Capítulo 2

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   Meu nome é Sara Sintuell.
   Sou filha da deusa primordial Nix, com um humano chamado Wesley. Meu pai, que eu deixei para trás. A deusa Ártemis me mandou em uma missão afim de salvar os deuses e humanos da fúria de minha mãe. Ainda não sei onde estou e nem o que estou fazendo, só sei que meu destino é cheio de curvas e caminhos. Penso nisso até que garras negras arranham minha visão.
   Toda vez que fecho os olhos, mesmo por alguns instantes, algo me impede de dormir. Apesar do cansaço, não consigo parar pra dormir, não consigo parar de dizer para mim mesma que não estou segura. Tento me manter alerta, mas a cada instante me sinto mais puxada para baixo. Meu corpo inteiro dói, suor escorre pela minha testa, minha boca está machucada de tanto eu morder, tentando me manter ativa. Arranquei uma faixa da minha blusa e coloquei na cabeça, tentando estancar o sangramento, mas a faixa já está toda manchada.
   Logo terei que parar, olhar o que tem na bolsa que a Ártemis deu e ver se tem algo para me ajudar. A paisagem ao meu redor continua a mesma, apesar de horas que estamos cavalgando, mas estamos indo mais devagar, mantendo um ritmo constante suave, o cavalo também está cansando. Mordo os lábios mais uma vez, sinto o gosto da sangue na boca, e me dou um tapa. Temo que assim que eu parar pra pensar, irei me afogar em minhas responsabilidades, medos e perigos que estou correndo. Onde eu me meti?
   Olho para o céu e um calafrio passa por mim ao ver como está, coberto de nuvens negras densas, sem raios ou relâmpagos, sem mesmo os ventos furiosos, mas ao invés disso uma ventania carrega uma neblina cinza, limitando um pouco a visão. O ar parece pesado, sinto uma energia estranha, algo que já senti antes, que me incomoda, parece me deixar um pouco agoniada por dentro. Não sei o que é, mas sei que não é nada bom.
   Ao meu redor, a floresta ainda se estende no lado direito e seguimos o rio no lado esquerdo, com a continuação da floresta na outra margem. Está escuro, não consigo ver muita coisa, mas parece que o cavalo sim, porque ele continua cavalgando sem dificuldade. Algumas montanhas se estendem ao longe, e pequenos relevos contornam em algumas áreas floresta adentro. Um pensamento corre pela minha cabeça, está de noite, minha mãe está me observando? O ataque contra o olimpo foi bem sucedido?
   É estranho pensar que a noite no céu não é mais um dos poderes de minha mãe, é o contrário, Nix é a própria personificação noturna, é uma extensão dela, o que a torna algo além da compreensão.
   Fecho os olhos com força e tento desviar esses pensamentos, estou cansada demais para gastar meus últimos neurônios assim. Minha coluna começa a doer, minhas pernas também, então decido que já é hora de parar, não é só eu quem está cansado.
   — Podemos parar amigo – digo baixo e colocando a mão na crina dele.
   O cavalo diminui os passos, até parar. Ele balança a cabeça e relincha, levo isso como um agradecimento. Paramos na margem do rio, assim que desço do cavalo preciso me equilibrar nele por um tempo, sinto minhas pernas bambas e dormentes. Caminho até o rio em poucos passos e caio de joelhos na lama. O cavalo fica ao meu lado bebendo água, enquanto eu coloco a mão em concha no rio e encho de água, jogando no rosto e lavando-o. Limpo algumas manchas de sangue em partes visíveis do meu corpo.
   Penso em tomar um banho, mas está escuro demais e estou muito fraca, temo ser pega por alguma correnteza. Ergo a mão e a levo até o machucado na minha cabeça, o sangramento parou, mas ainda está doendo muito e me tremo ao tocar na ferida. Respiro fundo por um instante e expiro, esperando a calma e pensar no que fazer. Estou com fome, sede e sono, o cavalo deve estar do mesmo jeito. Já que ele me ajudou e vou passar bastante tempo com ele, decido dar um nome para ele e parar de chamar apenas de cavalo.
   — E aí, amigo – digo erguendo a mão e ele relincha se aproximando. – não sei que nome a Ártemis te deu, mas tenho que te chamar por algum nome, o que você sugere?
   Ele ergue a cabeça e bate um dos cascos dianteiros.
   — Você foi valente, sabia? – olho para ele por um instante e tento abrir um sorriso. – vou te chamar de Órion, o nome do amado perdido de sua dona.
   Órion lambe a minha mão, acho que gostando do nome. Ele se abaixa e fica deitado, e vira o rosto para atrás de si, no lado em que está a bolsa. Me levanto devagar, e o uso como apoio.
   — Ok, vamos ver o que tem para nós – tiro a bolsa do cinto que o prendia com um pouco de dificuldade.
   Ele é de couro e tem um símbolo desenhado na frente, em um medalhão que o mantém fechado. Um arco com uma flecha apontada e as quatros estações da lua em volta, da nova à minguante. O símbolo das caçadoras, tem algo escrito embaixo, mas está em grego e não consigo ler. Assim que toco o símbolo, ele brilha por um instante, algo leve, como feixes da luz do luar. A bolsa é leve, o que me faz estranhar se tem algo dentro, mas lembro que a Ártemis disse que ele é mágico e possui muito mais do aparenta.
   Seguro o medalhão e levanto, revelando um zíper, que eu abro. Olhando para dentro da bolsa não consigo ver nada, nenhum fundo e nem nada dentro. Antes de me estressar sigo o conselho da Ártemis e coloco a mão dentro. Sinto como se estivesse mexendo em uma pilha de objetos, sinto algo macio, duro, uma superfície lisa e fria como vidro ou metal, alguma coisa redonda passa pelos meus dedos. Não sei bem o que procurar e puxo o primeiro objeto que consigo segurar, um objeto cilindro, frio e duro.
   Mas assim que tiro minha mão da bolsa, o tudo o que estou segurando é o ar. Franzo as sobrancelhas confusa, como o objeto pode ter sumido assim? Coloco a mão de novo e seguro o primeiro objeto que sinto, algo macio, como um pano e puxo, mas novamente tudo o que sai é a minha mão segurando o nada. Bufo frustrada e repito o mesmo movimento algumas vezes até ficar com raiva, mas estou cansada demais para me irritar, a fadiga já toma conta de mim.
   Minha respiração começa a ficar rasa e meu peito parece se fechar, lágrimas enchem meus olhos e Órion encara minha cara de sofrida. Está ficando frio também, e começo a me tremer, todas as necessidades estão me derrubando aos poucos. Coloco a mão mais uma vez.
   — Eu só – digo já começando a chorar com a voz baixa. – eu só queria uma lanterna, um isqueiro, alguma... – de repente sinto algo dentro da palma da minha mão, um objeto grande, duro e cilindro.
   Mas o estranho é a forma como apareceu, como se tivesse se materializado, em mais uma tentativa puxo a mão e dessa vez saio segurando uma lanterna preta com detalhes amarelos. O sorriso que brota no meu rosto faz cessar as lágrimas, pareço uma criança segurando um presente de natal. Sem pensar, deixo a bolsa cair e ligo a lanterna, o feixe de luz acende bem no rosto do Órion, o que o faz virar a cabeça.
   Olho ao redor apontando a lanterna para todos os cantos, para a floresta escura, onde a luz entra com dificuldade e não avança muito, para o rio aparentemente calmo, onde a luz amarela banha o rio e oscila em ondas suaves. Mas assim como na floresta não avança muito, a neblina ainda circula até onde posso ver. Me abaixo e sento no chão, coloco a lanterna um pouco longe e apontando para mim. Me sinto bem melhor podendo enxergar à minha volta.
   Agora sei como a bolsa funciona, ela deve conter objetos que a Ártemis botou, porém só se materializam para fora quando selecionadas. Não sei o porquê disso, acho que para evitar roubo ou pegar algo desnecessário. Coloco a mão na bolsa novamente, mais confiante e animada.
   — Um celular – mas nada acontece, nada aparece na minha mão, não sinto nada. Puxo a mão e ela permanece vazia. Bufo frustrada. – óbvio que ela não colocaria isso – resmungo. Coloco a mão de novo. – Bússola.
   De repente sinto algo redondo, quando puxo estou segurando uma bússola. Ela é pequena, cabe na palma da não, analiso ela até perceber que não sei usar uma bússola. A única coisa que lembro é que ela aponta para o norte, aliás acho que é assim que se usa ela. O que mais pode ter aqui dentro? Tento várias coisas, peço um computador, nada acontece; um sinalizador, nada novamente; Um isqueiro, e finalmente consigo algo.
   Corro pela entrada da floresta com a lanterna, recolho alguns galhos secos, evito as do chão que estão úmidas e tiro as das árvores e que estão presas em arbusto. Apesar do cansaço, me animei com isso, já não estou tão na beira da morte como achei. Volto para onde estava e formo uma pequena pirâmide com os gravetos, coloco o resto da madeira em volta.
   No acampamento elas ensinam a fazer esse tipo de coisa, é uma das primeiras atividades. Então coloco folhas secas dentro da pirâmide de galhos, pego o fósforo e acendo, seguro até algumas das folhas pegarem fogo, ele começa fraco e oscilante, mas logo se espalha. Ao passo em vou colocando mais folha por cima e assopro devagar para o fogo aumentar. Em pouco tempo as chamas crepitam suave e eu ergo as mãos, sentindo o calor aconchegante, me sinto mais viva.
   Pego a bolsa e tento pedir mais coisas.
   — Blusa – digo. Ao passo em que tiro a mão com uma blusa de mangas curtas azul. Ela é de algodão e não possui detalhes.
   Visto ela e tiro a minha já rasgada, rasgando-a em fiapos e jogando na pequena fogueira. Deixo apenas uma tira de pano para fazer outra atadura. Tiro a antiga com cuidado e coloco a nova, apertando um pouco mais forte, mesmo sabendo que o sangramento já parou. Órion está comendo perto de mim, o capim da vegetação, e ver isso faz meu estômago roncar. Não sei que tipo de comida Ártemis colocou na bolsa pra mim.
   — Pizza – tento uma abordagem abusada e como esperado, nada acontece. – arroz? Feijão? Carne? – mas continuo com a mão vazia. Se bem que seria estranho carregar isso em uma bolsa, e a deusa não colocaria em uma Tupperware.
   Só então me dou conta da comida, o que tinha em abundância no acampamento.
   — Maçã – e então sinto a fruta redonda na minha mão, puxo ela ansiosa e antes de perceber estou dando uma mordida na fruta. Reviro os olhos sentindo o gosto doce da fruta. Viro para Órion e chamo por ele. – Segura aí – jogo a maçã ele pega ela no ar com a boca.
   Decido pedir outras frutas; banana, pera, goiaba, caju. E incrivelmente todas se encontram na bolsa, como as frutas com tanta ferocidade que pareço um leão com uma presa. Jogo algumas para Órion que come na mesma rapidez, ele parece estar melhorando a disposição. Mas penso que não é melhor abusar, não sei se o estoque é ilimitado e prefiro não descobrir quando tiver passando fome novamente. Não era a refeição que eu esperava, mas é a que eu precisava e me sinto um pouco melhor.
   Minha animação oscila quando penso no que pode não ter na bolsa, nos objetos que possui e eu não sei o nome, algum artefato mágico. Porque a Ártemis não pôde simplesmente deixar com que eu tirasse normalmente? Ou deixar uma lista? Seria tão mais fácil. Decido então deixar a exploração para amanhã, estou tão cansada que sinto meu corpo me puxando para baixo.
   — Cantil – e então respiro aliviada ao sentir o objeto na minha mão. Reconheço o toque, parece o objeto que segurei na primeira vez, mas dessa vez ele sai.
   Ele tem cerca de quinhentos ml e é de metal, provavelmente térmico. Meu sorriso se abre ao sentir que ele está cheio e quando me dou conta já estou virando o na minha boca. A água parece o néctar dos deuses pra mim, desce pela minha garganta e parece me dar vida a cada segundo. Estou quase terminando quando percebo não posso acabar com a água agora, não tenho nenhuma fonte agora e não vou arriscar beber do rio. Helena uma vez disse que ele é abençoado pela deusa Ártemis, mas isso deve ser apenas no acampamento, porque mesmo escuro, consigo ver a diferença nele.
   Órion parece estar satisfeito, ele se aconchega perto de mim e da fogueira, se deitando de uma forma que quase me faz pensar que está morto. Me sinto melhor, mas ainda cansada, alguns músculos doem e o machucado na minha cabeça pulsa devagar, mas incomodando. Pego a bolsa e penso no que pedir.
   — Colchonete – e antes de achar que estou pedindo demais, sinto o objeto na minha mão. Parece um pedaço de pano enrolado, formando uma bola.
   Assim que tiro vejo um colchonete enrolado com uma liga. Tiro a amarra e abro, ele é verde e fino, é menor do que eu, de forma que meu pé fica de fora, mas ainda é mais confortável do que o chão. E então de barriga cheia, sem sede e na medida do possível confortável, me permito relaxar. Me permito pensar e deixo com que meus sentimentos me afoguem.
   A primeira pessoa a qual meus pensamentos voam é meu pai. Abandonei ele, deixei para trás a pessoa que mais importa no mundo. Tento imaginar como ele está, o que está fazendo, como está se sentindo. Será se ele atravessou o portal sem mim? Dificilmente ele faria ele, mas e se ele tiver feito isso? Ele não sabe onde estou, ou o que está acontecendo. Ele não sabe pra onde Ártemis me mandou e porque não voltei para ele.
   Meu pai é adulto, ele pode se virar, mas não contra o que ronda ele. Ele pode estar seguro no palácio, mas até quando? E se a Nix se voltar contra ele? E se os outros deuses como a Nêmesis fizerem algo com ele? São tantos medos, tantos pensamentos nervosos que me deixam tonta. O cansaço que sentia parece ser consumida pela minha ansiedade e meus pensamentos. Pareço arrancada de mim mesma e a alma se contorce.
   Estávamos tão perto, íamos fugir e depois disso não sei, nem pra onde iríamos e nem o que iria acontecer. Admito que no fundo da minha mente, uma voz tenta me dizer que não iríamos longe, que talvez Hemera não iria fazer o portal, e se fizesse seria uma armadilha. Sei que para todos os caminhos e possibilidades que tentássemos olhar, acabaríamos na beira de algum precipício. É como o labirinto do Minotauro, a cada curva um perigo, enquanto tentamos fugir da criatura, poderíamos estar caminhando até ele.
   O rosto do meu pai preenche minha mente e quanto mais tento dormir, mais as memórias dos acontecimentos mais recentes me atacam. Parece que minha mente estava apenas esperando para que eu descansasse para poder libertar meus piores pensamentos, os monstros antigos e os novos da minha cabeça ameaçam me matar. Lembro do acampamento sendo atacado, dos corpos mutilados e da gritaria, das explosões, dos rostos assustados e dos berros dos monstros.
   Sei que não vi muito da guerra, consegui fugir no começo, mas o que vi foi um das piores cenas da minha vida. Nada comparado às cenas de filme, nada comparado a qualquer coisa que se possa imaginar. Tento amenizar a lembrança, focando na coragem das caçadoras e nas habilidades heroicas delas, mas não consigo. Eu conhecia muitas delas, falava com a maioria e as vi morrer, não sei quem sobreviveu ou quem ainda está resistindo. A guerra pode estar acontecendo agora, elas ainda lutando – e morrendo.
   Como Tânia, que morreu me protegendo, cumpriu a ordem de Ártemis com bravura e honra, e até em seu último suspiro foi uma guerreira. E Helena, que eu não sei se está viva ou morte, mas que foi corajosa o bastante para atrair uma horda de monstros para si afim de tirar a atenção de mim. Me lembro dela com clareza, no tempo do acampamento, das risadas, dela me ajudando e sendo paciente. Do sorriso belo e sincero herdado da mãe, a deusa Momo. Imaginar que ela fez o que fez sem hesitar, se sacrificando para me ajudar me deixa tensa.
   As frutas começam a revirar no meu estômago, me sinto enjoada e com a barriga pesada. Eu tento controlar, mas rapidamente me levanto e corro até uma moita próxima e despejo tudo que estava no meu estômago. Vomito tudo o que eu tinha e o que não tinha, a bile passa pela minha garganta ardendo, minha barriga retrai e eu começo a suar, enquanto meu corpo tenta liberar mais. Me encosto em uma árvore, ainda mais cansado e ofegante, até meu peito dói. Cuspo algumas vezes, tentando tirar o gosto da boca. Meu estômago agora dói um pouco com a força necessária para vomitar.
   Volto para o meu colchonete caminhando devagar e me sento, ainda indisposta para deitar. Pego o cantil na bolsa e bebo o resto de água, afim de colocar no corpo o líquido que saiu. Agora tenho que me preocupar em achar uma fonte de água o mais rápido possível, mas agora não tenho condições, é mais uma preocupação para amanhã. Mas um dos meus afazeres, esse essencial para a minha sobrevivência. Preciso achar uma civilização, preciso saber para onde estou e indo o que fazer para cumprir a missão de Ártemis.
   A missão de Ártemis.
   Por algum motivo havia me esquecido do principal. Ela falou de um pergaminho que contém todas as escrituras dela sobre as asas de íris e sua localização. Coloco a mão na bolsa e digo “pergaminho”, então sinto o papel na minha mão, enrolado. Tiro da bolsa um pouco animada, achando que vou ver algo que possa me ajudar, me localizar e orientar. Ele está enrolado com duas madeiras, preso por uma liga vermelha. Tiro a liga com cuidado e abro o pergaminho, pegando nas duas madeiras e desenrolando.
   Ele é amarelado e fino, parece ser feito com pele de algum animal, com as bordas manchadas e cortadas. Com o coração apertado de ansiedade, fico animada ao ler o que está escrito mas me surpreendo. Contém centenas de anotações, parágrafos grandes, trechos marcados de vermelho e rascunhos. Mas essa não é a dificuldade, eu conseguiria ler normalmente se não estivesse em grego. De tudo o que meu pai me ensinou, a língua grega não foi uma delas. E nunca tive curiosidade de aprender, me arrependo disso agora.
   Olho o pergaminho todo, em busca de algo na minha língua, mas não tem nada. Cada anotação está em grego, cada detalhe perdido em uma língua que não entendo. Sou consumida por uma avalanche de sentimentos; raiva, tristeza, frustração, mas não consigo deixar nenhum me dominar, estou cansada demais para isso. Encaro o pergaminho tentando buscar sentidos nessas letras desconhecidas, nesse monte de baboseira que não tenho nem noção do que é.
   Como a Ártemis pode fazer isso comigo? Derrubando tudo o que eu pensava de legal nela, agora só sinto ódio. Ela foi estúpida em me mandar nessa missão, estúpida em me dar algo em grego, estúpida em confiar em mim. Estou quase pensando em amassar o pergaminho de raiva, ou jogar no rio quando percebo que ele ainda é útil, é o melhor que tenho, só preciso arrumar um meio de traduzir. Preciso controlar minha raiva antes de fazer besteira.
   Me deito no colchonete com o pergaminho no lado, cansada de lamentar e de correr em círculos. Preciso descansar e pensar no próximo passo, ver o que posso fazer. Órion perto de mim já está dormindo. Pego a lança e fico com ele colado ao corpo, com a mão segurando ele, pronta para qualquer coisa. Pego a lanterna e fico segurando o pergaminho contra ela, esperando encontrar algo, alguma coisa escondida nas entrelinhas, mas não tem.
   O calor da fogueira, o frio da noite, o céu escuro, meu corpo cansado e minha mente me puxam para um sono profundo. Minha pálpebras pesam a cada instante e meu corpo se entrega a escuridão e ao cansaço. Só dar tempo de eu desligar a lanterna e colocar o pergaminho dentro da bolsa, e boto essa último ao meu lado.
   Me permito descansar, deixo minha mente vagar entre meus medos e desejos. Deixo meu corpo frágil e cansado ceder a fadiga e ao sono. Tudo o que temo, vi e ouvi rondam meu cérebro, mas elas perdem espaço, parecem consumidas ao sono. A mesma neblina de fora para agora encher minha cabeça e aos poucos deixo de pensar. Tenho que estar pronta para amanhã. Para enfrentar o que aparecer e seguir em frente. A humanidade depende de mim, os deuses dependem de mim, meu pai depende de mim.

Nix - A queda dos deuses Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora