Beco sem saída

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Sempre que acontece algo em nossas vidas com o qual, por algum motivo, não conseguimos lidar, usamos uma poderosa ferramenta de proteção mental: a repressão. Ela acontece quando algum sentimento ou emoção é tão intenso e surpreendente que a mente acaba bloqueando totalmente da consciência. Enterramos tudo tão fundo no subconsciente que perdemos noção de certas coisas. Na maioria das vezes, nem guardamos a memória do fato, pois temos a impressão do desconhecido, de nunca termos vivido aquilo. E junto da regressão, andando lado à lado de mãos dadas, existe a projeção. Projetamos nos outros tudo aquilo que está escondido no nosso subconsciente nos incomodando. Sempre acontece com um gatilho, e o de Bishop, infelizmente, foi Megan.

As notícias que para o nosso entendimento têm conotações negativas, são uma oportunidade de projetar toda a nossa culpa e vergonha reprimidas nos agentes da ação. Eles são ruins, nós não. Com isso, criamos e mantemos o arquétipo da vítima.

Sempre que atentarmos para o fato de que estamos julgando alguém ou alguma coisa, devemos parar de imediato, ficar atentos, observar. Esta circunstância, juntamente com quem está envolvido nela, provavelmente é a chance que se tem de escolher entre a projeção e a cura daquilo que foi um dia reprimido dentro de si e agora está vindo à tona.

Se nos vemos no outro e reagimos, provavelmente o problema está em nós. Temos que tomar muito cuidado com as armadilhas da nossa consistência, senão um dia ela pode nos matar.

Maya estava atônita, apesar daquela "revelação" lhe parecer mais uma manobra para Lee desviar a sua atenção das reais intenções que tinha. Internamente ela se repreendia por ter sido tão inocente ao ponto de acreditar que aquela desconhecida poderia lhe ajudar sem nada em troca. Ameaças nunca foram o suficientes para deter alguém que esteja determinado a alcançar um objetivo. Ela estava cansada de saber disso e mesmo assim arriscou. Arriscou, e agora provavelmente tinha um problema muito maior que o anterior, com o agravante de ter suas emoções descontroladas. A comandante não se reconhecia. Se olhasse no espelho com certeza viria a imagem de outra pessoa, uma pessoa do qual ela não gostava da aparência.

- Você está brincando comigo. - Bishop puxou a cadeira à frente da ruiva, sentando-se - Isso só pode ser uma piada e de muito mal gosto. Acha mesmo que vou acreditar nessa sua historinha?

- Não preciso que acredite nas minhas palavras. Eu mesma não acreditaria. É por isso que existe o DNA. Tenho uma cópia do resultado em meus arquivos em casa, mas se quiser, pode colher o meu material, não me importo. - Meg abriu a boca para a agente federal, porém a fechou quando a outra revirou os olhos e bufou alto.

- Isso é impossível. Nem o Sr. Vincenzo, nem a Sra. Deluca tiveram outros filhos. Carina, digo, a Srta. Deluca é adotada?

- Hã... Não! Eu sou. Fui abandonada na porta do prostíbulo, como você sabe. Cresci entrando e saindo de orfanatos e lares provisórios. Até então nunca tinha tido interesse em descobrir quem eram os meus pais, a minha família. Se me abandonaram é porque não me queriam, então, não justificava buscar por eles. Eu ficava com raiva das outras crianças na escola porque elas eram felizes e eu não. A rejeição é bastante poderosa, sabia? Deixei de fazer muitas coisas durante a minha vida pelo medo de ser rejeitada, até por pessoas que não tinham nenhuma ligação emocional comigo. Sempre foi difícil me comunicar, me aproximar de alguém. É por isso que vivo sozinha, na maior parte do tempo, isolada do mundo. Fica mais fácil seguir em frente assim. Quando eu entrei para a faculdade, comecei a questionar todo o meu passado, sentindo que tinha algo errado comigo. Comecei a teorizar sobre o meu abandono e achar que meus pais me largaram em um canto qualquer porque em mim existia algum defeito, o que justificava também a minha falta de sorte no amor. Ninguém nunca me quis, e constantemente eu era descartada, desprezada. - A ruiva fez uma pequena pausa em seu relato ao fungar e limpar suas lágrimas, dando uma breve encarada em Maya, que mantinha-se impassível ouvindo tudo atentamente - Eu buscava explicações, mas nunca, nunca encontrava e acabava me frustrando cada vez mais. Até que, há mais ou menos dois anos atrás, me ligaram do orfanato para onde eu tinha sido levada quando era bebê. Uma das irmãs que cuidou de mim estava morrendo e pediu para me ver. Sempre tive uma ligação mais forte com ela do que com as outras cuidadoras, mas nunca prestei atenção nos motivos que a levavam a tentar me proteger lá dentro. Irmã Liza me dizia diariamente que aquele não era o meu lugar, que um dia eu descobriria a verdade dentro de mim. Nessa última conversa que tivemos, ela me contou quem eram os meus pais, e foi então que comecei a juntar as pontas soltas da minha vida que constantemente me incomodavam. O porquê de eu ter sido largada na porta de um prostíbulo tão bem vestida, o porquê de terem encontrado um pequeno, mas valioso broche no meio dos meus pertences, enfim... Muita coisa começou a fazer sentido. Nesse momento, pela primeira vez em anos, tive coragem de buscar pela verdade. Não foi fácil, não mesmo. Me arrisquei, cometi alguns crimes, algumas contravenções. Passei por cima de algumas pessoas até...chegar onde cheguei agora. No dia do atentado à Casa Branca eu estava aqui, listada no grupo de visitações. Seria a primeira vez que eu os veria de perto...

A Filha do Presidente ( adaptação )Onde histórias criam vida. Descubra agora