Capítulo 19

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   Subimos rapidamente as escadas laterais.
   Durante o percurso, Agnes usa o berrante, ela coloca na boca três vezes e assopra. Chegando nos últimos degraus, damos de frente com uma porta que leva até o telhado.
   — Sara, não estou entendendo – Winney diz, apreensiva. – o que está acontecendo? O que estamos indo fazer?
   Agnes abre a porta com facilidade, e a luz do sol ofusca minha vista. Preciso colocar a mão na frente dos olhos para me readaptar. Quando minha visão volta ao normal, vejo melhor os arredores. Não é muito alto em comparação a uma prédio, mas estamos a uma distância razoável do chão. Daqui consigo ver o caminho que pegamos do templo até aqui, e até mesmo as árvores ao redor do local. O telhado consiste em tubos de ventilação expostos e a casinha da porta de onde saímos.
   — Da última vez não demorou – Agnes diz olhando para o horizonte em todas as direções.
   — Chega, Sara! – Winney exclama. – não estou gostando nada da atitude de vocês duas. Não sei pelo que passaram, mas minha nossa, pelo que falam, parece o fim do mundo.
   — Winney, você vai ver o que estamos esperando – tento argumentar, surpresa com a explosão repentina dela.
   — Eu não quero saber mais nada do que está acontecendo – ela diz, tentando se acalmar. – mas por favor, diz que está tudo bem, me diz que confia em mim!
   — Você não está confiando nela – Agnes diz sem olhar pra gente, e a Winney bufa.
   — Já prestou atenção na história louca? – ela volta a se exaltar. – essa história de deuses, asas mágicas, Titãs e grifos, é a mesma coisa que você me falava quando éramos crianças, repetindo o que seu pai te contava. Não vê que isso é demais?
   Ela se vira para mim, buscando encarar meus olhos.
   — Volta comigo, eu preciso de você para os próximos meses...
   — Sara! – escuto Agnes chamando, mas estou focada na Winney. A sensação que o pedido dela me faz, me mostra o quanto ela mudou.
   Winney nunca foi uma mulher de pedir favores, ela escondia as necessidades. Por mais que eu soubesse o que ela precisava. O último favor que fiz pra ela foi um trabalho escolar sobre deuses gregos. E agora ela está pedindo para desmentir esses mesmos deuses que vi em pessoa.
   — Winney, eu...
   — SARA! – Agnes grita mais alto.
   Escuto o barulho dele antes que eu levante os olhos. Por trás da Winney, vejo a criatura híbrida voando na nossa direção, cruzando o céu com tanta rapidez quanto um foguete. Winney se assusta com o piado do grifo, seu berro varia entre o barulho alto de um gavião e o rugido forte de um leão, sinto o teto tremer levemente. Ele nos visualiza e desce, pousando em nossa direção. Sua silhueta contra a luz do sol e as asas abertas da a impressão de ser um anjo enviado do céu, é algo mágico de se ver.
   Antes que ele pouse com maestria, Winney surta. Ela grita e berra, com toda razão do mundo. Ela passa por mim correndo e segura meu braço, tentando me puxar junto. Mas eu não me movo, resisto contra ela. O grifo pousa na nossa frente, recuando as asas. Eu levanto a bolsa na frente do corpo, revelando o medalhão da bolsa para ele. A criatura rosna baixo e mexe as asas, levo isso como um assentimento.
   — VAMOS SAIR DAQUI – Winney grita, ela solta meu braço e cambaleia para trás, na direção da porta, seu rosto está sem cor de tão assustada, os olhos parecem que vão saltar do rosto.
   — Não precisa – digo devagar para ela. – ele não faz nos fazer mal.
   — Só se eu mandar – Agnes diz com um sorriso afiado. Eu reviro os olhos.
   — Ela não pode fazer nada – digo, tentando confortar Winney. Ela está com a respiração ofegante e tremendo, suas pernas parecem não sair mais do lugar. – viu? Ele está aqui para ajudar – mostro Agnes perto da criatura, passando a mão nas penas da parte dianteira.
   Winney abre a boca, mas não consegue falar, ela balbucia mas não forma frases completas, e fica alternando o olhar entre nós. Eu estou mais preocupada com a Winney do que se acredita em mim ou não.
   — Pode ficar calma – digo suave. – foi nele que eu vim parar aqui, ele serve aos deuses e no momento parece estar servindo a Ártemis, a deusa do símbolo.
   Winney abaixa o olhar para a bolsa e observa rapidamente o símbolo, até voltar novamente o olhar para a criatura alada. Ela ainda treme, mas não como antes, sua respiração começa a voltar ao normal.
   — E é nele que eu irei para o colosso de Rhodes – continuo. – não posso parar agora, não depois do que eu vimos ontem. A missão é real, e mais necessária do que nunca.
   — Você vai viajar nisso? – ela pergunta baixo e gaguejando, como se a sua voz fosse capaz de atrair o bicho. – ESTÁ MALUCA?
   — Talvez esteja – digo com um sorriso pequeno. – e é por isso que você tem que voltar, Winney, ficar em segurança. Essa criatura, não é nada perto do que já vi.
   Ela não desvia os olhos dele, amedrontados e fixos, mas me dá um pouco de atenção.
   — Se tudo que você disse é verdade – ela começa. – acha que eu vou simplesmente aceitar você seguir com isso? E fingir normalidade?
   — Não quero que esqueça o que você viu de ontem para hoje – explico. – apenas que volte para casa e espere tudo isso acabar, a gente voltar a nossa vida normal.
   — Não há vida normal, tudo mudou nas últimas semanas – ela rebate, e então desvia o olhar pra mim. – mas não vou me separar novamente de você, ainda mais com isso – ela joga a cabeça para o grifo. – como saberei se você realmente vai voltar?
   Não tenho resposta pra isso, pois nem eu mesmo sei. Quase morri três dias atrás no acampamento, o que pode acontecer daqui três dias?
   — Não sei, mas não posso te envolver nisso – argumento impaciente, imaginar a Winney sofrendo novamente por minha causa é difícil. É uma loucura o que estou vivendo e carregar mais pessoas para isso comigo é imprudente. – por favor, você tem que voltar. Mas caso eu não faça isso, partirei feliz sabendo que você não me odeia.
   — Apelou pro emocional – Agnes diz do fundo. reviro os olhos novamente e ignoro ela.
   — Se foi realmente essa deusa Ártemis que me mandou a carta, pedindo ajuda – Winney argumenta. – não vou ignorar. Por algum motivo ela queria que eu ajudasse.
   — Ela tem um bom ponto – Agnes diz se aproximando da gente. – pelo visto você não foi a única mandada nessa missão, Sara.
   Estou pensando em rebater na discussão, se Ártemis queria que a Winney e eu nos encontrássemos, algum bom motivo tem que ter, também ela não tem mais ninguém além de mim, pedir pra que ela me deixe ir pra algo perigoso assim e ficar de boas, é um tanto egoísta. Mas minha amiga continua a argumentar.
   — É, se Agnes não recebeu um pedido de ajuda como nós, por que ela pode ir com você e eu não? – ela pergunta, transformando o medo em irritação.
   — São tantas coisas, eu preciso dela, ela está me ajudando a traduzir o pergaminho – balbucio, procurando o que dizer. – e ela não tem memórias, não sabe pra onde ir e... – estou quase contando que acredito que ela seja uma deusa, mas não digo. Isso poderia prejudicar meu discernimento sobre a Agnes, ou complicar ainda mais a retomada de suas memórias. Ou talvez eu esteja errada e isso só confundiria sua cabeça.
   — Eu sei o que você pensa de mim, Sara – Agnes interrompe, com a expressão dura. – mas como eu te disse antes, posso ser útil, e estou sozinha. Não é como se eu tivesse opções, ou fosse fazer diferença eu morrer ou não nessa empreitada.
   Eu fico sem palavras, não desejo a morte dela, mas também não parei para analisar que ela também corre riscos e mesmo assim está disposta a me ajudar. Sendo nova nisso e não entendendo nada, parece que estamos quase no mesmo barco. No templo de Ártemis ela me ajudou, e graças a ela sei o que fazer em seguida. Eu não confio totalmente nela, pela mentiras e o assassinato, mas sei que ela é inteligente e uma mulher letal. E se for uma deusa, só tem com o que contribuir nessa missão, mesmo que sem a memória ativa.
   — Antes de você sair no carro, aquele dia, eu disse que iria te ajudar – Winney se aproxima de mim. – e estou aqui agora para isso.
   Eu lembro disso, eu estava chorando e atordoada pelo que aconteceu na sala, quando esbarrei com ela no corredor e Winney me seguiu até o carro. O que aconteceu em seguida foi o que distanciou a gente. Eu encaro o fundo dos olhos dela, com a expressão mais séria que consigo manter. Decidindo se concordo, as possibilidades rodando na minha cabeça. Mas eu sei como ela é insistente, e que eu não suportaria a Agnes sozinha pelo resto da missão.
   Espero que a Ártemis esteja certa de ter chamado a Winney para isso.
   — Você tem uma arma – digo com a voz rígida, mostrando que não estou tão feliz com essa ideia. – espero que saiba usar.
   Winney começa a abrir um sorriso, até lembrar do grifo atrás de mim.
   — Temos realmente que ir nisso? – ela pergunta, engolindo em seco. – não pode ser de avião ou...
   — Não – digo.
   — Droga – ela bufa. – mas e o hotel? E as minhas coisas? Não posso deixar tudo aí.
   Eu olho pra Winney de soslaio, sabendo como ela enrola quando quer atrasar algo. Era sempre assim na hora de sair. Então pra seguir logo em diante, vamos resolver a questão dos pertences dela com a minha bolsa.

Nix - A queda dos deuses Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora