Por que as tardes pareciam tão escuras? O sol se punha muito cedo. Menos das 17 horas, e o céu ficava escuro por completo, quase sem nenhuma fagulha de luz em meio ao vasto "oceano" que arrebatava as nuvens. Estranho como elas não se mexiam no dia. Creio que queriam permanecer paralisadas por toda eternidade.
Como eu podia enxergar o céu? Bem, pude observar a escuridão se expandir pelo horizonte por meio de um dos bancos daquele bar vazio, um próximo o suficiente do lado de fora, assim eu conseguia enxergar aquelas trevas nebulosas. Estava debruçada sobre o cotovelo de meu braço esquerdo, atacando o copo de vidro que havia em minha frente com leves petelecos. Raspava a unha naquele objeto e sentia as gotas escorrerem por toda a cartilagem da ponta de meus dedos. Uma poça foi formada na base do copo, molhando o granizo daquela longa bancada.
A música tocava sem parar. Um jazz clássico, daqueles que pareciam terem sido gravados de um rádio velho. O barman já havia escutado a "música preferida" umas quinhentas vezes. Impressionante como ele nunca enjoava daquela sinfonia de saxofones. Ele balançava a cabeça, como se aproveitasse pela primeira vez a tão sonhada música. Me contou que o artista era desconhecido e que só existia uma faixa com a autoria dele. Apelidou- o de "Joshua", a fim de homenagear o próprio filho. No início foi legal, mas agora ficou irritante.
— Tudo bem, minha senhora?
O barman perguntou, ao mesmo tempo que limpava uma das taças que se encontravam junto de uma bandeja.
— Sim...
Respondi desanimada, divagando em meio aos devaneios dentro de toda a minha cabeça.
— Quer mais um whiskey, senhorita?
— Não... Obrigada.
Sem graça, disse, olhando para o teto cinza do bar, tentando procurar alguma fonte de inspiração.
— Acho que sei seu problema, minha querida.
— Fale seu palpite.
Me ajeitei no banquinho de madeira e me encurvei, a fim de ouvir as palavras que sairiam da boca daquele senhor.
— Senhorita, todos aqueles que chegam nesse bar buscam ou uma bela cerveja gelada, ou um bom conselheiro... Seu caso seria o segundo?
— Vai ler minha sorte?
— Senhorita...
O homem soltou uma risada descontraída antes de continuar.
— Mil perdões! Posso parecer estranho ao dizer palavras tão diretas, mas creio que sou o único que compreende os sentimentos da dama desta noite, a senhorita, no caso.
— Ainda não disse o que tenho... Quer mesmo que eu confie em ti?
— Sente tristeza, um vazio existencial, como se tivessem arrancado seu coração. Uma dama que partiu em busca de um cavalheiro e descobriu que este era, na verdade, o dragão da história. Por outro lado, o príncipe Procurou a rosa mais bela do jardim, mas, sem querer, pisoteou as pétalas da tal flor. Antíteses e mais antíteses, que perdem o sentido quando analisadas de um modo tão frio quanto o meu.
O senhor gesticulou durante todos o discurso poético... Um verdadeiro teatro de tragédia.
— Foi só um chute bem dado...
— O nome dele era Douglas, né?
Fui pega de surpresa ao ouvir o nome daquela pessoa vir dos lábios do magrelo barman.
— O que você disse?
— Não tente negar os fatos, senhorita. É só questão de aceitar.
— Falar é fácil! Você nem faz ideia!
Gritei com ele, esmurrei o granizo, joguei o copo pra longe e agarrei-o pelo colarinho.
— Violência nem sempre é a solução, minha cara.
— Cala a boca!
Apertei com força o tecido daquele smoking preto, cujo colarinho se transformou em um bolo de desbotamentos e amassados.
Meus olhos ardiam em um fogo que jamais havia visto... Nem pensei que tinha toda essa vontade dentro de mim. Agi por impulso... Senti que minha alma gostaria de pular pra fora de mim e vagar pelo mundo, livremente... assim como uma nuvem. Sentimentos tão fervorosos gerariam coisas que poderiam terem sido evitadas desde o início.
— Não é minha culpa o seu vício em bebidas.
— Cala boca!
— Vai, me mate! Imagina que eu sou ele! ME MATA!!
— PARA!!
Larguei o colar do terno dele... Voltei pro banquinho e, num abaixar de cabeça, meus cabelos morenos criaram uma sombra intimidadora contra meu rosto.
— São as palavras que tenho para lhe entregar.
O silêncio foi a minha retrucada... Impedida de expressar o que queria por não saber colocar ordem dentro do próprio peito... Um espelho quebrado, espatifado, espalhado em diversos cacos que refletiam a minha eu verdadeira, tudo através de um reflexo choroso. A realidade nunca foi tão difícil de aguentar. Me vi bem diante de tudo o que eu podia perceber daquele cenário espalhafatoso.
— Vai engolir em seco, senhorita? Sabe que whiskey corta como faca quando ingerido desse jeito. Não me diga que a faca é mais do que uma metáfora?
— Sabe... Talvez seja, Barman... Eu vim aqui com esta intenção.
— Queria aproveitar uma última vez, não é? Escolheu a bebida certa, no final das contas.
Um sorriso de orelha a orelha percorre os caminhos estreitos das curvas e dobramentos do rosto pálido do senhor, cujo bigode, era alisado enquanto conversávamos sobre nossos gostos.
— Pedi o Whiskey porque era a bebida favorita dele... Sabe o que aconteceu com ele, não é mesmo?
— Claro, senhorita Jessica.
— Que bom... Você foi um bom barman, Simon. Espero nos que encontremos mais cedo ou mais tarde.
Uma lágrima sútil foi gradualmente sendo expelida pela pupila de Simon, a qual acabou por cair contra o granizo da bancada daquele vazio bar.
Ao cair a gota... Um tiro foi dado... O alvo? O cérebro que um dia cansou de imaginar momentos impossíveis. Jurei que ele seria a minha fonte de todas as coisas boas... Eu tinha ciência de que podia aceitar, sabe?... Acho que o barman queria me colocar pra cima. Pobre coitado. O jazz que escutava, o Whiskey cortante, os contos e conversas discutidas... Um pai que eu nunca mais terei.
A vida é tão triste quando se está presa em um looping de coisas embaraçosas. É defeito ser tão imparcial com coisas consideradas "pequenas"?... Sabemos que ele era um homem problemático. Mas creio que até os com mais experiência estão aptos a verem novos truques, e sofrer novos sofrimentos... Pensa do mesmo jeito?
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O que as cartas me escondem
Horror(CONCLUÍDA) O Tarô sempre teve suas cartas, desde o tempo em que os reis ainda permaneciam entediados, por conta de seus largos castelos esconderem entretenimentos variados. Portanto, decidiram começar a jogar cartas, repletas de desenhos e signific...