Capítulo 05 - Orvalho

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Os climas mais frios são propensos ao romance, pois quando as moléculas do corpo passam a agitar-se lentamente e os corações, em contrapartida, se aceleram é impossível aos lábios não reunirem-se num beijo. É em razão disso que as noites de brisa e os beijos na chuva são o plano de fundo perfeito para um encontro apaixonado. Duas bocas gélidas e línguas quentes se cumprimentando costumam elevar ao máximo a sensação de estar próximo. É como sentir a "eletricidade" de um choque térmico.

Os únicos elementos que filmes, novelas e livros não contam sobre os dias tempestuosos são, geralmente, as que todas as pessoas de fato passam. Goteiras ultrapassando a superfície do telhado, o desespero de retirar as roupas limpas do varal quando a água vem sem aviso, o guarda-chuva "virando" ao contrário acometido por uma rajada forte de vento ou pé frio dos solteiros nas noites sem quentura. Essa parte não é romântica, logo, é excluída das histórias mais clássicas.

Para sorte dos leitores dessa humilde narrativa esse não é um clássico romance. Portanto, não se esconde que na noite em que Bianca Andrade completou seus dois meses sua melhor amiga, Rafa Kalimann, não se encontrava vibrando em sensações decorrentes de amor.

Indo pelo caminho inverso a mineira tentava bravamente no meio do sono esquentar seus pés recobertos por um par de meias. Se involuntário ou consciente não se sabia definir, o fato era que não estava obtendo o sucesso desejado em sua ação. Sentia-se efetivamente frustrada bem em seu momento de plenitude.

Deveria achar-se calma quando finalmente sozinha em seu quarto. Era para ser o momento em que descansava da rotina de gravações do programa, dos cuidados com Bianca e dos cuidados em não pensar "daquele jeito" em Bianca.

Sua fadiga nada tinha a ver com a quebra da esfera romântica há trinta dias atrás naquela famigerada noite pós primeira consulta. Rafaella entendia agora, mais do que antes, que não havia como serem nada mais que amiga.

Não insistia na nomenclatura por uma insistência cega dessa vez. Havia entendido depois de sentir uma súbita vontade que essa existia, só não estava pronta para admitir com todas as letras.
Não quando o simples prenúncio de um beijo motivou um pequeno afastamento nas últimas duas quinzenas.

O sono era seu lugar de refúgio. Era onde não havia problemas em revelar que poderia ficar horas sentindo o cheiro do perfume de Bianca próximo enquanto a beijava. Sonhar com isso era tão vívido que quase podia montar uma cena inteira com detalhes.

— Princesa? — Bianca diria com aquela sua voz manhosa, invadindo com o tom o sono e silêncio dos seus sentidos. Figurativos e literais. E então a abraçaria com seu toque cálido fitando-a até que ela ousasse avançar sem medo.

— Você vai me sufocar, linda! — Mas não era para ser assim, estava errado. Foi só ai que Rafa se deu conta de que o que classificou como mimese era de fato realidade. Não o poder toca-la com anseio, mas o aperto.

Bianca estava envolvida nos braços de Rafaella que se encontrava apoiando-se em seu peito. O rosto contra o pescoço da morena.

— O que está fazendo aqui? — Se bem lembrava a loira tinha certeza de que veio até seu quarto e deitou em sua cama sozinha. Fez menção de se afastar, mas Bianca a puxou e prendeu-a ali passando uma perna por sua cintura.

Merda. Merda.

Tentou de novo. Sem sucesso em sair da situação com sutileza. Ficou automaticamente rígida e quieta tentando conter sua respiração e esquecer que Bianca estava atracada em seu corpo e começava a passar os pés pelo seu bem devagar como se também estivesse com o mesmo frio.

— Tem uma coisa que não me sai da cabeça... — A morena começou ignorando a pergunta da outra mulher que parecia ter olhado nos olhos da Medusa.

I'll give you everythingOnde histórias criam vida. Descubra agora