Chapter Twenty-Seven

324 20 1
                                    

Heloísa.
 
22h56.
 
O baque de saber que Ricardo está envolvido nisso tudo foi doloroso, eu confiava nele pelo tempo que nós nos conhecíamos e porque ele me demonstrava se alguém confiável. Ele esteve ao meu lado em vários momentos ruins, dentre eles, a morte de meu pai. Ficou comigo desde o momento em que ele foi internado e até o caixão ser enterrado, até o ultimo grão de terra cobrir o chão e quando isso tudo acontecia, ele segurava minha mão e me dizia que tudo ficaria bem. Eu confiava nele de olhos fechados e agora sabendo que ele planejou a morte de Samantha, incluindo a minha, era como se a vida me desse uma rasteira e eu caísse de costas no chão. Foi dolorido.
 
Eu estava chateada e magoada, mas sabia que não poderia deixar meus sentimentos me impedir de agir com razão. Agradeço ao exercito por me ajudar a fazer isso com frieza e facilidade.
 
Eu sabia que Samantha estava chateada e com um pouco de medo, ela não tinha me dito, mas eu sabia pela a forma que ela ficava. Ela gostava de segurar minhas mãos e era reciproco da minha parte, mas hoje, após ela saber disso tudo, sua mão segurou a minha com firmeza, daquelas que beiram o desespero. E é claro que eu permiti que ela segurasse da forma e com a força que quisesse, eu quero que ela se sinta segura ao meu lado e que entenda, não importa como, mas eu vou protegê-la de tudo e principalmente, de todos.
 
– Lica? – Samantha me chamou, levantei o rosto para vê-la – Você tá tão caladinha.
 
Ela disse e se sentou ao meu lado, procurou minha mão e a segurou.
 
– Só estou pensando em algumas coisas... - Apertei sua mão com carinho – Você está bem?
 
– Eu estou me sentindo meio sei lá, sabe? – Ela disse e me encarou, concordei com a cabeça – E você? Vocês dois eram bem próximos, imagino que esteja sendo complicado pra você.
 
– Eu estou da mesma forma que você... – Ela fez que sim com a cabeça – É meio estranho e um pouco doloroso saber que eu não o conhecia de verdade. Eu confiava nele quase que de olhos fechados e por isso, sei lá, eu estou me sentindo estupida e achando que foi erro meu.
 
Samantha negou com a cabeça e se ajeitou melhor na cama.
 
– Você confiou nele porque é uma pessoa incrível e com um coração gigante, por isso acreditou que ele também fosse da mesma forma... – Ela disse docemente – O erro foi dele por escolher ir por esse caminho, por querer acabar com nós duas por conta de dinheiro e agora ele que lide com as consequências disso.
 
Fiz que sim com a cabeça porque ela estava certa e ela sorriu, aproximou nossos rostos e deixou que nossos lábios se encontrassem e dessem inicio a um beijo calmo. Curti seus lábios o tanto que pude, mas fomos interrompidas por batidas leves na porta.
 
Samantha se levantou e foi ver quem estava na porta, abriu e encontrou o Eric com o celular em mãos.
 
– A policial quer falar contigo, Lica... – Ele disse e eu pedi pra que ele me trouxesse o celular.
 
Ele entrou no quarto e me entregou, coloquei imediatamente no viva voz. Falei que ela poderia falar, Samantha se sentou no mesmo lugar em que estava e Eric se sentou na ponta da cama na minha frente.
 
– Oi, Heloísa, aqui é a policial, nós o interrogamos e ele disse que não vai falar nada até que fale contigo... – Ela disse essa frase e meu estômago embrulhou, eu conseguiria ficar cara a cara com ele? – Tentamos convencê-lo por um tempo, mas ele não aceita e não abre a boca. Tenho dois homens lá dentro tentando fazê-lo falar, mas ele se nega de todas as formas.
 
– Já tentou socar a cara dele? – Perguntei impaciente e Samantha beliscou meu braço – É uma brincadeira, eu acho, sei que vocês não podem fazer isso.
 
– Ele disse que não precisa mais que dez minutos... – Ela disse e eu fiz o que precisava.
 
– Eu vou pra aí agora e a gente resolve isso.
 
Ela disse que estava nos esperando e eu desliguei a chamada. Fechei meus olhos e respirei fundo, eu precisaria ter o sangue mais frio do mundo pra encara-lo.
 
– Eu vou pra lá e vocês ficam aqui.
 
Disse enquanto me levantava da cama, olhei rapidamente pra Samantha e ela me encarava com uma expressão de “ah, mas não vou mesmo, querida”.
 
– É melhor que eu te leve, Lica.
 
Eric disse e eu olhei pra ele, neguei com a cabeça e o vi revirar os olhos.
 
– Você não é nem louca em achar que nós dois vamos ficar aqui enquanto você tá cara a cara com aquele homem... – Samantha disse em um tom “mandão” me fazendo estremecer de leve – Tá entendendo, Heloísa?
 
Fitei a mulher que ainda estava sentada na cama e sorri dando de ombros. A escutei resmungar algumas coisas enquanto levantava da cama e vinha para o meu lado. Ela abraçou meu braço esquerdo como se me impedisse de correr, ri internamente porque se eu quisesse mesmo, me soltaria facilmente.
 
– Então vamos? – Perguntei rindo baixinho.
 
Os dois disseram que sim e logo saímos do quarto, descemos a escada e encontramos Manuela sentada no sofá com uma taça de vinho nas mãos. Explicamos rapidamente a ela o que iriamos fazer e uma hora e pouco depois estávamos na porta da delegacia.
 
Saímos do carro assim que o Eric estacionou o carro e entramos na delegacia em silêncio. A Clara estava novamente atrás do balcão e quando nos viram, veio até nós.
 
– Pronta? – Fiz que sim com a cabeça e ela se virou para os dois ao meu lado – Vocês podem aguardar aqui mesmo, acredito que será uma conversa rápida.
 
Olhei pra Samantha que negou com a cabeça algumas vezes antes de falar alguma coisa.
 
– Nós não podemos ver a conversa por algum lugar? – Ela perguntou – Vocês aqui não tem uma sala que usam justamente pra isso?
 
– Nós temos, mas... – A policial começou e Samantha a interrompeu.
 
– Me desculpa te interromper, de verdade, mas se você não se recorda, eu infelizmente sou o “começo” de tudo, era pra ele me matar desde o principio, então eu tenho direito em saber o que o Ricardo quer falar ou o que ele quer com a Lica.
 
A policial olhou pra mim e depois pra Samantha de novo, após alguns segundos concordou com a cabeça.
 
– Você está certa... – Ela disse simplesmente – Vocês dois podem ficar comigo, assistindo a conversa.
 
Samantha agradeceu e Clara pediu para acompanha-la, fizemos isso sem dizer mais nenhuma palavra. Passamos por um corredor bem iluminado, com muitas portas e paramos na última, a única que tinha um policial parado ao lado na porta.
 
– Aqui você entra... – Apontou para a porta do lado esquerdo – Não se preocupe que lá dentro tem um policial armado, pra caso ele tentar alguma coisa.
 
Segurei uma risada, mas sem sucesso. Ela me encarou um pouco confusa.
 
– Eu sei lidar com ele, mas obrigado, policial.
 
A policial concordou e Samantha se jogou em cima de mim, envolveu meu corpo em um abraço forte, como se soubesse que alguma coisa poderia dar errado assim que eu entrasse nessa sala e o visse.
 
– Boa sorte... – Ela disse após me soltar.
 
Sorri e me preparei para entrar na sala, os três entraram na sala ao lado da minha. Dei um passo em direção a porta e o policial que estava ao lado dela, abriu pra mim. Agradeci e entrei.
 
A sala era grande e nela só tinha uma mesa consideravelmente grande e duas cadeiras, uma em frente a outra. Na parede em frente ao que Ricardo está sentado, tem um vidro quase do tamanho da mesa, deve ser por ele que as pessoas conseguem acompanhar o que está acontecendo aqui dentro.
 
Ricardo me acompanhou com o olhar desde o momento em que entrei pela a porta e até eu me sentar, não disse uma única palavra até ter toda minha atenção nele.
 
– Obrigado por vir...  – Ele disse, percebi pelo o tom de voz que ele estava um pouco nervoso.
 
– O que você quer? – Perguntei, não tinha paciência e ele sabia bem.
 
– Eu preciso te contar como que eu entrei nisso e dizer que não é o que você está pensando... – Eu quis rir, mas fiquei só o observando – Na noite do dia que você começou a trabalhar pra Samantha, eu recebi uma ligação e me ofereceram trezentos mil para acabar com ela. Eu pensei comigo mesmo, que se eu me infiltrasse e fingisse que estaria o ajudando, eu conseguiria tempo. E antes que você diga que eu poderia vir na polícia, eu não poderia porque não sabia sua identidade, mesmo que eu negasse e contássemos para a policia nós provavelmente não iriamos conseguir pega-lo, nisso ele poderia achar outra pessoa pra realmente fazer o serviço... – Ele respirou fundo – Aceitei e comecei a trabalhar pra ele, com a ideia de descobrir sua identidade e poder observar seus passos. No dia que a casa foi invadida, eu que contratei o rapaz e disse o que ele deveria fazer, disse que era apenas entrar lá e fazer algum barulho, pra que vocês acordassem.  Ele fez, você acordou e saíram nos socos, coisa que não era pra acontecer. Quando a policia levou ele pra delegacia, eu organizei pra que ele não ficasse preso. Isso tudo com medo de que meu “chefe” descobrisse... – Fez aspas com as mãos.
 
– Espera... – Ele me olhou apreensivo – Você tá realmente me dizendo que você estava tentando impedir algo acontecer?
 
– Sim, eu jamais faria algo contra vocês duas, Lica... – Neguei com a cabeça, sem saber o que pensar – Vocês foram para a cabana do Eric e neguei contar o local, disse que eu mesmo queria fazer o serviço e ele me deu até o final do mês. Eu entrei em parafuso, porque os dias iam passando e eu não sabia como prosseguir.
 
– Você não podia simplesmente falar pra mim? – Perguntei irritada – Eu já lidei com todo tipo de pessoa.
 
– Que você já lidou com todo tipo de pessoas, eu concordo, só que ele é grande e até poderoso... – Suspirou – Quem tá por trás disso é o vice-presidente da Manuela, Lica.
 
Arregalei os olhos e abri a boca chocada, eu já tinha visto algumas entrevistas dos dois para a televisão e sempre achei que eles fossem mais que amigos e que sei lá, esse cara fosse uma boa pessoa.
 
– Eu descobri na madrugada em que o rapaz entrou na casa da Samantha...  – Olhou para suas mãos em cima da mesa – Ele foi até a minha casa com dois seguranças e lá eu vi que tinha me encrencado, ele é poderoso, não tanto a Manuela, mas ainda é. E eu realmente não soube o que fazer, eu pensei muito em falar pra vocês o que estava acontecendo, mas eu sabia que vocês não entenderiam e tudo bem, vocês estavam correndo perigo, Samantha principalmente.
 
 – Essa história tá muito confusa, Ricardo... – Ele concordou com a cabeça.
 
– Sabe os comprovantes de depósitos e mensagens que o Eric mostrou pra vocês? – Fiz que sim com a cabeça – No domingo à noite eu me encontrei com ele na fazenda e expliquei tudo, eu precisava procurar uma ajuda, a que fosse... – Respirou fundo – Depois de explicar tudo ele me disse que vocês tinham se tornado amigos e me deu um estalo, por isso deixei que ele tirasse as fotos e armamos essa mentira pra vocês duas, porque eu sabia que vocês iriam atrás da verdade.
 
– Pra que isso tudo? – Perguntei, eu realmente não estava entendendo.
 
– Eu não poderia contar pra vocês e muito menos vir na policia, eu era vigiado, a única pessoa que eu sabia que não daria problema em contar o que estava rolando era para o Eric, porque a gente já namorava há bastante tempo e sempre estávamos juntos... – Ele virou seu rosto e olhou para a câmera em sua frente – Eu recebi uma mensagem do Eric assim que vocês saíram da delegacia, avisando que todo nosso plano estava dando certo, e o plano era que vocês contassem tudo isso pra policia, eu fosse preso e que aqui eu pudesse contar pra você quem é o mandante de tudo, cara a cara.
 
– E o mandante é o vice-presidente? – Essa frase foi estranha de dizer, confesso, ele concordou com a cabeça – E você quer que eu acredite nisso tudo?
 
– Você não precisa acreditar, eu posso tranquilamente ser preso, cumprir a pena que for e ele que é o mandante, o real culpado de tudo ficar impune.
 
– Supondo que tudo o que você disse seja verdade, você tem alguma outra prova que seja ele? – Eu perguntei e ele fez que sim com a cabeça.
 
– Hoje após o almoço nós fizemos uma última chamada por vídeo, ele queria saber dos detalhes e combinar o último valor que eu receberia após eu provar que vocês tinham morrido... – Ele fez uma careta leve – E eu gravei essa chamada, com o cu na mão, mas gravei e após desligarmos, eu passei a gravação para um pen drive e guardei dentro de uma caixa de remédio no meu cofre.
 
– Qual é a combinação para abrir? – Perguntei.
 
– 274.
 
– Sinceramente? – Eu falei e ele murmurou um “o que?” – Parte de mim quer acreditar que essa história é verdade e que tudo o que vivemos não tenha sido uma grande mentira, mas parte de mim tá me dizendo que você só pode estar tentando ganhar tempo e eu estou sendo uma grande idiota por estar aqui, perdendo meu tempo contigo.
 
– Eu sei que o Eric e a Samantha estão assistindo a nossa conversa, você consegue confirmar isso tudo em menos de um minuto... – Ele disse – Eu não estou mentindo, eu nunca faria mal pra vocês, nós nos conhecemos há bastante tempo e eu te tenho como minha família, Lica.
 
Respirei fundo e antes que eu pudesse responder alguma coisa, a porta se abriu e a policial entrou, acompanhada dos dois. Eric o encarou e sorriu.
 
– Eu posso confirmar o que ele falou pra você, todo o plano que armamos, ele estava do meu lado quando tirei as fotos das mensagens e dos comprovantes dos depósitos e a mensagem que eu mandei pra ele, assim que saímos daqui, eu posso mostrar ela agora... – Eric confirmou – Espero que vocês não fiquem chateadas ou irritadas comigo, eu fiz o que era preciso.
 
Samantha veio pro meu lado e se agachou, apoiei meus cotovelos na mesa e tampei meu rosto com as duas mãos, eu precisava de um tempo de olhos fechados. Eles ficaram em silêncio por alguns minutos e eu aproveitei esses minutos, tirei minhas mãos do rosto e me virei pra Samantha.
 
– O que você acha? – Eu perguntei pra mulher que estava do meu lado.
 
– Acho que devemos dar um voto de confiança? – Ela disse baixinho, mas os três podiam escutar.
 
As três últimas palavras soaram estranhas em minha cabeça, mas talvez fosse à única coisa que nos restavam. Olhei pro Ricardo e escutei a policial falando.
 
– Nós vamos mandar um policial pegar esse pen drive... – Ela disse e ele concordou com a cabeça – Onde fica esse cofre?
 
– Dentro do chão, em baixo da minha cama, a combinação é 274... – Ele disse – E eu só preciso dizer mais uma coisa importante, ele tá fazendo isso tudo porque quer que sua mãe renuncie a presidente e quando isso acontecer, ele ficar no seu lugar. E tem outra coisa que vocês vão descobrir quando virem a gravação.
 
– Qual a lógica? – Samantha perguntou.
 
– Ele acha que com a sua morte, sua mãe não vai aguentar a dor e vai acabar fazendo isso, agora caso ela não fizer, ele tentará de outras formas e essas formas eu já não sei.
 
– Isso não vai acontecer porque você ficará bem e porque vamos pagar esse desgraçado... – Falei e Samantha concordou.
 
A policial disse que era isso mesmo que aconteceria e saiu da sala, acompanhada de nós três. Ricardo foi levado para uma cela, se ele estivesse falando a verdade sobre o cofre, pen drive, vídeo e que o mandante é o vice-presidente, ele seria liberado.
 
– Vocês estão bravas comigo? – Eric perguntou para nós duas.
 
Samantha o encarou por alguns segundos e depois me olhou, suspirou e voltou sua atenção pra ele.
 
– Não, não estou... – Ela suspirou – Eu acredito que você fez por de boa vontade.
 
– Quando ele me disse que vocês estavam correndo perigo e que talvez esse fosse o único jeito, não pensei duas quando ele propôs inventar toda aquela história.
 
– Mas Eric, e se na verdade, ele está armando alguma coisa? Ele pode estar mentindo pra você... – Apontei para o Eric – E nós duas.
 
– Eu espero que não seja isso. – Ele respondeu olhando diretamente para o chão, levantou o rosto e me encarou – Ele também estaria mentindo para os policiais.
 
– Vamos esperar pra ver o que acontece, gente, é a única coisa que podemos fazer de fato... – Samantha disse – Vai ser um baque pra minha mãe quando ela descobrir quem é o mandante disso tudo, mas pelo menos isso tudo vai acabar.
 
Concordei com a cabeça e me sentei ao lado de Samantha em um banco que tinha escorado em uma parede. Passei meu braço por sua cintura e ela encostou mim, do jeito que dava. Eu estava sentindo uma pontinha de esperança crescer dentro de mim e eu iria me agarrar nisso.
 
00h36.
 
– Eu só queria estar deitada numa cama confortável agora. – Samantha comentou com a cabeça encostada em meu ombro.
 
– Você não é a única.
 
Respondi baixinho, a minha cabeça estava começando a doer e eu aproveitei o silêncio que estava na sala pra ficar com os olhos fechados. Não sabia quantos minutos já tinham se passado desde que os policiais saíram para buscar o suposto pen drive de Ricardo.
 
– Será que vai demorar muito isso tudo? – Ela perguntou baixinho, dei uma risada também baixa.
 
– Eu não...
 
Parei de falar assim que a porta se abriu e por ela entrou Clara e dois policiais. Ela nos olhos rapidamente antes de falar.
 
– Encontramos o pen drive... – Me olhou – Nós vamos ver o conteúdo agora e achei que vocês queiram ver também.
 
Nós três concordamos com isso e seguimos ela até uma sala, tinha vários computadores. Um dos policiais vai até um e liga o monitor, coloca o pen drive na cpu e se senta na cadeira. Alguns segundos depois ele abre a pasta do pen drive e dentro dela tem uma pasta chamada “vice-presidente”. Ele clica nela e lá tem um vídeo, ele dá dois cliques e inicia o que queríamos.
 
Nos dez primeiros segundos apenas conseguimos ver Ricardo, ele aparentava estar nervoso. Ouvimos uma voz baixa, que vai aumentando aos poucos e é aí que ele aparece na câmera. Quem o Ricardo falou ser o mandante de tudo, seu rosto era sério e ele estava de óculos de grau. Ele foi direto ao ponto.
 
– Tudo pronto e certo pra hoje a noite? – Ele perguntou e podemos vê-lo sentando em uma cadeira, pois apoia o seu celular em algo em cima de uma mesa.
 
– Tudo certo... – Ricardo disse, tentando parecer confiante – Eu vou ir jantar com as meninas, vai acontecer durante a sobremesa.
 
– O que você planejou? – Ele perguntou, dando um sorriso depois.
 
– Envenenamento... – O homem fez uma careta como se não tivesse gostado.
 
– Você não acha meio batido essa forma? – Questionou Ricardo que negou com a cabeça.
 
– Não, da forma que eu planejei não... – Ricardo deu de ombros.
 
– E qual forma é essa?
 
– O Sr. já ouviu falar em uma cobra chamada Irland Taipan? – O filho da puta negou – É a cobra mais venenosa do mundo, dizem que o veneno em suas presas é capaz de matar 100 homens. O veneno dela é um hemotóxico potente e complexo, ele faz o sangue se liquefazer, destruindo as células sanguíneas, causando hemorragias internas. Essa cobra é capaz de matar um ser humano em menos de 45 minutos.
 
O desgraçado atrás da tela coçou no queixo e ficou em silêncio por alguns segundos.
 
– Como você vai arrumar essa cobra? – Disse com um sorrisinho no rosto – E se ela te picar e em vez das duas morrerem, você for o premiado?
 
– Eu não preciso da cobra, apenas do veneno e esse eu já consegui... – Ricardo disse, fazendo o sorriso do desgraçado desaparecer.
 
– Como?
 
– Eu não sei se comentei contigo, Sr., mas eu sei muito bem navegar na DeepWeb... – Ricardo sorriu – E dentro dela você encontra de tudo e mais um pouco.
 
– Elas irão sofrer um pouco? – Perguntou, como se não tivesse prestado atenção na explicação de Ricardo.
 
– Com certeza, dado que é uns 45 minutos pra pessoa morrer.
 
Ele concordou com a cabeça e mais uma vez ficou em silêncio.
 
– E como você vai fazê-las beberem esse tal veneno?
 
– Eu vou fazer uma sobremesa apetitosa para as duas, duvido que elas irão negar.
 
– Só uma coisa que mudou... – Ele disse e Ricardo ficou atento – Assim que elas morrerem, tire fotos e me traga uma mexa de cabelo das duas.
 
– Ok, Sr.
 
– Só mais uma coisa, Ricardo... – Ele disse olhando diretamente para a câmera – Você pode até voltar atrás e não fazer o combinado, mas saiba que outra pessoa fará. Você não é a única pessoa que eu contratei pra resolver esse problema e ele está só esperando a sua falha.
 
Ricardo concordou com a cabeça e ele se despediu, assim acabando a vídeo de chamada e também o vídeo.
 
Olhei pra Samantha que estava com uma expressão de choque, ela não esperava que tudo que Ricardo contou fosse verdade e principalmente, por saber que tem outra pessoa atrás disso, alguém só esperando Ricardo falhar. Eu confesso que também não esperava, mas estou de certa forma, aliviada por saber que a pessoa que confiei por anos não é uma grande filho de uma puta. A policial disse que agora tinha uma prova concreta contra o vice-presidente, além dos depósitos e também das mensagens trocadas por eles.
 
Ricardo estava sendo liberado e antes que eu pudesse vê-lo mais uma vez, agora solto, senti uma sensação estranha atravessar meu corpo inteiro. Era como se isso fosse dar muito errado e resolver não estava em meu controle. Olhei pra Samantha que ria de algo que o Eric contou e a sensação intensificou. No mesmo segundo Samantha virou seu rosto pra me olhar, respirei fundo tentando controlar o que estava sentindo e ela se aproximou.
 
Me envolveu em um abraço gostoso, daquele que quase me fez esquecer a sensação. Afundei meu nariz na curva do seu pescoço e respirei fundo sentindo seu perfume. Ela deu uma risada baixa e logo após me soltou. A sensação tinha desaparecido.
 
Não iriamos trocar nenhuma palavra até a policial aparecer com o Ricardo ao lado. Nos olhamos rapidamente e eu voltei minha atenção a ela.
 
– Nós acabamos de mandar alguns policiais com um mandato de prisão e de busca até a casa do vice-presidente. Com as provas aqui apresentadas e com o que iremos encontrar na casa e no celular dele, conseguiremos prendê-lo, levá-lo ao juri e condená-lo por homicídio... – A policial disse – E eu acredito que Manuela também esteja em perigo, por tanto irei mandar alguns policiais pra lá.
 
– Teria algum problema se fossemos pra lá? – Samantha perguntou e ela pensou por alguns segundos.
 
– É perigoso, eu não aconselharia ir, mas vocês é quem sabem.
 
Concordamos com a cabeça e nos despedimos, eles ficariam encarregados em prender aquele filho de uma puta e eu em proteger Samantha, caso aconteça alguma coisa. Saímos de delegacia o mais rápido possível e quando vimos já estávamos chegando na casa da mãe de Samantha. Nós poderíamos estar cometendo uma grande besteira em ficar aqui, mas se algo fosse mesmo acontecer com a gente, aqui seria mais fácil controlar as coisas e outra, além de mim, tem oito seguranças.
 
Descemos do carro após estacionarmos na área de trás da casa, a porta da cozinha estava aberta e por ela víamos que as luzes estavam ligadas. Chegamos devagar e escutamos uma música baixa, entramos pela a cozinha e caminhamos com cuidado até a entrada da sala, onde vimos Manuela sentada no sofá, com uma taça de vinho na mão e escutando algumas músicas pelo YouTube.
 
Samantha correu até ela, a assustando, as duas deram algumas risadas até ela ver o Ricardo. Seu semblante se tornou outro e era fácil dizer que ela estava com ódio, mas antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, Samantha contou que ele não era o que achávamos e contou resumidamente o que ele tinha dito pra mim dentro daquela sala de interrogatório.
 
Manuela demorou alguns segundos pra entender de verdade, mas quando aconteceu, ela acolheu Ricardo. Ele chorou um pouco pedindo desculpas, dizendo que não queria que tivesse chegado a esse nível, mas quando ele viu, as coisas tinham fugido um pouco do controle.
 
Nenhum de nós iríamos conseguir dormir, por isso, Eric foi pra cozinha e fez uma comida leve pra gente. Comemos assistindo qualquer coisa na televisão e em um determinado momento, antes de eu me levantar para colocar os pratos na pia, aquela sensação horrível voltou. Respirei fundo e levei os pratos até a pia, me escorei nela e a sensação só ia piorando.
 
Eu sabia que alguma coisa iria acontecer, apenas não sabia o que, mas como fui treinada pra isso, fui até a sala e decidi conversar com os quatro, pedindo calma. Manuela disse que estávamos a salvo, pois tinha dois de seus homens na porta da sala, quatro na área de trás e dois no  corredor do primeiro andar.
 
– Eu confio nos seus homens, mas caso vir acontecer alguma coisa eu preciso estar em alerta... – Falei e me lembrei que tinha deixado a minha arma na cabana, me xinguei mentalmente – Você por acaso não teria uma arma pra me emprestar, né?
 
– É claro que n... – Samantha começou e Manuela interrompeu.
 
– No meu escritório, atrás da mesa tem uma pequena estante de livros, puxe o quarto livro da fileira três do lado esquerdo. É um cofre, a combinação é 926. – Samantha a encarou chocada – O que? A sua mãe também tem segredos.
 
Samantha disse que viu que sim e eu a agradeci. Subi correndo até chegar em frente a porta do escritório, a empurrei de lá consegui ver a estante. Fui até ela e puxei o livro que ela tinha dito, em menos de um segundo aquela estante de livros deu lugar a pequeno cofre. Coloquei a combinação que ela tinha dito e o cofre abriu, puxei sua porta e lá encontrei três pistolas, de 9mm, .40 e .45 e também dois revólveres 357 e um tanto considerável de munição.
 
As armas estavam descarregadas, dentro do cofre também tinha um coldre, amarrei ele em minha perna e coloquei duas pistolas após recarrega-las com munição, peguei as três armas que ainda tinham e recarreguei-as, segurei as munições com os dois braços e saí do escritório. Desci as escadas rapidamente e encontrei os quatro na sala ainda.
 
– Você sabe atirar? – Perguntei pro Eric e ele concordou.
 
O entreguei uma pistola e dois cartuchos de bala, talvez eu esteja exagerando, mas toda precaução ainda é pouca. Olhei pro Ricardo e entreguei um dos dois revólveres, um ficaria comigo também. Coloquei os cartuchos de munições em meus bolos.
 
Eu ia falar alguma coisa pra Samantha quando ouvimos o celular de Eric tocar, nós nos olhamos e ele atendeu, colocando no viva-voz em seguida.
 
– Aqui é a policial Clara e eu tenho noticias... – Ela disse e nós ficamos calados, esperando ela dar a notícia – Nós conseguimos prender o vice-presidente, ele não negou nada, até porque com as provas que temos é impossível ele negar que seja o mandante. Como sabemos que ele tem outro ajudante e ele se recusa a dar sua identidade. Por isso nós estamos mandando algumas viaturas pra aí, pra fazer a segurança de vocês.
 
Eu agradeci e Samantha me olhou assim que Eric desligou a chamada.
 
– Está acabando... – Manuela disse baixinho, como se falasse pra fazê-la mesma acreditar nisso.
 
Eu quis sorrir com isso, mas a sensação crescente me dizia que talvez estaria distante do fim. Eu queria fazer isso quando tudo estivesse terminado, mas e se o fim se resulta em eu morta? Se for esse meu fim e meu destino, eu quero ter o privilégio de curtir meus últimos minutos ou horas sabendo que namorei essa mulher incrível.
 
– Samantha? – A chamei e ela me olhou.
 
Me afastei um pouco dos demais e ela me seguiu, parou em minha frente e com isso eu segurei suas duas mãos. Abri um sorriso, esse com vontade e falei o que eu queria dizer a muito tempo, mas que esperava o tempo certo.
 
– Nós não fazemos ideia de como será o nosso amanhã, mas eu quero que ele, se existir, seja com você sendo minha namorada... – Ela abriu a boca chocada z Você quer namorar comigo?
 
Samantha abriu aquele sorriso que me faz ver o paraíso e se jogou em meus braços, dizendo repetidas vezes a palavra sim. A abracei como se essa fosse a última vez e deixei que nossos lábios se unissem da forma mais bela que conseguissem. Eu amava essa mulher e eu tinha a plena certeza que era reciporoco
Após quebrarmos o beijo e também o abraço, notamos os três sorrindo.
 
– Eu estou namorando... – Samantha disse rindo.
 
Brincamos por alguns segundos até eu ter um estalo forte, pedi pra que Samantha e Manuela fossem para o escritório e que ficassem lá. Após um pouco de relutância por parte de Samantha, ela aceitou e se foi. A vi subir as escadas e a cada passo, era uma tristeza sem tamanho, eu não queria que essa fosse a nossa última vez.
 
Pedi pra que Eric ficasse cuidando da porta e que qualquer pessoa que não fosse eu ou Ricardo, era pra ele atirar pra matar. Ele concordou e também se foi.
 
Olhei para o meu amigo de longa data e dei um sorriso triste. Parte de mim sabia que esse era meu fim e outra parte gritava dentro de não acabaria assim. Acabaria comigo e Samantha lá no Canadá, curtindo umas merecidas férias e aproveitando nosso namoro.
 
– Seja lá o que for acontecer aqui, saiba que eu fiz tudo pra te proteger e que eu te amo, Lica... – Ele disse, vi que seus olhos estavam marejados.
 
– Obrigado por isso, ok? – Sorri e o puxei para um abraço forte.
 
Após quebrarmos o abraço ficamos nos olhando por alguns segundos. Eu sentia que era por esse minutos que aconteceria algo e eu não estava errada. Ricardo me encarava sério e antes que ele pudesse me dizer algo, fomos atingidos por disparos constantes através da janela.
 
Ricardo estava em minha frente, vi o exato momento em que dois dos disparos atravessou seu peito e garganta. Antes de tocar ao chão, seu corpo já estava sem vida. A dor dos locais atingidos pela a bala não foi tão incomoda do que vê-lo morrer. Me joguei ao chão, atrás do sofá e a primeira coisa que procurei foi a pistola. Puxei ela do coldre e a fiquei com ela em mãos. Me concentrei em instantes na dor e entendi que tinha sido baleada na coxa, no ombro bem próximo a clavícula, na barriga e também no peito, próximo ao coração. Não entendi como ainda estava viva.
 
Respirei fundo, já percebendo a dificuldade, tentei levantar, mas parei quando escutei passos pelo lado de fora da casa. Coloquei minha mão por baixo das minhas costas com a arma, deixei meu dedo no gatilho e apenas fiquei esperando a melhor oportunidade. Escutei a pessoa abrir com tranquilidade a porta e apenas esperei ela aparecer na minha frente. Eu precisava ser cautelosa.
 
Em menos de cinco segundos a pessoa apareceu, eu não o conhecia e ele não fazia a minha questão de usar algo pra tampar o rosto. Ele deu um sorriso orgulhoso do que tinha feito e se agachou do meu lado.
 
– Sabe? – Ele começou e a minha respiração só piorava, como as dores também – O chefe me pediu pra acabar contigo rapidamente, mas eu prefiro te ver sofrer um pouco.
 
Dei uma risada baixa e ele usou seu dedo indicador pra pressiona-lo contra o ferimento da bala no meu ombro. Grunhi de dor e xinguei ele mentalmente.
 
– É bom, não é?
 
Ele gargalhou. Se eu tivesse em condições iria socar a cara dele até todos os dentes da boca caírem.
 
– Você me deu vontade de fazer uma coisa... – Ele se levantou e deu alguns passos em direção a escada – O quão doloroso vai ser pra você assistir outra mulher que ama morrer?
 
– Eu vou matar você... – Falei e ele gargalhou.
 
– Eu não sei como você ainda está falando, é muita coragem, mas pouca noção.
 
Ele riu e se virou pra subir as escadas. Tirei minha mão de baixo das minhas costas e apontei minha arma pra ele.
 
– Você sabe que não se pode dar as costas ao inimigo, não é? – Falei pausado com dificuldades, mas falei – Otário.
 
Ele se virou no mesmo segundo, vi seu braço se levantar como que em câmera lenta e eu apenas dei dois disparos certeiros, ambos na cabeça. Vê-lo cair no chão morto me vingou a morte de Ricardo, mas não passou a dor. Descansei meu braço no chão e por mais que eu quisesse gritar os três, eu já não tinha mais nenhuma força. Respirei o mais fundo que deu e senti a sensação de dever cumprido.
 
Dei um sorriso de canto e deixei que meus olhos se fechassem, a escuridão foi a última coisa que gravei em minha mente.
 
Além da Samantha.
 
▪︎▪︎▪︎

Eu nunca escrevi um capítulo tão grande como esse, mas eu espero que vocês tenham gostado e que o sentimento de que caguei essa fic seja só loucura da minha cabeça.

Até o próximo capítulo que é o último e não me odeiem, tá?

A Guarda-CostasOnde histórias criam vida. Descubra agora