Pelas Mordidas

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O quarto porquinho fez sua casa com crânios de lobos. Eles não são particularmente resistentes, mas passam uma mensagem.

Anônimo

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Sanatório Alto Arão, Carajás – Setembro de 2019

Tia Dai,

Eu juro de pés juntos que não tenho culpa, mas mesmo assim eles querem ferrar comigo. Me acusaram de assassinato porque não conseguiram investigar porra nenhuma, tia.

O Alisson que me levou pra lá praquele casarão velho. A noite tava tão escura e quieta. A casa então, as paredes cheias de tijolos desgastados e o telhado torto. O cheiro de mofo, era horrível.

- Não tem medo de lugares assim meu preto? - Foi isso que aquele danado me perguntou. Eu lembro que ele me perguntou desse jeito, sussurrando no meu ouvido, meio malicioso. A mão dele tava apoiada na minha bunda tia, vê se pode. E com a outra ele ficou tateando a parede, procurando interruptor.

A luz deu um estalo tia que clareou a sala inteirinha, mas a gente preferiu ficar no escuro, pra fazer imundice, como a senhora fala. Engraçado não ver imundice no "carteiro" que passa aí toda terça né? Olha que a senhora não vai pro céu hein?!

Mas continuando tia... o som da festa tava muito alto, que chega as paredes vibravam. Foi por isso que a gente pulou o muro pro casarão e pra nossa sorte, ou pro nosso azar, a porta tava aberta. Foi o destino mesmo hein tia.

A casa suja de dar dó tia, se a senhora visse tinha caído de costas. Tinha janela quebrada e tudo, parecia abandonada de verdade, daquelas de filme mesmo. Mas o Alisson não quis nem saber, meteu logo um beijo em mim e puxou minha calça pra baixo, era um guloso viu, deve ter puxado a mãe.

Falei pra ele que tinha medo, mas aquele descarado meteu meu pau na boca de uma vez só. Desculpa o atrevimento dos detalhes tia, as vezes eu empolgo, mas continuando, enquanto ele tava me babando todo a gente ouviu um reboliço no andar de cima da casa. Pra quê? Alisson que é curioso já foi logo subindo minhas calças, fechou o zíper de qualquer jeito e me puxou pra ir ver.

A gente subiu a escada devagarinho tia, sem nem respirar direito. O barulho as vezes parava, mas não demorava muito a começar de novo. Quanto mais perto a gente ia chegando mais a gente estranhava, parecia barulho de gente. Um choro, sei lá.

Tava dentro de um quarto tia. Eu até pensei que pudesse ser mais gente caçando lugarzinho pra trepar, igual o Alisson e eu. A gente aproximou da porta e empurrou devagar, a sala tava escura.

Bem que o povo sempre diz que curiosidade matou o gato né? Mas o que a gente viu, que ninguém na delegacia quis acreditar, não era a curiosidade não tia. Era uma figura esquisita, parecia um cachorro. Que nem aquele filme Um Lobisomem Americano em Londres, quando o homem começa a se torcer todo no chão, sabe? Foi igualzinho.

Aquilo ficou revirando no chão igual gente tia, num sofrimento desgraçado. Resmungando igual um homem e na mesma hora ficava rosnando e roendo os braços. Nossa como fedia, cobri a boca e o nariz tia, mas o Alisson foi encostando perto dele, nem vi se ele tinha catado algum pedaço de mobília ou se tinha arrancado da parede, mas ele tava com um pedaço de pau na mão.

Se nem onça a gente cutuca com vara curta, imagina um bicho esquisito que a gente nem conhece!?

Aquele Alisson era meio burro tia, como que pode futucar aquilo lá sem mais nem menos. Nem me avisou, só empurrou o bicho com a ponta do pau e armou um golpe. Mas aquele bicho foi foi rápido, só vi quando uma das mãos cortou o ar enquanto agarrava  pela perna e jogou o Alisson contra o chão.

Eu nem vi como foi o resto tia, só sei que numa hora o Alisson tava armando pra acertar o bicho, e na mesma horinha o bicho já tava em cima dele mordendo ele inteirinho enquanto ele gritava.

Eu tentei ajudar, mas levei uma mordida também.

Eu travei depois disso tia, mas eu vi quando o bicho estraçalhou o rosto dele com mais mordidas. O Alisson enfiou o pedaço o de pau na barriga do bicho nessa hora. Foi sangue pra todo o lado, sangue do bicho e do Alisson. Só que o bicho saiu de cima dele e tentou pular a janela, mas tinha uma corrente no pé, na pata, sei la.

Aquilo ficou tão desesperado que arrancou um pedaço do chão com corrente e tudo. Uma tábua soltou e acertou na minha testa tia, eu lembro disso.

Lembro de ver um pedaço da mandíbula do Alisson pendurado enquanto ele tava afogando no próprio sangue, esbarrando nos móveis. Tenho que admitir que achei uma cena linda, digna de passar em cinema tia, igual o filme do lobisomem.

Você precisava ver, sangue pra todo lado. Foi nessa hora que desmaiei.

Eu sei que era seu filho tia Daiana, mas não fica assim não. Ele me dizia que você não gostava dele, sabia? Que você orava pra Deus curar ele. Mas ele não era doente não tia, ele era gay, igual eu, só isso. Você que foi burra, de não amar ele enquanto podia, mas eu amei. Na verdade acho que a culpa foi sua tia Daiana. Você quem provocou essa fuga dele pra pegar menino escondido. Deve ser ruim saber que é culpada da morte do próprio filho né?

Morte não né? Assassinato. Foi disso que você me acusou tia... por isso que fiquei ressentido com você. Você sabia que eu não ia fazer uma coisa dessas.

Mas logo a gente pode resolver isso... Sim, euzinho da Silva. Ou a senhora achou que ia me culpar, me mandar pra esse lugar cheio de doido e ficar por isso mesmo? Nana-nina-não.

Mas fica tranquila tia Daiana, vou até dar um jeito dessa carta chegar até você antes de mim, inclusive não estranha quando um treco parecido com o que matou o Alisson te visitar a noite.

Já preparei tudinho pra ir embora. Só sei que aquilo tá crescendo dentro de mim, aí quando estiver pronto, é facil fugir e eu vai estar vigiando a senhora de pertinho, quando a senhora menos esperar.

Essa que é a graça tia, você nunca vai saber a hora certa que eu vou querer me vingar. Fica esperta tia, qualquer hora o bicho pode tomar conta.

A senhora nem deve saber o que o bicho é né? Eu também nem sei, só sei que aquela mordida passou alguma coisa pra mim, pena que o Alisson não teve a mesma sorte.

Ah... falando no Alisson, acho que ele nem sofreu muito tia Daiana, nem viu como era o bicho direito. Pode ficar sossegada por enquanto... mas eu vi... vi de pertinho... e adorei.

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Mordidas: Contos Estranhos, Eróticos e GrotescosOnde histórias criam vida. Descubra agora