Era manhã, tarde, ou noite, não sei dizer... O horário? O relógio parou de girar há muito tempo. Estava quebrado, por causa de um soco que apliquei contra seus ponteiros... Odeio perder a hora. Sentado no chão, com a garrafa de álcool do lado, iluminado unicamente pela tela do meu celular, que estava prestes a acabar a bateria. Foi errado olhar a última foto que tiramos recentemente? O sorriso dela nunca foi tão iluminado... Era perfeito, como o restante de todo o corpo.
O sobretudo que usava, tinha lá seus cortes, de brigas e serviços que tive de realizar antes de encontrar aquele canto escuro. Minhas mãos sangravam, assim como o lado direito de meu rosto... A adrenalina já havia passado, e eu estava sentindo todas as minhas cicatrizes queimarem, como sempre queimaram.
A arma de um crime hediondo estava bem entre as pernas estiradas deste que vos fala. Ela era uma daquelas pequeninhas, mas não deixava de fazer um estrago. Uma 9mm... com 11 balas no pente, se eu não tivesse gastado duas poucas horas atrás de finalmente ter um momento de "paz". Agora é difícil saber se o sangue era meu ou de quem eu matei.
Dormir? Fazia dias que não deitava na cama. Tomar um banho? Só piorava a situação da queimação.... Rezar? É, seria uma boa opção.
-- Vai conseguir fazer isso, companheiro?
Pude ouvir o "complexo" balbuciar umas palavras ao fundo daquela escuridão.
--Sabe que eu não sei, complexo?
--Jurei que pude ver nós dois se entendendo. Uma pena ter passado por isso... Sabe que eu gostava dela, né?
--Não precisamos entrar nos detalhes. Sei muito bem as coisas que rolavam entre vocês dois.
--Hahahahahaha!
--Pode rir. Já não é problema meu cuidar da vida dos outros.
--Dá pra ver. Não se importa nem com a sua própria. Sai pra "trabalhar", depois volta do bar com a garrafa e vira a noite bebendo esta merda. Quer mesmo viver assim?
--Bem, é um bom jeito de lutar para se manter de pé.
--Usa isso como desculpa?
De um jeito irônico, o complexo decidiu lançar uma pergunta ácida.
-- HA! Desculpa?!
Quase cuspi a bebida de minha boca, depois de ouvir tantas insolências.
--Vai mesmo rir depois de ver sua situação, senhor bêbado?
--Acha que isso é tudo uma "desculpa"? Ponha-se no seu lugar! Estou me divertindo muito mais do que se vivesse como uma forma invisível, ou seja lá o que você for.
--Sou só uma forma invisível para você? Depois de tudo que fiz para ti?
--Melhor calar a boca.
Tomei um último gole daquele copo de vidro, limpei os lábios com a manga da minha blusa e apoiei o cotovelo sobre o joelho esquerdo.
--Ou o quê? Vai me matar, igual fez com suas vítimas?
--Esqueceu que você é invisível? Mesmo que eu queira, te matar seria impossível. Aliás eu não tenho farinha em casa.
--Não posso ser visto por meros olhos humanos e, mesmo se me enxergasse, seus olhos entrariam em combustão espontânea.
--Tu é tão feio assim, porra?
Soltei alguns risos descontraídos, enquanto enchia novamente o copo com gelo que foi deixado de lado naquele cenário escuro.
--Pode rir, senhor bêbado. O dia de sua morte está chegando, e não será nada bonito de se ver.
--Já que é assim, comece pelas entranhas. Causam uma dor extrema na vítima, mas não a mata direto. Perfeito para psicopatas.
--Vai ficar de ignorância? Nós dois somos psicopatas, caro bêbado. Embora meus atos sejam mais limpos, você, por outro lado, apela para tortura... Igual eu fiz com ela.
--Quer me ferir, né? Pode tentar... Não sinto mais nada vindo de você, complexo.
--Te ferir? O que eu ganharia com isso?
--Talvez a minha sanidade, que tal? Pra assim poder se alimentar.
--Seu gosto deve ser terrível.
--Quer um gostinho?
--Melhor deixar pra depois...
--É, "deixar pra depois", complexo... Sabe quantas balas cabem nessa 9mm?
--Você me disse uma vez... Seriam 11 balas?
--Acertou... Uma pena que sobraram somente 9 delas.
--Vai fazer aquilo, Ed?
--Ainda me chama pelo apelido que ela deu?
--Somente quando a situação fica séria.
--"Séria", é?
Em um rápido movimento, joguei o copo para longe, quebrando-o no processo, agarrei a 9mm, fiz um rolamento pra frente, derrubando a garrafa de bebida alcóolica e alguns cubos de gelo para longe, e, com a arma na mão, e o dedo no gatilho, apliquei dois disparos contra a escuridão.
Os tiros foram secos, mas tomaram o quarto com aquele estrondo fino e poderoso. A pólvora que saiu da arma iluminou pouca coisa do lugar, em si. Foi literalmente um tiro no escuro, mas não podia desperdiçar essa chance.
Houve nenhuma reação do complexo, e um silêncio ensurdecedor pairou pelo ambiente. Pude ouvir, unicamente, algumas risadas sarcásticas. Um arrepio passou pela espinha, como se agulhas estivessem sendo fincadas em cada osso da coluna vertebral. Os batimentos subiram num nível maior. O coração bombeava sangue numa velocidade exorbitante. A adrenalina correu como um velocista por todo o sistema nervoso, numa mistura de medo e foco. Um mundo parou por breves minutos... Até que... Senti um ataque direto vindo em minha direção... mas não fui capaz de esquivar a tempo.
Gastei alguns disparos a mais, 4 se não me engano, antes de ser empalado por aquela ponta afiada. Acertou bem no coração, fazendo-o parar em poucos segundos. O sangue foi pingando e escorrendo pela lâmina afiada até cair no piso do quarto... Naquele momento, eu tinha certeza de ser o meu próprio sangue... A sensação da vida saindo aos poucos de meu corpo. Foi tão gratificante depois de tanto sofrer.
--Sabia que este era o seu destino, não é, Ed?
--Eu...
Falar se tornou uma ação complicada de ser realizada... Usei o que restou das forças dentro de mim para dizer as últimas palavras, cuspindo os seguintes dizeres:
--Vai se foder...
Foi o que eu consegui dizer... Dali em diante, perdi os sentidos e só pude escutar algumas poucas falas do complexo.
--Lixo da humanidade. Tinha ciência de sua maldição e, ainda assim, tentou lutar contra mim... Patético... Jessica foi a primeira. Não adiantava nada você fazer alguma coisa. Foi bom enquanto durou... Eu acho. Uma pena ter que terminar assim. Por que continuar lutando? Não se pode vencer maldições hereditárias. Idiota. Humanos são desprezíveis quando não são comidos. Pelo menos ele encontrou sua amada.
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O que as cartas me escondem
Terror(CONCLUÍDA) O Tarô sempre teve suas cartas, desde o tempo em que os reis ainda permaneciam entediados, por conta de seus largos castelos esconderem entretenimentos variados. Portanto, decidiram começar a jogar cartas, repletas de desenhos e signific...