O LOUCO

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Uma gota de sangue num rio de precipitações.  Existem os fracos e os egocêntricos... e existem aqueles que possuem vontade de viver.  A diferença é muito básica entre todas essas pessoas: O sentimento.

—Sentimento? O que isso significa, senhorita?
Aquela voz duplicada, quase demoníaca, ecoou pelos meus canais auditivos, como uma brisa fria, mas serena o suficiente para me irritar.

—É uma sensação que deixei para trás, senhor.
Respondi, da forma mais clara e séria possível.

—Sabe onde estamos? Estamos no vazio dimensional.

—Aqui é um bom lugar. Ninguém pode te irritar, no final das contas.

—Gosta de ficar escondida, né? É um jeito nobre de fugir da realidade.

—O fato de você tentar focar na ferida não muda absolutamente nada.
O senhor levou a mão esquerda ao bolso, puxou uma caixa de cigarros, tirou um bem amassado, ajeitou aquele veneno, a fim de deixá-lo mais arrumadinho, levou o tabaco enrolado à boca, acendeu e começou a tragar a fumaça para dentro e jogá-la para fora, fugindo de todo aquele estresse.

—Me chamou já faz uns 40 minutos e ainda não disse o que quer. Vai desembuchar de uma vez?
Após liberar uma grande quantidade de fumaça cinzenta, o elegante senhor direcionou um ultimato à minha pessoa.

—Seu cigarro fede demais! Preferiria que não fumasse dentro do nosso vazio!
Falei, enquanto abanava toda aquela nuvem escura e mal cheirosa para longe de minhas narinas.

—Nosso vazio?! Senhorita, eu sou o dono dessa porra toda! Não existe "nosso" nesse lugar... Aqui é o seu fracasso pessoal.

—Como sabe sobre os meus fracassos?

—Chutei... Depois de tantos anos preso no vazio, é fácil saber a vida das pessoas. Preciso apenas de um olhar assustado.

—Quem disse que estou espantada?

—Tudo bem.. Me diga o que sente, então.

—Espera... Eu não entendi.
Vi ele se levantar, em silêncio, puxar um último trago do cigarro, jogar a bituca longe, ajeitar a gravata do terno, esconder as mãos nos bolsos, espreguiçar o corpo num alongamento diferenciado e me olhar profundamente com àquela pálida máscara de coruja... Até que resolveu abrir a boca para explicar sua fala anterior:

—Irei jogar o seu joguinho, senhorita. Fale sobre sua vida passada.

—Será que ainda existem sentimentos dentro de mim?

—Quer mesmo que eu te responda?

—A verdade sempre doeu mais nos outros do que em mim... Joga a merda no ventilador.

—Muito bem... Deixa eu só pegar a minha lista aqui...
O senhor do vazio retirou uma carteira de couro do bolso de trás de sua calça social, passou o dedo por todos aquele papéis e encontrou a tal a lista das pessoas que forma malcriadas durante o ano, digamos assim.

—Aqui está!
Ele desdobrou o papel amarelado, coçou a garganta e começou a descrever os itens da lista:

—É um número considerável de erros, mas citarei os três mais importantes.

—Só fala tudo de uma vez.
Decidi me apoiar no braço daquele sofá velho, não muito interessada no que seria dito por aquele mascarado.

—O primeiro deles foi ter abandonado seu marido por, aparentemente, "ter se cansado do relacionamento". O que tem a dizer, senhorita?
Ele gesticulava e caminhava para lá e para cá com aquele papelzinho idiota, como se estivesse atuando para um teatro cheio...

O que as cartas me escondemOnde histórias criam vida. Descubra agora