A vida continua

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- Hoje é um dia de sentimentos dúbios para toda a nação americana... - O presidente Vincenzo suspirou com ambas as mãos apoiadas no púlpito de acrílico à sua frente. Ele havia dispensado algumas horas de seus dias durante a semana anterior para escrever o discurso que faria no evento em homenagem às vítimas do atentado à Casa Branca que completava um ano naquele dia, e também aos que foram mortos injustamente durante o sequestro de sua filha. No entanto, ao olhar para o lado e encarar os olhos castanhos de Carina, o homem preferiu deixar as palavras fluírem, vindas do seu coração - Há exatamente um ano atrás, eu, o governador, a nossa família e as mais de trezentas e vinte pessoas que estavam aqui no momento, sofremos um terrível atentado. Há algumas semanas a minha filha, junto com uma amiga, a comandante Bishop e alguns integrantes da equipe de segurança, foram sequestrados, torturados, e alguns deles cruelmente assassinados. Como é de conhecimento de todos, esses casos não foram ataques isolados. Um grupo paramilitar, fanático, assumiu a autoria dos dois eventos criminosos. - Um suspiro profundo interrompeu a sua fala - Durante as investigações, os agentes encontraram algo que repudiei da primeira à última letra, mas lerei para que saibam do que se trata. "O ataque à Casa Branca foi consequência da política externa dos Estados Unidos, opressora e tirana. Não fomos nós quem desencadeamos a guerra contra vocês naquele dia. Foram vocês e os seus ditadores nos nossos territórios. Mereceram todas as mortes e Deus sabe disso. Deus estava ao nosso lado nos ajudando a levar adiante o atentado, e com isso, destruir a sua economia capitalista, a expor a hipocrisia, a acabar com os seus argumentos de merda sobre a democracia, a liberdade e a união. O que nos dizem sobre a guerra do Vietnã? As bombas atômicas no Japão? O destino dos palestininos? O apoio de seu país aos 'ocupantes judeus' de Israel? Hipocrisia. Esses são exemplos claros e reais de sua imundice. Nós matamos, mas as suas mãos continuam manchadas com o sangue dos nossos irmãos e irmãs e das nossas crianças mortos em Gaza. Estamos felizes em ter matado e infelizes por ter sido tão poucos." - Com a voz embargada, o presidente conseguiu terminar com dificuldade a leitura daquela carta que tanto o atingia, de forma até bem pessoal.

Percebendo a carga emocional que tudo aquilo trazia ao seu pai, imaginando o que ele estava sentindo com o que vivenciaram ao longo das últimas semanas - as dores, as revelações - Carina repousou a mão sobre o ombro direito dele, sorrindo em cumplicidade - uma forma de passar- lhe segurança e carinho. Com um gesto delicado, ela o afastou um pouco do púlpito, tomando a palavra para si.

- O meu pai está um tanto quanto emocionado, como imagino que muitos de vocês estejam também. Peço que tentem compreender e o perdoem por isso. Bom, segregando a questão pessoal que me toca, com tudo o que aconteceu com o país desde o primeiro ataque, há um ano atrás, eu necessito exaltar a união de todos nós. Hoje vale a pena lembrar somente o que não mudou e nunca mudará: nosso caráter como nação, nossa fé em Deus e uns nos outros, nossa crença na América. Peço, encarecidamente, que os americanos se dediquem aos ideais que nos definem como nação, como um todo. Não somos e nem temos a pretensão de sermos perfeitos, mas nossa democracia é duradoura, e essa democracia também nos dá a oportunidade de aperfeiçoar essa junção de pessoas que anseio que tenhamos. Agora nos agarramos às nossas liberdades, todas elas. Estamos mais atentos contra quem nos ameaça, e há inconvenientes que vêm junto com a nossa defesa comum, infelizmente. Isto é o que honramos nesse dia de homenagem e lembrança: a experiência que tivemos e a determinação em não baixar a guarda, em não desistir nunca. Quanto ao que meu pai leu, afirmo e reafirmo que os Estados Unidos nunca estarão em guerra contra o Islã nem contra nenhuma outra religião, ou contra quem quer que seja. Peço licença para ler o Salmo 46, invocando a presença de Deus como uma inspiração para superar o sofrimento. "Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia. Portanto não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares..."

A Filha do Presidente ( adaptação )Onde histórias criam vida. Descubra agora