"Quando os sentimentos são reprimidos por muito tempo, tornam-se algo descontrolado."
Sofia, uma estudante de Direito orgulhosa e dona de si, acabou de terminar um namoro, com um soco bem dado na cara do ex. Merecido diga-se de passagem. Seu irmão m...
— Tu tá no meu colo porque é a guria mais linda e gostosa da festa e isso tá me deixando louco. Quero que todos esses pirralhos saibam com quem tu tá agora.
Meu coração bate acelerado ao ouvir suas palavras. Isso era o que mais queria ouvir desde que descobri que era apaixonada no melhor amigo do meu irmão. Quer dizer, mais ou menos. Ainda falta a parte em que Gabriel admite que me ama de volta e que vamos ficar juntos independente do meu irmão chato. Mas pelo menos ele disse que eu era bonita, ou melhor "a mais linda e gostosa da festa". Além disso, meio que confessou que sente ciúmes de mim.
Sinto minhas bochechas esquentarem de vergonha, nunca fui boa em aceitar elogios e fico constrangida com o dele. Para quebrar o gelo que se formou entre nós após sua confissão, aviso que vou pegar uma bebida, com a esperança que a coragem líquida diminuísse meu constrangimento.
Embora sempre tenha sido uma pessoa totalmente desinibida, perto de Gabriel fico tímida com frequência. É difícil não se sentir inseguro perto de toda a aura de poder e confiança que exala dele, mas, para mim, era ainda pior, porque essa insegurança vinha acompanhada do medo da rejeição.
Abrindo espaço na sala lotada, finalmente consigo chegar nas bebidas. Um barril de cerveja aguada e uns copos plásticos estavam mal equilibrados em uma mesinha na sala e tive a sensação de que iam cair a qualquer segundo.
Querendo evitar que tudo aquilo acabassem tombando em mim, me servi o mais rápido possível. O sabor amargo característico da bebida está tão diluído que mal dá para perceber e me pergunto quanta água tiveram que colocar no barril para que a cerveja ficasse com esse gosto.
Enquanto abro caminho de volta para onde estava, uma mulher pisa com tudo em cima do meu pé e preciso conter um palavrão. Ninguém mais olha para onde anda? Abaixo os olhos para ver o estrago que a desconhecida fez no meu sapato, mas, quando levanto-os de novo, quase deixo cair a cerveja no chão.
No local onde antes eu estava com Gabriel, vejo seu cabelo castanho de costas e, ao seu lado, uma loira de pernas compridas se pendura no seu pescoço e cochicha algo em seu ouvido. O desgraçado, ainda por cima, ri da besteira que a guria fala.
Sinto meus olhos molharem conforme corro para longe daquela cena. Com a visão embaçada pelas lágrimas, consigo achar um quarto vazio e rapidamente me tranco lá dentro.
Apoiada na parede, desço até o chão e me permito chorar. Por que ele fala aquelas palavras para mim se não são verdadeiras? Pergunto-me enquanto viro o copo da bebida aguada.
Sentindo falta da dormência que uma cerveja de verdade dá, me lembro da última vez que Gabriel fez com que eu me sentisse assim.
Meu irmão e seu melhor amigo tinham a recém voltado de uma viagem para a Argentina e era a última semana de férias deles antes que irem para Santa Maria por causa das aulas. Esse seria o segundo ano deles na faculdade de Direito e o meu penúltimo na escola.
Tinha passado meu verão inteiro planejando como me declarar para ele e finalmente criei coragem. Estava determinada a não deixar com que Gabriel saísse de Porto Alegre sem que soubesse dos meus sentimentos.
Os dois iam fazer uma festa na minha casa e ia ser a oportunidade perfeita para mim concretizar meus planos. Sabia o que queria e, na minha cabeça adolescente esperançosa, nada daria errado.
Me arrumo como nunca me arrumei antes. Chapinha para deixar meus cabelos ainda mais lisos, um vestido de lurex vermelho, um salto impossivelmente alto para compensar minha altura e, para finalizar, uma maquiagem marcada com um batom vermelho matador. Estava me sentindo uma verdadeira princesa pronta para encontrar seu príncipe, mas uma princesa sexy.
Na hora que chego no andar de baixo onde estava rolando a resenha, o local já está lotado. Embora a maioria das pessoas lá fosse bem mais velha que eu, recebo vários olhares quando passo. Meus traços chineses, junto com a maquiagem forte formam um visual bonito e exótico que é difícil não chamar a atenção, principalmente aqui, onde estou cercada de gurias brancas com o cabelo naquele tom loiro odonto padrão.
Costurando entre o mar de universitários de Direito bêbados, procuro pelo corpo alto de Gabriel no meio dos outros. O encontro com meu irmão perto da área da piscina e, assim que César me vê, me puxa para um abraço.
— Minha pequena, que saudades! Como que tu tá maninha?
— Tô bem, grandão, e vocês dois? Quais são as novidades da dupla dinâmica?
— Ah, nada demais. Basicamente tudo na mesma. — Gabriel diz evitando olhar para mim.
— Não acredita nele, esse aí praticamente renasceu, Soso — César diz rindo — Tá namorando uma guria da nossa sala. — e colocando a mão ao redor da boca em concha grita — Michelleeee! Vem cá conhecer a Soso!
Uma loira exuberante chega poucos segundos depois e, se aproximando de Gabriel, beija sua bochecha. Seus cabelos são cortados curtos, em um estilo chanel, e sua expressão é confiante, levemente sarcástica. Com um vestido prateado chique e um penteado moderno, parece mil vezes mais madura que eu. É uma mulher completa enquanto eu sou apenas uma adolescente iludida achando que poderia conquistar o homem mais bonito da festa.
— Ah então tu que é a famosa, Sofia? — a namorada diz sorrindo — Ouvi tanto da irmã de Gabriel, mas nunca imaginei que fosse apenas uma adolescente! Tu sempre me pareceu tão madura nas histórias que os dois contavam...
Estava fazendo força para não chorar, porém não vou deixar as lágrimas caírem. Aqueles dois não mereciam ver minha tristeza, afinal, eu sou "apenas uma adolescente". Com uma desculpa qualquer, saio de lá e, assim que me encontro na segurança do meu quarto, molho o travesseiro durante a noite toda.
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Depois que me acalmo, vou ao banheiro e passo uma água no rosto. Na luz fraca da festa ninguém vai perceber que eu estava chorando.
Pego minha bolsa e, encarnando a atriz dentro de mim, saio do quarto plena. Minha postura confiante não deixa espaço para trela e, assim que localizo a Bella, aviso-a das minhas intenções.
— Essa noite já deu o que tinha que dar! Vamos para casa? Cadê a Jo?
— Calma amiga, tu tá muito nervosa. — e, depois de analisar meu rosto por alguns segundos, me pergunta com a voz preocupada — Tu andou chorando, Sofia? O que houve neguinha?
— A gente conversa em casa, Bella. Agora, preciso mesmo sair daqui. Cadê a Jo?
— Ah, a Dona Joana já sumiu com seu namoradinho secreto, né! A gente pode ir embora agora, mas não pensa que tu vai se escapar! Quero saber exatamente o que aconteceu!
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