O que as cartas me escondem

A TORRE

Eram 13:59 do dia 12 de junho... Simples números nunca significaram nada na minha vida... Por que usá-los? Minha intuição gritou para mostrar tais números. Confio mais nela do que nas pessoas ao meu arredor. Sem dúvidas, ela foi a melhor parceira que tive durante estes anos tortuosos. Não conseguia parar de olhar o relógio, pendurado à frente da poltrona a qual eu me sentava. Aproveitei para acender um cigarro, a fim de passar o tempo e tentar relaxar um pouco.

A quente fumaça sempre me ajudou a esquecer dos problemas alheios. Sugar e soprar nunca foi tão prazeroso. As cinzas se acumulavam no cinzeiro e eu continuava a fumar... Quando um cigarro acabava, outro era acesso no mesmo instante. Um ciclo de desespero para meus pulmões, mas de prazer para meus sentidos.  E pensar que o tabaco já foi usado como remédio... Se tivesse vivido em tal época, o grande Vincent aqui seria praticamente imortal.

Poderia até ter colocado uma música para tocar, naquela vitrola mais velha que a minha bisavó, mas só tenho discos velhos e eu não gosto de velharias, muito menos dos discos que consegui por aí. Gosta de jazz? Nem eu... Traz lembranças do meu pai... Ah, que se dane! Não quero lembrar desses merdas!

Fui expulso de casa há muito tempo atrás. Sabe por qual motivo?  Por ser considerado "arrogante" demais. Desde então eu passo os dias dentro de um ônibus velho, abandonado e bagunçado. Não me importo com a minha condição... nunca precisei de muito para viver. Odeio aqueles que me dispensaram. O que eu posso fazer? Minhas teorias sempre fizeram sentido. O sistema é corrupto e as pessoas ajudam a corrompê-lo, de dentro para fora. 

Deus é só uma ideia idiota para pessoas buscarem desculpas para os problemas e para as soluções. Pessoas são mais falsas do que demônios, além de gostarem de impor as próprias regras goela abaixo daqueles considerados "inimigos". O amor é uma farsa e um fardo, do qual o casal tenta esquecer ao se "tocarem"... É a triste realidade...  Até minhas filhas sumiram de mim... Foda-se! Sempre aprendi a proteger meus ideias a todo custo.  Quem se importa com o resto?

-- É, quem se importa com o resto?

Uma voz feminina ecoou por todo o ônibus abandonado.

--Quer dar palpites agora?

Perguntei à voz angelical, que vinha do fundo do veículo.

-- Posso ao menos comentar sobre a sua intimidade, amor?

-- Não me chame assim!

-- Ficou bravo? Nunca disse que precisava ficar junto de ti... Você aceitou a minha proposta e eu fui convidada a entrar.

-- Se quiser voltar aos bordéis, é só me pedir.

Fiquei mais calmo, começando a pensar antes de simplesmente jogar as palavras ao vento.

-- Bordel? Volto se ele ainda existir.

-- Você sendo pessimista? Que novidade!

O puro sarcasmo saiu da minha boca.

-- Como ser otimista? Olha onde nós estamos! 

-- Pelo menos temos cigarros. Quer um fumo?

-- Óbvio que não, fumante do caralho.

-- Pra que tanta agressividade? Só estou revidando o "amor" que disse antes.

-- Tanto faz.

-- Vai ficar no escuro de novo?

--Cheguei a sair dele alguma vez?

-- Não que eu me lembre.

-- Nem finge que se importa.

-- O meu bem estar é mais importante... Como você mesma disse: " Fui convidada a entrar".

-- Por que eu aceitei transar contigo?

-- Nós nem transamos... Só te convidei para ter uma companhia nos momentos tediosos.

-- Me vê como uma boneca sexual?

-- Queria ter esse privilégio... Pena que não é real.

-- Posso ser, se quiser imaginar as cenas e sentir o tesão. Sou melhor do que sua antiga esposa... e até melhor que suas filhas.

Ela falava de um jeito tão sensual. Sensual o suficiente para me irritar profundamente... De uma voz angelical, fomos para uma súcubo prostituta p suficiente para me fazer bocejar de tédio.

-- Some logo da minha mente, piranha.

-- Deixa eu possuir seu corpo, amor.

-- Sai daqui.

-- Posso fazer você delirar, querido. Não gosta de como eu passo meus seios em sua pele? Sentir a carne penetrando? O calor de nossos...

--SOME!!

Esmurrei os braços da poltrona com tamanha força, que o cinzeiro caiu direto no piso de carpete do ônibus.

--... VAI SE FODER!!EU AINDA VOU TER SEU CORPO SÓ PRA MIM, SEU DESGRAÇADO!!

De voz angelical, para sensual... e, naquele momento, o próprio demônio gritou contra mim.

O timbre ensurdecedor e satânico foi gradualmente sumindo de minha mente, ao ponto de não conseguir mais escutá-lo, ou senti-lo. O mais engraçado disso tudo é o fato daquela vaca ter realmente razão em suas palavras. 

Ela é bem boa quando está fazendo o "trabalho" que peço. Mas existe dia e hora para tal ato. Aquele dia não foi um desses dias. Toda hora a súcubo aparece para me atazanar e me atiçar, sempre com esses papinhos de sexo e desejos carnais.

 Não vou negar, ela é uma divindade viva, quando não está no escuro. Hipócrita eu não serei, jamais! Meu ideal é falar o que penso... Se não gostou, foda-se! Não preciso dar satisfação da minha vida pra ninguém! Já vivi a favor dos outros o suficiente! Em vista disso, decidi viver esta vida maravilhosa! Como o que eu quiser, transo a hora que quiser, fico bêbado quando bem entender, bato até esse ônibus num poste e acabo a minha vida de um jeito bem rápido, se esse for meu desejo... A liberdade que sempre sonhei!