Enquanto arrumo os papéis de um caso de divórcio litigioso, percebo uma movimentação na antessala do meu escritório. Poucos segundos depois, meu amigo entra na minha sala sem se anunciar, como sempre.
Acho que ser filho de um dos advogados mais caros do país tem suas vantagens, César exala riqueza usando um de seus muitos termos Armani e ostentando um relógio suíço no pulso. Quem olha acha que é o típico chinês burguês bilionário, mas meu amigo não é nada disso. Embora tenha dinheiro, não hesitou nem por um segundo antes de virar amigo de pessoas mais simples como eu.
Sentando-se atirado em minha cadeira, César mexe em minhas coisas como se o escritório fosse dele. Rindo do seu jeito folgado de ser, me sento na poltrona de frente a ele, destinada aos clientes e convidados, e falo brincando:
— Senhor advogado por favor me ajude! Mesmo tendo feito todas as merdas possíveis ainda espero que tu conserte tudo!
— Bom senhorita cliente, aceito te ajudar, mas vou te cobrar dois rins porque sou o advogado Gabriel e me acho o pica das galáxias. Além disso, vou ter que deixar isso para outro dia porque hoje vou almoçar na churrascaria com meu melhor amigo, o mais gostoso e o que tem a maior rola de todas. — e, perdendo o ar de brincadeira, continua sério — Vou voltar para Porto Alegre e a gente precisa discutir alguns pontos importantes com relação a Sofia.
Concordo com a cabeça com a minha melhor poker face, mas, por dentro, estou suando frio. Nossa amizade é uma das coisas mais importantes para mim, devo tudo a ele. Só de pensar que César tenha descoberto algo entre mim e Sofia, sinto o medo me invadir.
Sei que meu amigo nunca aceitaria que rolasse qualquer coisa entre a gente. Para ele, ninguém é bom o bastante para sua irmã e, se eu for ser sincero comigo mesmo, sei que não a mereço.
O tempo se arrasta até a hora do almoço e perco a conta das vezes em que confiro as horas no relógio enquanto falo ao telefone com meus clientes. Um quer que eu tire a casa da futura ex-esposa, outro quer a guarda total dos filhos e um terceiro grita comigo por mais de uma hora porque quer, de todo jeito, ficar com o cachorro da família.
Quando o relógio marca meio-dia, acelero as coisas com o cliente do cachorro e, em menos de cinco minutos, consigo desligar o telefone deixando-o muito irritado. Azar, mais tarde eu resolvo. Agora, preciso ir para churrascaria antes que morra de ansiedade.
Assim que entro no lugar, localizo César numa mesa colada a cozinha. Esse aí é dos meus, penso rindo ao lembrar do jeito esfomeado do meu amigo.
Sento-me na sua frente e ele, que já está com o prato cheio de carne e farofa, tenta falar comigo de boca cheia. Depois de umas tentativas frustadas em que não consigo entender uma palavra sequer, César engole a comida e, após um copo d'água repete:
— Preciso que tu cuide da Sofia para mim.
— Como assim César?
— Bom, como eu te disse, vou voltar para Porto Alegre depois de amanhã e preciso que alguém tome conta da minha irmã. — faço menção de falar, porém meu amigo me para com um gesto — Sei que tu vai dizer que Sofia já é madura e tal, mas para mim sempre será uma adolescente rebelde. Sei que tu ama minha irmã tanto quanto eu e preciso quero fique de olho nela por mim, preciso que afaste os piás que se aproximarem dela. Depois daquele Matheus, tenho medo que Soso não tenha o julgamento em relação a namorados.
Minha consciência pesa ao ouvir o que César diz. Se ele soubesse o quanto eu queria estar no lugar de um desses piás que ela namora não teria pedido isso para mim.
Naquele dia da festa quase me descontrolei. Sofia estava tão linda que não resisti e falei para minha pequena tudo que estava passando por minha cabeça quando a vi gata daquele jeito. Felizmente, me controlei a tempo e, depois que ela sumiu, fui embora daquele lugar.
Meu peito pesa por saber que César confia tanto em mim quando eu sei que não mereço um terço daquela confiança. Meu amigo está, basicamente, pedindo para a raposa cuidar do galinheiro.
Contudo, não posso negar que isso seria unir o útil ao agradável. Eu poderia ajudar meu amigo enquanto aproveito para liberar meu ciúmes e afastar os piás que ficam rodeando minha pequena.
— Claro, cupincha. Sabe que adoro a tua irmã, vou ter o maior prazer em te ajudar.
— Ok, agora que isso está decidido, gostaria de te avisar que tu tem uma nova estagiária.
— César... o que que tu fez?
— Relaxa, falei com uns parceiros meus na empresa da Soso e eles concordaram em demití-la. Não gosto que ela trabalhe lá, aquele lugar não merece o potencial da minha irmãzinha. Botam Sofia para fazer cópias o dia todo, tu acredita?
Sei que isso vai dar merda no momento em que essas palavras saem da boca do meu amigo. Minha pequena odeia quando não fazem o que ela pede e lembro muito bem da baixinha ter sido bem enfática sobre não interferirmos no seu trabalho.
Por outro lado, César costuma fazer o que quer sem ligar muito para a opinião dos outros, o que me deixa no meio do fogo cruzado dos irmãos. Porém, enquanto meu amigo foge para Porto Alegre, quem vai ficar aqui enfrentando a fúria de Sofia vai ser eu.
— Cara, isso vai dar merda. Tua irmã falou que não era para gente interferir no trabalho dela.
— Relaxa, vai dar tudo certo. Sofia sabe que trabalhar na empresa foda da família é melhor do que ficar desempregada. A entrevista com ela vai ser segunda, mas é só uma formalidade. Minha irmã é perfeita para o cargo de qualquer jeito.
— O que que eu não faço por ti né César?! Vou te ajudar porque sou teu amigo, mas ainda acho que tu não devia interferir no trabalho da Soso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Proteção - Sob o céu de Santa Maria
ChickLit"Quando os sentimentos são reprimidos por muito tempo, tornam-se algo descontrolado." Sofia, uma estudante de Direito orgulhosa e dona de si, acabou de terminar um namoro, com um soco bem dado na cara do ex. Merecido diga-se de passagem. Seu irmão m...