Capítulo 12 - Wesley

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                                |Wesley|

    Sinto como se não tivesse dormido nada.
   Toda vez que estou adormecendo, parece que estou caindo de um penhasco em direção ao vazio. O meu vazio.
   Quando a Sara estava aqui, toda noite ela acordava assustada e muitas vezes gritando, era assombrada por pesadelos da vida dela, os demônios que ela foi obrigada a encarar de um dia para o outro. E eu também era consumido por isso. Mas diferente dela, eu não gritava e nem me debatia, conseguia controlar a forma que eu acordava, por ela. Pra não demonstrar fraqueza, ou fazer com que ela perdesse as esperanças. Um de nós dois tinha que ser a âncora do outro, e ela já foi a minha por muito tempo.
   Por noite, tenho muitos motivos pra insônia, e nos últimos dias só tem aumentado pela Sara, que sempre me dói no peito pensar no perigo que ela pode estar correndo. Mas o dessa noite não é ela, é um rosto jovem e um sorriso educado, uma voz que eu conheço bem, que me perguntou inocências durante dois anos e uma vida perdida pela frente. Milena vem nos meus sonhos, ironicamente ela é filha do Morfeu, e me encara com medo e decepção, sua cabeça tende para o lado e o pescoço dobrado de uma forma estranha, mas seu olhar assusta mais. Me condena.
   Ela morreu para que eu pudesse vim com a Sara, que minutos depois me acusou de não fazer valer a pena a morte dela. Eu sinto a culpa disso mais do que posso dizer ou pensar, apenas sentir. Eu deveria ter recusado, ter acreditado que Sara se daria bem vindo só, pois a vida da Milena valia bem mais. Ela me ajudou a vigiar a Sara enquanto eu ficava trabalhando, apagou as memórias dos colegas de sala para proteger o ataque da Sara, enquanto eu ajudava ela a descobrir mais sobre a sua origem mitológica. Ela sempre dizia que o pai dela a fez especial, e eu dizia que ela era especial em muitos sentidos, e que os poderes eram apenas um detalhe.
   E ela morreu na minha frente.
   Acordo com falta de ar, com a cabeça ativa e pesada ao mesmo tempo. Sinto meu corpo pesado, mas não sinto sono. Tento respirar fundo enquanto meu coração vai se acalmando aos poucos e minha visão se acostuma com a claridade que entra pela janela. Não é forte, apenas um fino feixe de luz entra de forma etérea no quarto, só pra avisar que está de dia, e não para iluminar. A cama em que estou já era grande quando a Sara dormia comigo, e agora sem ela, parece que fico a deriva em um oceano de lençóis e travesseiros. Me sento e forço minha mente e começar a trabalhar, hoje o dia vai ser importante e tenho que me planejar, como gosto de fazer.
   Depois que descobri que Nix modificou a maldição e que preciso da Deusa Hécate para me ajudar a saber o que ela fez, ou até como reverter, Raven me mandou dormir, alegando que eu não estava em condições de fazer nada. Eu estava frustrado demais pra isso, mas não resisti, o corvo estava certo no final. Ele falou que iria providenciar nosso próximo passo, o encontro com a Hécate. Não sei como ele vai fazer isso, mas disse que iria convencer ela a se encontrar comigo. E eu não sei se fico nervoso, com medo ou animado.
   Nervoso porquê tenho que convencer ela a me ajudar, e não posso vacilar em nenhuma palavra, mesmo que eu ainda não saiba o que dizer. Com medo pois estarei frente a frente com a deusa mais poderosa em questão de conhecimento de magia e qualquer palavra errada pode fazer ela me transformar em pó. E animado, pois querendo ou não, a ideia de conhecer deuses ainda me fascina, e Hécate é uma das mais incríveis que já li sobre.
   Sem enrolação, faço minha rotina matinal, sem um pingo de vontade, apenas atraído por qualquer força que não a minha. Levanto e me espreguiço, pego uma toalha do guarda roupa e vou ao banheiro, faço minhas necessidades, banho e escovo os dentes, então visto uma roupa casual. Uma calça marrom e um sapato social de couro, com uma camiseta botões azul escura que eu dobro na manga. Penteio meu cabelo e vejo no espelho que minha expressão facial parece a de alguém que foi espancado a noite toda. Estou ficando velho, mas o cansaço que domina meu rosto me envelhece bem mais.
   Ajeito a cama, pra ninguém em especial, apenas pra mim e minha mania, e saio do quarto. Raven e eu marcamos de nos encontrar no salão de café da manhã. O lugar que me trás lembranças do primeiro dia, quando Nêmesis nos atacou, sendo mais preciso, atacou a porta e ele. Me dirijo pra lá rapidamente, já estou habituado aos caminhos do palácio, ao menos essa ala eu conheço, a do outro lado ainda é um borrão na minha cabeça, pois não ando muito por lá, com medo de que Nix apareça.
   Andar por esses corredores sozinho é estranho, me sinto no labirinto do Minotauro, onde a criatura que me persegue é a preocupação com a Sara. Quando chego no salão, encontro a mesma mesa receptiva de sempre, cheia de guloseimas e comidas que enchem os olhos de vontade. Mesmo sem fome, é impossível resistir ao banquete e as ofertas de todos os tipos de quitutes. Me sento no mesmo lugar de sempre, a ponta da mesa e como devagar, apesar da fome, ainda sinto um vazio no estômago. É quando percebo que estou balançando a perna rápido demais, a ansiedade dominando meu corpo.
   É então que o Raven abre a porta e atravessa o grande arco. Ele está usando a mesma veste de sempre, me pergunto se ele tem outras roupas, ou essa não sai de seu corpo, fazendo parte da magia de transmutação da Nix. Seu olhar é direto e arregalado, não de medo ou surpresa, apenas porque ele tem olhos bem redondos. Ele caminha com as mãos atrás do corpo e parece ficar nervoso quando alguém o vê caminhando, mas vem até mim sem hesitar. Sua expressão é neutra, a boca fechada em uma linha e puxada pra trás.
   — Bom dia, Sr. Sintuell – ele diz assentindo levemente com a cabeça, com a voz calma de sempre. – descansou bem?
   — Bom dia, Raven – respondo tentando forçar um sorriso de boca fechada. – na medida do possível. Senta um pouco comigo – faço o mesmo convite de todas as manhãs, já que a Sara saia cedo para ir ao acampamento e apenas ele e eu ficávamos aqui. Mas como de costume, ele não aceita. Pra ser sincero, não lembro de já o ter visto comendo algo.
   Ele fica me encarando enquanto coloco uma pedaço de bolo na boca, e mesmo estando delicioso, não consigo gostar, e sei que ele me olha para ter certeza que estou comendo algo. Não sei a idade do Raven e não quero fazer perguntas inoportunas, mas mesmo com a aparência mais jovem, ele tenta me tratar como um pai faz com um filho.
   — Novidades? – pergunto tentando conter a ansiedade na voz, não quero parecer desesperado. Ontem eu surtei com ele e não quero agir assim novamente.
   Raven espera alguns segundos para responder.
   — Sim – diz por fim, um pouco animado, mas tenso. – convenci a Deusa Hécate a vim para o palácio, porém... – nesse momento minha expressão muda prevendo alguma coisa absurda. – ela acha que irá conversar com Lady Nix.
   Abaixo o olhar enquanto um calafrio preenche meu coração por um segundo.
   — E ela não vai ficar nem um pouco feliz de saber que a conversa será comigo – concluo.
   Raven assente levemente. Minha cabeça começa a encher de pensamentos, dúvidas e lembranças, tenho que organizar as minhas palavras, o que vou dizer, e como vou convencer ela a me ajudar. O corvo sente minha tensão e meu olhar nervoso.
   — Já sabe o que vai falar? – ele pergunta. Minha hesitação é minha resposta. – tenho uma coisa que talvez possa ajudar, mas teremos que usar como cartada final.
   — O que é? – pergunto curioso.
   Raven olha para a porta e em seguida para a janela atrás de mim, grande e em um arco fino.
   — Vamos indo para o salão de encontros, eu conto no caminho – ele diz. – ela chegará em menos de uma hora.

Nix - A queda dos deuses Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora