Me vejo perdido dentro de uma escuridão melancólica. Sinto as beiradas das correntes enferrujarem, me cortando a cada dia que passa. Peguei doenças por conta das feridas infeccionadas. O ferro só piora a situação de cada machucado, tanto os dos pés quanto os das mãos.
Aquelas argolas de metal arranhavam cada parte do meu ser... Havia dias que a dor já não surtia o mesmo efeito. Queria poder enfrentar os que me colocaram neste calabouço maldito, do qual nem consigo enxergar um palmo à minha frente, mas força sempre foi um atributo que faltava dentro de mim. Eu nem sei como parei lá embaixo, pra falar a verdade. Lembro-me de ter sido enviada pra a cela depois de ficar mais um dia jogada dentro do meu quarto escuro... Acho que não fazia diferença voltar ou ficar naquele calabouço. Pelo menos tive uma fonte de motivação: Não querer morrer... Ou talvez eu sempre quis isso, se esta fosse a vontade de quem ousou me prender.
Lutar seria inútil, se julgássemos minha posição... O fundo do poço nunca foi um lugar tão reconfortante. Desde que me entendo por gente, eu sempre estive presa dentro dele. Quando estou no fundo é porque tenho medo de subir, e quando estou no topo é porque tenho medo de descer. Tudo que eu fiz foi a partir de ciclos de medos: medo de morrer, de trocar de lugar com o outro, das pessoas... enfim, medo de viver, basicamente. Fraqueza foi a principal culpada de tudo isso. Sem ela, eu teria feito coisas impossíveis para alguém com tantos defeitos. As correntes foram as únicas que me entenderam.
No início, devo dizer, foi bem turbulenta tal mudança de ares. O medo me corrompeu por dentro e não sabia o que fazer com tanta coisa acontecendo. Vi meu corpo ser jogado pra lá e para cá, ser chutado, socado, violado, entre diversas outras coisas, até que decidiram me jogar dentro de um buraco. Não senti nada de quem fez tais coisas comigo. Guardei todo o rancor, ódio, tristeza e choro apenas para o calabouço. Dentro dele, me esqueci de todos os ocorridos e resolvi aceitar a realidade dos fatos: uma pessoa, que ninguém nunca se importou, em um lugar especial para ela própria ficar.
Permaneci reclusa, conversando com as baratas e larvas que iam e vinham todos os dias na minha cela. Acredito que elas eram os seres que mais entenderam o meu posicionamento, ou, simplesmente, voltavam para me avisar do triste fim da minha vida. Algumas caminhavam por cima de meu corpo, mas eu não achava ruim... O contato faz falta quando se está sozinho. Cheguei a comer algumas delas, já que ninguém me entregava comida diretamente... Tive medo de ingerir aqueles bichos horrendos, mas percebi que não havia outra escolha.
Água? Bebia de uma fonte natural: qualquer líquido que era expelido dentro daquela clausura. Prefiro não comentar muito sobre esta parte... A única coisa que sei é que minha saúde ficou extremamente prejudicada, tanto que meus cabelos começaram a cair e as partes ósseas ficaram expostas. Era impossível enxergar um humano quando se olhava para mim. Virei algo mais megalomaníaco do que isto, algo como um rato de laboratório, super nojento e assustado.
Por que as coisas sempre foram assim? Eu odiava o jeito que me tratavam tanto o jeito, e eu preferia aceitar do que correr atrás... Eu fui a errada da história? Fui uma mera cobaia de um experimento social idiota? Me perguntava quando ia ser minha morte. Eu só queria ir embora... Até disso eu tinha medo.
Foi tão inconclusivo que chegou a ser irritante em certo ponto. Odiei voltar atrás quando tudo esteve perdido. Sempre é difícil ser forte num mundo onde todos querem te ver fraca... Eu virei um monstro, porra! E nem assim eles sequer perguntaram se eu estava bem! Tive, e ainda tenho, tanto medo de continuar. Não queria ser um fardo. Foi errado querer desistir? Foi errado ser fraca?... Tantas correntes prenderam-me durante a vida e muitas machucaram profundamente a alma desta que vos fala.
Mãe... Mãe... Ainda vejo elas em sonhos e pesadelos. Alguns terminam com abraços e beijos, outros só mostram morte e destruição. Ela era tão doce com as pessoas, mas causava inveja nas que não aceitavam seu afeto. Me espelhava naquela mulher... Bem, isso até o dia em que ela faleceu por complicações de um câncer.
Naquele mesmo dia, o medo dominou toda a beleza e bondade que existia dentro de mim. Decidi ficar isolada do mundo, reclusa dentro de um quarto minúsculo que nem tinha luz direito. Daí, veio o sequestro da inocência e, no momento em que fui vencida, percebi a vida virar de ponta cabeça.
Estou morta por dentro. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente. Um misto de sentimentos se embaralha no coração. O cair da última gota de suor foi um aviso. O orvalho de tantos dias atrás, foi esquecido por uma mera criança que perdeu o sentido de viver. Fiquei amarrada as correntes de ferro que perfuravam minha carne por um bom tempo... Um final? Talvez eu tive um no dia em que decidi desaparecer das outras pessoas, bem no canto mais escuro daquele calabouço fétido. As palavras sumiram e o espírito desistiu da carne... Cansei desse mundo.
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O que as cartas me escondem
Terror(CONCLUÍDA) O Tarô sempre teve suas cartas, desde o tempo em que os reis ainda permaneciam entediados, por conta de seus largos castelos esconderem entretenimentos variados. Portanto, decidiram começar a jogar cartas, repletas de desenhos e signific...