar.

— E se ele não souber que está sendo analisado? Posso fazer um encontro indireto e ver se meu amigo consegue convencê-lo a se tratar, sem que ele saiba que estamos por trás de tudo. Meu amigo pode procurá-lo para um quadro, aí eles conversam e meu amigo lança a proposta de um quadro por sessões... Ou você pode pagar sem ele saber. Não é muito ortodoxo, mas pode funcionar. A questão é ele desconstruir a ideia de que terapia ou análise é coisa de louco. Sei que se a proposta vir de uma mulher ele nunca vai aceitar, mas de repente, se for um homem falando...

— Será? Não sei. Neto é muito antiquado para aceitar fazer terapia, mas um homem propondo... Talvez se a proposta vir de um homem bem machão, com barba, estas coisas... Neto, apesar de ser artista, não faz o tipo sensível...

— Ok. Entendi. Não vou nem falar o que penso sobre isso. Mas quero falar sobre a proibição de Roberto de frequentar a sua casa. É algo que você precisa resolver. Neto sabe que Roberto é um dos seus padrinhos de casamento? Que Roberto está te ajudando em TUDO no casamento? Participando de todas as decisões?

— Sabe... Eu tentei conversar sobre isso com ele várias vezes e sempre rolou uma boa DR. Ontem, Neto viu uma mensagem do Roberto, elogiando a escolha das músicas, eu tive que contar a verdade. Resultado: tive que aceitar que o cara que está sempre encomendando quadros para o Neto, junto com a amante, também sejam padrinho e madrinha.

— Oi? A amante do contratante vai ser a madrinha do seu casamento? Vocês se conhecem, por acaso?

— Nos encontramos em algumas ocasiões. Num restaurante, no ateliê, numa exposição... até no resort agora. O contratante eu ainda não conheci, mas acho que se chama Elinaldo. Ela é uma mulherzinha bem vulgar, apesar de ser linda, Micaela.

— Então agora Roberto está oficialmente na equipe de organização. Isto é ótimo! Podemos marcar uma reunião amanhã? Acho que à tarde seria perfeito, assim conseguimos mostrar tudo o que decidimos para Neto e ainda estreamos a sua cafeteira nova! – solta uma das suas risadas maravilhosas. – Vou levar um bolo vegano maravilhoso que aprendi a fazer.

— Bem, Neto aceitou Roberto enquanto padrinho e ajudante na organização, mas nunca vai aceitar que ele entre aqui em casa. Ele morre de ciúmes de Roberto. Sempre acha que Roberto está louco para me roubar dele.

— Amiga, o Neto precisa, urgentemente, de terapia. E você precisa voltar para Carlos também! Ele me disse que não te vê há muito tempo...

— Estou sem tempo para as sessões... E Neto também não gosta. Quem sabe o seu amigo consegue fazer o milagre de convencer Neto a me deixar voltar para a terapia.

— Quem tem que deixar você fazer, ou não, alguma coisa, é você mesma! Pense nisto. Mas... Vamos mudar de assunto? Como não podemos estrear a cafeteira amanhã com todos, que tal um café especial agora? – Levantei e comecei a fazer o café, mas a última frase que Tereza me disse me fez pensar por um bom tempo.

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