Vai ficar tudo bem

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A vida inteira Carina ouviu um sábio conselho vindo de diversas pessoas em diversas situações: "respire fundo antes de qualquer coisa". A maioria daqueles que a aconselharam um dia, a exercitar essa ação benéfica, não possuía um diploma de formação em Medicina ou Psicologia, mas mesmo assim estavam certos.

O cérebro humano é programado para reagir primeiro e pensar depois. Não fazemos por mal, pois esta programação é a responsável pela sobrevivência da humanidade. Serve-nos como um recurso para fuga rápida, irracional, quando entendemos que algo nos traz a sensação de risco, perigo.

Eis a grande importância do ato de respirar calmamente por alguns segundos quando a situação se complica. Neste pouco tempo para nós, mas valioso para o organismo, é permitido ao cérebro a organização das informações recebidas pelo ambiente. Tendo pleno conhecimento desse recurso, a herdeira não demorou-se em puxar a maior quantidade de ar que podia para os pulmões e fechar os olhos, assim que sua irmã e ela findaram a leitura da carta que Lucia havia deixado.
Este era um segredo que ela guardava consigo: o autoconhecimento. Deluca sabia bem que, se não desse tempo a si mesma, responderia agressivamente a tudo e a todos. E isso, seria a pior coisa a se fazer naquele momento.

- Será que...podemos conversar sobre isso depois? - A morena indagou, olhando para os seus dedos das mãos que moviam-se irriquietos.

- Eu ia te pedir a mesma coisa. Estou cansada. Não quero ter que lidar com isso agora. É...muita...muita coisa para processar, para organizar dentro de mim.

- Eu entendo perfeitamente, porque sinto o mesmo. - A filha do presidente abraçou a ruiva, afastando-se em seguida para encará-la - Consegue tomar banho sozinha?

- Consigo sim. Fique tranqüila.

- O que você quiser comer é só ligar no ramal da cozinha. Deixei uma colinha de todos os números ao lado do telefone. Se precisar de mim, estarei aqui, literalmente ao seu lado.

- Obrigada, Carina. Obrigada por tudo.

- Não precisa me agradecer. - A morena levantou-se e da porta acenou - Boa noite.

- Boa noite.

Adentrando em sua suíte, Deluca foi direto para a sacada apreciar a vista. Pelo avanço das horas e dado ao clima chuvoso da noite, as nuvens não a deixavam ver o céu estrelado, e o vento trazia o cheiro gostoso da terra úmida. Ela ergueu a cabeça, fechou os olhos, esticou os braços para baixo e abriu as palmas das mãos para receber energias que pudessem lhe revigorar de alguma forma.

Mantendo-se imóvel, a filha do presidente sentiu sua roupa se agitando. Seu casaco balançava como a bandeira hasteada lá no pátio. Seus cabelos acompanhavam os movimentos, e era como se aquela dança fosse trazendo aos poucos a paz do qual necessitava. Nesse instante, ela pensou em Lucia. Lembrou-se da última vez que vira a mãe. Mesmo com tudo o que aconteceu, conhecendo um lado obscuro nela - antes inimaginável - seus gestos e olhares ainda eram os mesmos da infância de Deluca, quando brincavam pelos gramados de uma antiga casa em que moraram. A mesma forma delicada de entrelaçar os dedos, de sorrir com os olhos, de transmitir calor e carinho ao mínimo toque.

Quando a morena percebeu que estava chorando, notou também que sentia algo parecido com remorso. Um sentimento tão humano, mas que antes ela julgava como tolo.

"Meu Deus, será que o que eu fiz, o que estou fazendo, não é crueldade?"
Mãe. Tantas vezes essa nomeclatura passou despercebida pelo cotidiano, mas agora tinha uma sonoridade muito particular, única. Lucia provavelmente sentiu a dor da rejeição, tal como Megan sentiu durante toda a sua vida. Curiosamente, sem que soubesse de fato o que fazia, com a escrita daquela carta, ela inverteu os papéis na história. E depois das palavras lidas, ambas as filhas passaram a vê-la com outros olhos. Olhos de quem não aceitava a justificativa do erro inicial, mas que respeitava o sentimento materno. Ao contrário do que pensava antes, Deluca não podia se dar ao luxo de extinguir o nome de Lucia de seu cotidiano. Era a sua mãe, apesar de tudo. Ela não podia simplesmente anular tudo o de bom que a sua progenitora havia feito por ela. E sim, havia feito muita coisa boa. A morena não poderia deixar de cumprir o papel de filha, porém, eatava impossibilitada naquele momento. Sua única alternativa foi mantê-la consigo, ao menos por ora, somente em pensamento, mas não como deveria ter sido feito.

A Filha do Presidente ( adaptação )Onde histórias criam vida. Descubra agora