Capítulo 6 - Observador

117 11 3
                                    

                        |Observador|

   A maldição foi lançada.
   Nix era naquele momento o ser mais poderoso da terra, não somente por causa de seus próprios poderes, mas também porque não havia ninguém que conseguisse derruba-la. Ela não queria poder, esse não era seu objetivo, mas agora ela tinha, e não ia abrir mão disso, não enquanto seu plano não se alinhasse. Os deuses sumiram, viraram humanos, sem memórias ou poderes, mortais até a alma, e para aqueles que presenciaram, aquele momento histórico ficou conhecido como A QUEDA DOS DEUSES.
   Depois que os olimpianos foram derrotados e a maldição de Nix cobriu os céus, seus corpos frágeis e humanos sumiram, foram lançados em lugares aleatórios no mundo, lugares que nem mesmo a deusa da noite sabia. Muitos deuses foram pegos, até mesmo os que conseguiram fugir durante o ataque de tifão, onde quer que estivesse escondido, a maldição alcançaria o Deus assustado.
   Poucos foram os que escaparam, os chamados deuses absolvidos, mas não porque conseguiram se esconder bem o suficiente, mas sim porque foram escolhidos a dedo pela própria Nix. Não eram deuses leais, a dama da noite não era tola, mas deuses que serviram sobre seus propósitos e que ela conseguiria controlar. Poucos foram os sortudos, mas a sorte era limitada a uma palavra. A maldição havia pairado sobre todos, e com apenas uma palavra, Nix a faria ativar sobre o Deus escolhido. Era uma ameaça, uma forma de controle e poder, era a noite domando todos.
   Esses deuses não serviriam Nix com medo, longe disso. Eles viviam pelo propósito que a noite agora dava para eles. E ela sabia que com eles, a punição que tanto almejava funcionaria nos eixos. Mas assim como os deuses absolvidos, Nix não permitiu que sua maldição caísse sobre os primordiais, todos estavam impunes, pois são necessários ao equilíbrio do mundo e ao plano seguinte de Nix.
   Eram sete os deuses que escaparam, mas apenas cinco se encontravam no palácio de Hades, para uma reunião que a dama da noite exigiu. Caronte e Tânatos foram dois dos que escaparam, mas não se foi necessário a presença, Nix respeitava o espaço deles e seus afazeres. Desde que Hades se foi, o submundo ficou sob supervisão de Nix, ela comandou tudo para que nada saísse do controle. Desde o aprisionamento de Érebo, ela tinha esse tipo de domínio sobre o local, não poderoso como Hades, mas com sua parcela ainda considerável. Ela fez isso para que ninguém no olimpo questionasse o que estava acontecendo. Não porque ela temesse eles, mas sim porque eles poderiam ser uma pedra se quisessem.
   Nem mesmo os Deuses que ajudaram na emboscada sabem o que Nix fez com Hades, a única coisa que se sabe é que ela estava furiosa por ele ter feito ela cair na própria maldição e que ele foi derrotado com ferocidade. Ninguém ousou questionar, a deusa queria vingança, nem mesmo Nêmesis saberia controlar isso, e todos sabiam que a derrota de Hades era apenas o começo de algo que Nix queria a muito tempo.
   Perséfone também havia sido pega pela maldição, então não havia ninguém no palácio de Hades que pudesse controlar a situação do submundo. Apenas Hécate, que morava no submundo e era amiga da esposa de Hades, mas ela estava em um impasse contra Nêmesis. As duas estavam esperando a reunião de Nix junto com os outros Deuses absolvidos, mas havia uma entre eles que não consideraria uma paz nem mesmo entre os iguais. Éris havia sido imunizada também, e estava pronta para ver a discórdia ali, afinal, porque não brincar com o que restou?
   Ela havia convencido Hécate, a deusa da magia negra e Nêmesis, a deusa da vingança, de que sem os olimpianos e demais deuses, Nix agora planejava uma nova trindade, assim como era Zeus, Hades e Poseidon, para comandar tudo do topo. E que esse novo trio, era composto por Nix, Hemera e um outro deus ainda não nomeado, e que a reunião seria para isso. Qualquer um ficaria interessado na vaga, afinal, liderar ao lado de duas primordiais e ser considerado um dos três grandes não é pouca coisa. Mas Éris convenceu de que as duas eram as que mais mereciam entre os absolvidos, Nêmesis por representar a vingança que Nix tanto queria, e Hécate por ser a magia que a noite precisava, e as duas se deixaram seduzir pela lábia da deusa da discórdia.
   Elas estavam em cedendo à raiva e a negatividade, e aquela reunião foi o ápice. A batalha começou tão repentina que nem mesmo Éris conseguiu se preparar, ela observava tudo com o olhar psicopata e alegre, como se fosse uma torcedora vendo a partida de seu time preferido. Os outros deuses absolvidos não interferiram, assim como Éris observaram a luta entre as duas poderosas deusas, não tinha porque perder tempo com aquilo.
   A batalha se desenrolava no antigo salão de Hades, que já estava sem teto e as paredes caiam como dominó. Hécate conhecia o submundo e as magias mais poderosas no local, mas Nêmesis tirava sua força do desejo de vingança dos milhões de mortos que sofriam naquele fim do mundo. Era uma luta linda, cada uma abusando de seus poderes únicos e usando o que estivesse ao seu alcance para derrotar a outra e ser a terceira deusa da elegia de Nix.
   Hécate avançou furiosa na direção de Nêmesis, transformando a densa neblina em grossas barras de ferro, capazes de cortar o ar. Nêmesis fazia paredes do chão pétreo do palácio brotarem tão rapidamente, formando um casulo. Para então fazer com que barreiras voassem na direção de Hécate. A deusa da magia levitou com os olhos irradiando raiva e poder, então ergueu a mão semiaberta para cima e uma horda de espinhos surgia do chão avançando na direção de Nêmesis um por um, mas a deusa da justiça tentou se livrar, se teletransportou para o outro lado do salão ao momento em que a magia de Hécate seguiu ela, como deusa do caminho, ela tinha seus truques. Nêmesis foi atingida na perna e caiu.
   Enquanto o sangue dourado jorrava, Nêmesis fez surgir sua balança da justiça e a pendeu para o seu lado, depois a jogou no chão. A balança virou pó, que rapidamente foi aumentando em quantidade e pairou sobre Hécate, que quando tentou dispensar a poeira, foi atingida por almas decadentes que surgiam aos montes, almas movidas por ódio e sede de sangue, e que estavam sendo influenciados por Nêmesis. Eles fizeram a deusa da magia cair do alto fortemente no chão. Para então puxarem correntes do chão e prenderem Hécate, que se debatia, mas as muitas almas a seguravam com brutalidade.
   Apenas Hades teria o poder para dispersa-los com facilidade, e pela primeira vez Hécate odiou que ele não estava ali. Nêmesis se levantou mancando enquanto uma espada forjada pelo metal dos deuses surgia em sua mão, ela foi na direção da deusa presa. Mas Hécate sussurrou palavras mágicas que virou o jogo, de repente muitas das almas foram puxadas para longe, como se estivessem sido capturadas. Voltando para seus caminhos no submundo, os que conseguiram resistir eram repelidos para longe com a magia da deusa. Mas isso a estava consumindo demais, aquilo era magia sobre os mortos, não era seu domínio.
   Nêmesis chegou em Hécate e estava prestes a arrancar a cabeça da Deusa, quando as correntes que eram coisas das almas perdidas sumiram, então Hécate com apenas um olhar e uma palavra, fez o colar de Nêmesis explodir em seu pescoço, fazendo a deusa cambalear. Hécate deu um mortal para trás e reuniu as forças que tinha para uma investida mais poderosa. Ela reuniu a magia que conseguia sugar do local e de seu próprio poder, em uma energia poderosa que crescia em suas mãos, e então a liberou. Nêmesis que ainda estava se recuperando do ataque explosivo, não estava preparada, mas ainda conseguiu prever o ataque poucos segundos antes. A magia voava furiosa e poderosa na direção da vingança, cortando e consumindo o ar, liberando energia que queimaria a pele humana, mas com um aceno de mão, uma coluna horizontal surgiu repentinamente da parede e em um único golpe de sorte, atingiu a bola de magia e a jogou para o outro lado, na grande porta do salão. O poder de Hécate estava prestes a atingir a deusa que chegava naquele momento.
   Nix segurou a magia com apenas uma mão, inclinando levemente para trás, como alguém seguraria uma bola que vem em sua direção com apenas uma mão. O poder de Hécate se contorcia e debatia, enquanto Nix segurava entre suas mãos. Ela olhou para as duas que estavam surpresas, Nêmesis achava que isso era um mal sinal para elas. Os deuses no salão suspiraram, mas ansiosos para ver o que iria acontecer, e Éris abriu um sorriso vendo que sua discórdia poderia chegar em alta escala.
   A deusa da noite apertou bem a bola de magia crescente em suas mãos, espremendo até uma mão tocar a outra e não haver mais nada ali. Nix sem esboçar nenhuma reação continuou a caminhar, até erguer a mão e tudo ao redor deles começarem a se mover. As paredes retornavam ao lugar, as colunas uma por uma cresciam como antes e o teto se reconstituía em uma bela cúpula alta. Os outros deuses ainda estavam perplexos em como Nix não revidou, nem aos menos pareceu se importar com a batalha que aconteceu ali.
   Até mesmo uma mesa enorme de pedra brotou do chão, com cadeiras do mesmo material, com apenas uma das pontas ocupada, com uma cadeira alta e bem mais detalhada, como um trono, com ornamentos leves e deslumbre de pequenos desenhos. Era óbvio quem sentaria ali, mas porque de pedra? Nix sempre dizia que o submundo não era lugar para confortos, era um local de punição e decisão, nunca se devia relaxar até estar fora daquele lugar. E agora que ela estava no comando, isso se estendia aos deuses.
   Ela sabia que o mundo seria quase como o submundo, porém ironicamente, não precisaria morrer para ser punido, até que morresse. Mas quem sofreu em vida deveria sofrer na morte? Era uma questão que Nix estava ansiosa para ver na prática, afinal, se arrepender durante a dor é realmente arrependimento? Em outras circunstâncias esse perdão seria implorado? A dama da noite adorava questões que a fizesse pensar.
   Nix olhou para Nêmesis e Hécate, esperando que elas se explicassem, mas percebeu um canto de sorriso no rosto de Éris, então deduziu por conta própria o que poderia ter acontecido.
   — Achei que fossem mais inteligentes do que acreditar no que quer que Éris falasse – disse a deusa caminhando para sua cadeira. – acreditava que tinha selecionado bem.
   — Perdão, mãe – disse Nêmesis, que abaixou a cabeça quando se referiu a Nix, mas tentou retomar a postura para não parecer fraca. – mas tenha visto que posso facilmente ser a terceira de sua elegia.
   — Não... – tentou protestar Hécate, mas Nix retomou a fala, ao entender o que aconteceu.
   — Uma posição que não existe e que foi citada apenas pela discórdia – ela disse culta demais. – mas se existisse, talvez Éris merecesse mais do que vocês.
   As duas nada falaram, nem mesmo Éris, que estava se sentindo bem pelo que Nix disse, mas frustrada por não ter chegado ao que ela queria. Talvez fosse uma oportunidade para outro momento. Os deuses se sentaram em seus tronos, havia três cadeiras em cada lado, uma delas seria ocupado por Hemera, que ainda não apareceu. Mas isso não preocupou Nix, as duas dificilmente conseguiam ficar no mesmo lugar por muito tempo, e no mesmo período.
   Ela esperou até que todos se sentassem, Éolo, Deus dos ventos, Hipnos, Deus do sono e Nêmesis se sentaram do lado esquerdo, e Hécate e Éris do direito. Eles se sentiram desconfortáveis, era inevitável, mas ninguém ousou questionar porque não havia conforto.
   — Não vamos honrar os que caíram com luxo – Nix disse quebrando o silêncio. – muito menos nos vangloriar da posição que estamos.
   Nix caminhou até a cadeira de Hécate, ficando atrás dela e colocando a mão em seu ombro. Aquilo alfinetou um pingo de ciúmes em Hipnos e Nêmesis.
   — Mantive o submundo alinhado, na medida do possível – disse para todos. – minhas visitas garantiram alguma estabilidade, mas ainda pequena. Conheço o suficiente dessa terra para saber quem pode ou deve governar na ausência de Hades. Você mais do que qualquer outro sabe o que é preciso fazer e tem poder para isso, conviveu milênios com ele e Perséfone, peregrinou por terras que digo que não conheço.
   — Você só pode estar de brincadeira – bradou Nêmesis, se levantando da cadeira.
   Nix lançou um olhar furioso pra ela.
   — Fale assim comigo de novo e você não terá nenhum poder ou voz aqui – gritou, Nêmesis recuou um pouco. – Se você fosse forte o suficiente pra controlar sua arrogância, me deixaria continuar e ver que isso também se aplicaria a você. Apesar de adequada, Hécate ainda não é Hades, e precisaria de vocês duas para colocar esse lugar nos eixos. Hécate tem algum conhecimento de controle sobre os mortos e Nêmesis sabe manter as punições ativas, o que mais falta?
   Nêmesis considerou por um momento, ainda envergonhada por ter gritado com Nix. Ela iria ter uma parcela de controle do submundo, era mais do que ela recebeu nos últimos séculos, servindo como qualquer coisa no olimpo. Talvez aquilo fosse o começo de algo grande para ela, uma nova era, quando a vingança divina não era a sombra ruim da justiça de Têmis. Mas Hécate tinha seus receios, ela sabia magias que Nix apenas conhecia vagamente, tinha poderes que poderiam devastar populações, e como sempre viveu no submundo, achava que tinha seu potencial preso.
   Com esse cargo que Nix oferecia, ela sentia que se limitaria apenas aquilo, não comandaria o submundo por completo e não sairia dali, seus domínios poderia ser infinito, mas seus poderes limitados novamente. Hécate sabia que teria que fazer com que os mortos a venerassem, para que ela ganhasse o título que merecia, iria mostrar o que pode fazer.
   — Estou honrada com o cargo – disse a deusa da magia. – farei meu melhor.
   — Faremos – disse Nêmesis com um meio sorriso.
   A deusa da magia revirou os olhos. Nix assentiu e então se sentou, e se recostou nas costas da cadeira.
   — Nos últimos dois dias verifiquei, mesmo sem necessidade, a eficiência de minha maldição – continuou. – os deuses que eu queria foram pegos e estão em algum lugar por aí. Éolo, conte sobre Tifão.
   O deus dos ventos era alto e cheio, tinha cabelos lisos e brancos, o topo de sua cabeça era um pouco calvo, o que lhe dava o ar de alguém sério e experiente. Ele não era de falar muito, compensava suas palavras com ações, e era facilmente irritado quando mexiam diretamente com ele, mas não demonstrava isso na presença dos outros deuses.
   — Depois do ataque no olimpo, ele partiu em direção à América, acompanhei seu movimento, por meio dos tornados que ele influenciava – O Deus disse como quem conta uma notícia velha. – o que ele procura?
   — Equidna, a mãe dos monstros – Nix respondeu. – ela estava escondida por lá – a deusa olhava para Éolo quando disse. – ainda há pontos a resolver, preciso que use seus tornados e furacões principalmente nos mares, mostrando alguma autoridade sobre as criaturas marinhas que imploram por Poseidon. Até os primordiais dos mares voltarem.
   — Primordiais dos mares? — Hécate perguntou. – achava que não ia interferir neles.
   — E não vai – Hipnos tomou a dianteira, ele se orgulhava da posição que tinha com a Nix, e sempre tentava se mostrar pra ela, já que ele odiava a ideia de Nix preferir seu irmão gêmeo Tânatos, à ele. O deus tinha cabelo escuro, com barba e bigode unidos e bem feito, cabelos longos e vestia uma armadura dourada moldada em seu corpo, que escondia suas belas e grande asas. – estou me certificando pessoalmente de que todos permaneçam adormecidos, apesar da grande influência que eles mantém até mesmo no sono.
   — Então só vai acorda-los quando tiver a necessidade? – Hécate perguntou para Nix, e não Hipnos, o que o irritou.
   — Os primordiais serão mais úteis do que imaginam – respondeu Nix, começando a pensar que estava dando satisfação demais. – mas até lá, permanecerão como estão.
   — Nem todos estão adormecidos – disse a deusa que entrava no salão.
   Foi então que a Deusa Hemera entrou sem qualquer sinal de preocupação. Nix não se importava com o atraso dela, sabia que Hemera fazia mais do que mostrava. Os outros deuses suportavam ela, mas não porque gostavam totalmente dela, e nem do favoritismo descarado em relação à Nix. Hemera era poderosa e tinha a grande confiança de Nix, não era apenas mais uma entre eles. Ela estava linda, usava uma tiara dourada com pedras laranjas ornamentada e um vestido amarelo com mangas compridas e uma leve cauda de seda, e o cabelo solto com pequenas tranças enfeitadas.
   — Talvez se vocês derrotassem ela, vocês duas poderiam entrar na trindade – disse Éris sussurrando, mas sem a intenção de realmente fazer isso, para Hécate e Nêmesis.
   — Se você não calar a boca eu vou... – respondeu Nêmesis se irritando cada vez mais com aquela ladainha. No fundo, ela queria que fosse verdade.
   — Mais uma palavra sobre isso Éris, e eu também usarei a minha sobre você – Éris sabia ao que Nix estava se referindo, a palavra que ativaria a maldição nela. Então apenas se calou, mas não sem perder o sorriso estranho, jogando uma piscadela para Nêmesis.
   Hemera se sentou na cadeira a direita de Nix.
   — Traga boas novas irmã – disse Éris.
   — O que eu perdi? – perguntou Hemera tentando entender a tensão que havia entre alguns ali.
   — Infantilidade – Nix respondeu. – o que você tem para nós?
   — Notícias de uma primordial – Hemera disse. – e humanos em desespero, estão ficando inquietos.
   — De quem você está falando?
   — Sua irmã, Gaia – respondeu a deusa do dia esperando a reação de Nix.
   Com a menção da mãe terra, os deuses ficaram tensos. Gaia era poderosa e inteligente, e acordar justamente depois que os deuses caíram, não era um bom sinal. Todos perceberam que a partir de agora, as coisas ficariam complicadas. Eles ficaram observando Nix, que arregalou os olhos e manteve a expressão surpresa por alguns poucos segundos, com a boca semiaberta e os olhos um pouco arregalados, a mesma expressão que teve quando Zeus se ajoelhou diante dela.
   — Cedo demais – disse por fim, em quase um sussurro. Ela demorou mais alguns segundos pensando em algo.
   — Ela está deixando alguns lugares agitados – Hemera continuou. – em várias regiões. Ilhas montanhosas afundaram no oceano, ela esteve observando o fundo do mar também.
   Nix manteve a expressão séria, com os olhos focando em algo que não estava ali. Ela tinha planos pra Gaia, mas ainda estava considerando alguns atos. Ela acordou sem aviso, então deve ter algo planejado que Nix não sabe. Ainda.
   — Ela nunca demonstrou um pingo de respeito por nós – disse o Deus Éolo. – porque isso seria terrível?
   — Porque, desde o início ela só acorda quando tem algum plano para por em prática, e sem os deuses, pode ser qualquer coisa – Nix respondeu.
   — Você é mais poderosa do que ela – Hipnos argumentou.
   — Depende, diante de uma primordial não sou invencível – Nix disse. – eu não estava preparando nada contra ela, talvez ela estivesse.
   Ninguém disse nada. Ninguém discutia questão de poderes com Nix, os primordiais estavam acima deles, apenas eles conheciam seus limites. Mas a dama da noite não deixou que aquilo lhe surpreendesse mais do que devia, Gaia poderia ser um problema, mas Nix estava ciente de que coisas assim poderiam acontecer. Ela mudou de assunto, rapidamente, querendo encerrar aquela reunião. Tinha coisas urgentes que precisavam ser tratadas.
   — Você – Nix olhou para Éris, que estava distraída roendo as próprias unhas. – Zeus sempre te segurou nas rédeas, e sempre entendi o porque, mas considerando a guerra de Tróia, você pode muito. Quero que faça isso, com outras nações, faça grandes líderes se intrigarem, faça exércitos marcharem contra o outro, cause a discórdia entre povos. A humanidade sempre valorizou uma guerra, vamos testar até onde eles conseguem se destruir.
   Éris abriu um sorriso imenso, parecia que tinha chegado em um parque de diversões, talvez porque era isso que a terra pareceria para ela agora.
   — O que espera disso? – perguntou a deusa da discórdia.
   — Que em algum momento eles vejam que guerra nunca é a solução, que valorizem a paz quando se tornar apenas uma lenda, quero que seus exércitos cansem de lutar por homens que tem apenas título no poder – continuou. Nix olhou para Hipnos e deu um último veredito.  E ele se mostrou atento ao que ela iria falar. – desperte seus irmãos, guie-os ao seu propósito.
   — Está falando dos Daemons? – perguntou Hipnos.
   — Eles são umas pragas – disse Nêmesis repuxando a boca.
   — E é exatamente disso que precisamos – falou Nix lançando um olhar lento para ela.
   Hipnos ficou satisfeito com a posição, ele lidaria com as personificações de seres como a velhice e a tristeza profunda, seres que mesmo como filhos da Nix, eram considerados forças que o deuses tinham que conter. E Nix não gostava disso, mas entendia o porque, sabia o que eles seria capazes de fossem livres, então respeitava a decisão de Zeus. Nix então se levantou, mostrando que aquilo estava no fim.
   — Vocês tem seus deveres, não me decepcionem – disse com as sobrancelhas franzidas.
   — Achei que a bastarda estaria entre nós – diz Éris repentinamente.
   Nix não mordeu a isca.
   — Se tentar usar seus jogos comigo, você não estará.
   — Só estou dizendo que gostaria de conhecer o que parece a sua nova favorita – Éris continuou falando tentando mostrar desinteresse, mas parecia uma criança tentando brigar por algo. – já que ela ficou protegida em seu palácio.
   Nix demorou alguns segundos a mais para responder, considerando o que Éris disse. Não que ela fosse cair na lábia dela, mas porque o poder da deusa da discórdia poderia fazer até mesmo os mais fortes questionarem algumas coisas.
   — Conheci ela – Nêmesis resmungou. – não me surpreendeu em nada.
   — E mesmo assim ainda parecem incomodados com ela – Hemera disse.
   — Ouvi falar de seus poderes – Hipnos comentou.
   — Sara sendo a pauta de vocês, diz muito sobre o que temem – Nix falou, encarando cada um deles. – tenho meus motivos para não me preocupar com ela.  
   Aquela conversa estava indo para um rumo diferente, para um lugar que não deveria ser debatido por todos. E ela tinha mais o que fazer, tinha questões a ser resolvidas, e as consequências que ela negava agora estavam aparecendo, e Nix teria que lidar com tudo. Sara era uma delas, mas não era a maior de suas preocupações, mas a semideusa poderia ser um problema, se completasse a missão.
   Nix saiu do salão sem falar nada, o que ela tinha ido fazer ali estava feito, os deveres compartilhados de uma nova era, os deuses absolvidos estavam controlados e tinham obrigações, e estava claro que estavam satisfeitos.
   — Mãe, uma palavrinha.
   — Com você, Hemera, nunca é só isso – disse Nix no corredor.
   — É sobre a Sara.
   Nix estava curiosa, Hemera não teria motivos para falar da Sara. Então ela supôs ser uma notícia e não um aviso. A deusa do dia estava sempre de olho em tudo, então as novidades que vinham dela eram sempre interessantes, mas não foi isso que a dama da noite recebeu.
   — Ela ainda está na floresta, próxima de achar uma civilização, cerca de meio dia de viagem começando de agora.
   — Seja mais clara.
   — Você sabe o que ela procura – Hemera continuou séria. – Ártemis a mandou nessa missão durante o ataque ao acampamento.
   — As poderosas asas da deusa íris – disse Nix calmamente, decepcionada por ver onde aquilo estava indo. – é uma grande busca.
   — E o que vai fazer a respeito? – perguntou Hemera séria.
   Ela esperou por uma resposta fria, uma ordem, algo que Nix faria com raiva, queria saber o próximo passo da deusa da noite em relação a filha que fugiu de seus domínios.
   — Nada – foi tudo o que Nix respondeu.
   Hemera acreditava que as coisas que Nix fazia eram parte de um plano maior, então ela ficou confusa ao receber a resposta. Não que a Sara fosse ser o maior de seus problemas, mas em outras circunstâncias, ela não estaria livre. Nix sempre encontrava uma resposta racional para tudo que fazia, desde a algo planejado, à algo feito por impulso.
   — Sara não é nada para nossos planos – Nix achou que Hemera merecia uma explicação. – mas não estamos ignorando sua existência. Fiz o que pode para proteger, para não deixar a corrupção da humanidade e dos deuses a consumissem, queria que ela fosse algo novo em ambos as partes, mas ela não aceitou. Você sabe como dou opções, ela teve as dela. Mas Sara nunca poderá crescer, se viver reprimida e protegida, por isso a mandei para o acampamento de Ártemis.
   Hemera ficou em silêncio, estava tentando considerar tudo que Nix dizia, tentando entender a lógica disso.
   — Ela procura as asas, e isso exigirá muito dela, mais do que qualquer humano poderia aguentar. Mas ela não é humana, e talvez seja isso que a faça encontrar as asas, ela é a parte dos dois mundos que não procura por interesses próprios, e isso a diferencia de todos que a procurou, queriam somente por ganância. As asas podem ser armas que não se revelam para um Deus por motivos óbvios, e a Sara pode ter as chances de encontrar.
   — E de não encontrar também – Hemera disse e Nix assentiu sutilmente. – mas e se ela achar as asas?
   — Então estaremos lá para usá-las – Nix respondeu.
   Então Hemera entendeu a lógica daquilo tudo. Sara não encontrando as asas a deixaria frustrada e veria que nem tudo é como ela quer que seja, a faria aceitar Nix e o que ela tinha a oferecer, pois veria que não tinha mais salvação ou esperança demais, a deixaria vulnerável para receber o título que a dama da noite tem para fazer ela alcançar. Mas se ela encontrasse, além da evolução que teria durante a jornada, Nix teria em mãos uma das armas mais poderosas, que poderiam ser úteis para qualquer um de seus planos. Seria uma vitória em ambas as situações.
   — Mas a Sara pode morrer durante a missão – Hemera disse, querendo saber como Nix reagiria a isso.
   A deusa da noite demorou responder, ela considerou aquilo por tempo demais e tinha medo da resposta, mas precisou mostrar frieza, apesar da verdade que suas palavras carregavam. Por um momento seu coração se apertou, mas o que ela disse era o que realmente significava. Ela não podia demonstrar favoritismo, mas não queria pensar naquele destino para Sara, apesar de querer que ela crescesse com os próprios pés a partir de agora.
   — Então lamentarei profundamente a morte de minha filha – respondeu Nix, mantendo a voz firme e fria.
   E então se virou, deixando Hemera para trás.
   — Aonde você vai?
   — A mãe terra acordou – Nix respondeu de costas. – quero saber para quê veio.

Nix - A queda dos deuses Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora