Os Ocultos

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メメメメメメメ𓅓メメメメメメメ

As coisas mais bonitas do mundo são sombras.

Charles Dickens

メメメメメメメ𓅓メメメメメメメ

O táxi estava parado na avenida, ao lado de um viaduto. E eu estava morrendo de calor dentro do terno.

Em algum momento da noite, véspera de ano novo houve um acidente e nós ficamos engarrafados entre os outros veículos, conversando sobre qualquer assunto que o jovem taxista sugerisse.

Bem, ele estava tendo um monólogo admirável, enquanto eu lançava um "hm-hum" de vez em quando e continuava a trocar o olhar do retrovisor para o meu relógio e do relógio para os últimos vendedores ambulantes da noite que deslizavam lá fora, como o fluxo de um rio corre por entre as pedras.

A mata ciliar se fazia de prostitutas e travestis, que acenavam para os carros e exibiam os corpos em roupas apertadas e coloridas.

Estava perdido, observando-as escurecidas pelo vidro fumê, chutando levemente minha maleta, quando fui captado dos meus devaneios pelo emaranhado loiro do rapaz no meu campo de visão assim que ele virou-se para mim. Só assim percebi que me encarava sorrindo.

– Quer pagar por uma? – Ele sugeriu, num tom de brincadeira, ao inclinar a cabeça na direção das prostitutas. Eu ri baixinho e olhei para ele.

– Não curto pagar por sexo. – Cruzei os braços, e o encarei sério. – Você curte? 

O taxista parou por um momento, e franziu as sobrancelhas.
– Quando não acho companhia pra uma boa foda, eu pago – ele disse.  – Mas não pra essas aí, a maioria é bicha de vestido.

Lancei um olhar rápido pra ele e fingi um sorriso, observando como sua expressão o enganava.

  – Esses dias uma dessas bicha' entrou no meu táxi – ele prosseguiu, a voz vibrando debochada. – Quando percebi que era macho, mandei pra fora a base de murro. – Ele começou a rir enquanto eu o encarava. Balançou a cabeleira loira na testa e apontou para a rua. – É aquele traveco de cabelo bombril ali, no poste.

Um som debochado cresceu no peito dele, terminando em um suspiro de satisfação.

– Isso aí até tentou revidar mas eu segurei ele... ela... essa coisa, pra levar mais uns murros.

Meus dentes rangeram uns nos outros como uma engrenagem enferrujada em um maquinário prestes a quebrar de dentro pra fora, mas inclinei a cabeça para a mesma direção que ele apontava, chutando a maleta com mais veemência.

Havia um borrão vermelho na rua rodeado de névoa.

Tratava-se de uma travesti que estava apoiada no poste, fumando. O vestido vermelho, sangrento, apertado da cintura pra cima, agradava aos olhos. Ela sorriu com cumplicidade e piscou pra mim, como se os olhos pudessem me ver através do vidro fumê.

– Certo. – Minha voz sentenciou e voltei a brindar o silêncio.

Muitos minutos já haviam passado, tínhamos avançado alguns centímetros no asfalto, eu não parava de chutar minha maleta e ele tinha trocado de música no rádio diversas vezes quando voltou a falar.

Senti que estava inquieto com meu silêncio, movendo-se no banco e soltando comentários para puxar um assunto comigo. Foi então que eu comecei a respondê-lo e o homem falou tanto que os assuntos mudavam com facilidade; entre um assunto e outro que ele me surpreendeu novamente:

Mordidas: Contos Estranhos, Eróticos e GrotescosOnde histórias criam vida. Descubra agora