3

345 65 19
                                    

A chaleira com água fervente apitava, água para o café, sua ansiedade a consumia e não a deixava ter uma noite de sono decente. A paz que sentira nos últimos dois anos se foi.

Pegou a chaleira e derrubou no pó marrom cheiroso de café, via o líquido preencher sua caneca com um desenho qualquer, seu coração palpitava, roía as unhas pelo medo. Estava preparada para quando chegasse esse dia, por que um dia ele chegaria, mas na prática era tudo mais complicado.

Colocou a quantidade de açúcar que gostava e começou a ingerir o líquido que agora era doce, sua vontade era de abrir as janelas e espiar se realmente estava sendo observada, sabia que estava, mas a dúvida a consumia.

Levar um tiro no meio da testa é pouco tentador neste momento. Anna pensava e afirmava consigo.

O único cômodo estava escuro, apenas uma luminária de luz fraca a permitia distinguir os objetos de si mesma, andava de um lado para o outro bebendo seu café, sua mente funcionava em pensamentos pessimistas sobre as possibilidades do que poderia acontecer daqui pra frente, era uma possibilidade pior que a outra.

Tentou se ocupar vendo os programas locais de televisão, alguns filmes passavam, comédia romântica, os clichês cansativos, filmes de terror, escolheu algum deles para assistir. Já tomava sua segunda xícara de café.

Não sabia quantos filmes havia assistido, conseguiu se ocupar com alguns deles, mas sempre se pegava pensando no pior. Bufou em resposta a dor de cabeça que começava a sentir, levantou da poltrona e foi até um dos armários da cozinha, puxou uma bolsa pequena com alguns medicamentos, escolheu um comprimido que lutaria contra sua dor.
Engoliu com a ajuda do líquido marrom e arfou, olhou ao redor do seu apartamento e refletiu sobre o que a sua vida havia se tornado e onde havia se metido.

Tinha tudo do bom e do melhor, seu status era popular, tinha amigos maravilhosos, uma poupança com uma quantia de dinheiro que seria exagero colocar em números. Maldita transferência, maldito homem.

Sorriu fino, era de nervoso, achava que iria ser advogada e trabalhar com dossiês por alguns anos, conhecer um cara bacana, ir para a cama com ele, ter filhos, casar, virar avó e por último aproveitar sua aposentadoria para desfrutar da "boa vida" que todos lutavam durante anos para conseguir.

Mas quando entrou na carreira que sempre quis, seus pensamentos mudaram, o que menos queria era conhecer alguém, ir para a cama com essa pessoa, ter filhos, casar, virar avó. Aproveitar a aposentadoria ainda era tentador, isso se não fosse sequestrada, torturada, dopada e ameaçada de morte – talvez morta antes.

Agora estava do outro lado do mundo, em um país distante e com boa influência, aproveitando dias de paz e fugindo de perseguidores insistentes. Que hipócrita, e que reviravolta. Talvez fosse para a cova mais cedo do que planejava.

Suspirou.

Voltou para sua poltrona, sua rotina mudaria drasticamente nos próximos dias.
Continuou assistindo os programas que passavam, se ocuparia com aquilo até os primeiros resquícios de raios de sol.

Acabou com a garrafa de café, ponderou se fazia mais ou parava por ali, já estava acordada o suficiente e sua dor também já havia passado, poderia dizer que estava ótima.

Anna alcançou seu celular e desbloqueou a tela, 4:57 marcava o visor do relógio, suspirou e foi para o seu quarto. Abriu as portas do guarda roupa, pegou peças melhores para visitar seu antigo "amigo".

Uma calça preta, um tênis surrado qualquer, um moletom por cima e estava feita, estava simples. Já beirava às 5:10 decidiu ir para a estrada, se bem lembrava o lugarzinho onde seu "amigo" ficava era afastado e longe da civilização cheia e poluída. A cara dele.

START OVER | Kita ShinsukeOnde histórias criam vida. Descubra agora