Capítulo 14

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A Super Nova era uma badalada casa noturna construída num dos antigos prédios do centro de São Paulo. Antes um cinema ocupara o lugar, mas foi fechado e o prédio ficou um bom tempo abandonado. Ivan e Angelina se interessaram pelo local e tiveram a idéia de abrir a boate, uma espécie de armadilha gigante para a fauna noturna que pululava no centro da metrópole. A localização, próximo à praça da República, facilitava a atração de travestis, gays, garotas e garotos de programa, que se misturavam à juventude abastada que freqüentava o lugar. Era de fato uma mistura inusitada de mundos e realidades diferentes, e um ou outro que desaparecia após uma noitada na Super Nova acabava caindo no esquecimento... O povo da noite paulista, assim como na maioria das grandes cidades, tem muitos indivíduos solitários que se soltam na multidão confiando no anonimato e ironicamente esse mesmo anonimato pode ser sua perdição. Para Angelina e Ivan, que tinham uma preferência pessoal por caçar na agitação festiva da vida noturna o negócio caiu como uma luva. Assim como a Cross tinha seus diretores, a boate também tinha outras pessoas funcionando como testas de ferro. Isso permitia aos dois que freqüentassem o lugar como clientes comuns. A Super Nova fez sucesso logo que abriu com sua forma ousada de misturar clientes tão díspares, ao estilo da Studio 54 em Manhatan entre as décadas de 70 e 80. De espírito irrequieto, em menos de seis meses após a inauguração trocou toda a decoração e criou ambientes distintos para cada andar. A única coisa que conservou foi a enorme tela do cinema, encabeçando uma pista de dança instalada onde antes ficavam as cadeiras do velho cinema. Um desses ambientes, um clube privativo ao estilo da década de 50, com piano bar e tudo o mais, é que seria fechado para o evento da Cross Associados. Ele ficava no quarto andar e instalaram um elevador panorâmico que vinha do hall de entrada da casa, onde todos se misturavam, diretamente para o grande salão em frente ao piano bar. Sugestivamente, esse ambiente recebeu o nome de Bloody Heaven (Paraíso Sangrento). As pessoas que o viam achavam que o nome era uma alusão ao drink Bloody Mary, e muitos olhavam com inveja os eleitos que subiam pelo elevador.

- Você acha mesmo que é uma boa idéia fazer a reunião anual da Cross na boate de Angelina? – Disse Klaus enquanto girava lentamente o uísque no copo. Christian acariciava a mão de Sophia suavemente. Após terminarem a apresentação na Cross ele pediu que Klaus os visitasse em casa na noite seguinte.

- Não vejo problema nisso. O Bloody Heaven é suficientemente isolado para que a agitação da Super Nova não incomode os acionistas que estarão presentes. O Thomas a principio não gostou disso também, mas o convenci dizendo que Angelina insistiu para inovar e achei que não haveria mal algum. Depois de tudo, acredito que acatar uma sugestão dela vai fazer bem para equilibrarmos as relações. Não quero que ela pense que eu queira sempre impor a minha posição como fiz no caso de Sophia. Quero que veja que são coisas isoladas, minhas decisões pessoais e as que envolvem a Cross. – Sophia olhou para ele mas não fez nenhum comentário. Klaus apenas deu de ombros como dissesse "Você quem sabe", terminou o drink em um gole e se despediu. Somente depois que ele saiu é que Sophia questionou Christian.

- O que Angelina tem a ver comigo?

- Nada. Ela apenas era contrária à idéia de que te transformasse em uma de nós, mas depois da reunião, creio que não vai mais se opor. Angelina é geniosa, e como era a única mulher da Irmandade, penso que queria manter essa posição privilegiada.

- Vocês já tiveram algo?

- Já. Não quero mentir para você, Sophia. Mas é um passado distante e sem volta. Hoje ela é apenas um membro como qualquer outro da Irmandade e minha sócia na Cross. E sabe que não temos nada em comum para que pudéssemos manter um romance. Então, não precisa ter ciúmes...

- Não é ciúme, Christian! Vocês homens são sempre desse jeito? Vejo que ser vampiro não muda muito a maneira machista de interpretar as coisas...

Christian riu como há muito tempo não fazia. A presença de Sophia lhe fazia bem, mas já era muito tarde. Pegou-a pela cintura e disse:

- Já é hora de descansarmos um pouco, não acha? Eu gostaria que você ficasse comigo em minha suíte, e não naquela em que ficou tanto tempo doente. Você vem?

- Claro!

Abraçados, foram até o fim do corredor, para a passagem secreta que levava aos seguros aposentos verdadeiros de Christian. Ele não conseguia esconder a satisfação de poder partilhar seu espaço, antes carregado da solidão típica dos vampiros, com a mulher que escolhera.

Enquanto isso, na casa de Marcos ele e Anderson revisavam novamente o material conseguido. Tinham passado toda a tarde, após a ligação do tal Lucas Borrel, divididos entre o enigma que ele representava e planos para entrarem na Super Nova na noite do evento da Cross. Como a idéia de conseguirem autorização do jornal para cobrirem o evento estava descartada, pois Marcos sabia que Jonas não ia permitir, eles tentavam sem resultado encontrar uma maneira diferente de conseguir tal intento.

- E nada do tal gringo ligar, Marcos? – falou Anderson, após constatar no relógio que já passava das 23:00hs. Será que foi um trote?

- Não pode ser. Como ele saberia do meu interesse na Cross Associados? Deve ter acontecido alguma coisa, acho que ele ainda vai ligar, mesmo que não seja hoje.

- A gente só pode esperar; fazer o quê, né?

- Pois é...

Christian não demorou a adormecer. Toda a tensão acumulada no período de transição de Sophia tinha deixado suas marcas nele. Mesmo na escuridão do local Sophia era capaz de enxergar o corpo dele sobre a cama e o observava curiosa. Ao seu lado estava um cadáver. Ao tocar sua pele percebia-se a frieza e rigidez características dos mortos, além de que, do ponto de vista de um humano, ele nem mesmo respirava. Realmente quando adormecido um vampiro estava completamente vulnerável a quem soubesse como destruí-lo, pois ao contrário do que muitos pensam um vampiro não é imortal. É apenas um ser que tem sua constituição física alterada de tal forma que suas células passam a obedecer um outro ritmo cronológico, envelhecendo muito devagar. Por outro lado, seus neurônios aceleram sua atividade, criando sinapses de forma quase caótica. Quem não gostaria de ser um vampiro? Reflexos e sentidos mais aguçados, memória revigorada, força superior, uma quase incapacidade de sentir dor como os humanos sentem... Seria ótimo, não fosse o lado difícil da transformação: tudo isso só se mantém a base de sangue humano fresco, vivo. A luz do sol se torna torturante e letal, muitos desenvolvem uma peculiar alergia por alicina, o principal composto sulfuroso potencialmente presente no alho, que gerou as lendas de que réstias de alho afastavam vampiros... Tudo isso ela aprendeu nos livros da biblioteca de Christian.

Sophia não conseguia dormir e preferiu recapitular tudo o que acontecera com ela naquelas semanas. Ela própria estranhara a capacidade adquirida de acumular conhecimento tão rapidamente, mas Klaus lhe explicara que era natural aquela fome de saber. Instintivamente um vampiro recém transformado sente que precisa conhecer tudo o que puder sobre suas presas e sua nova condição. Mas isso era apenas uma teoria de Klaus, na verdade não sabiam o que causava esse comportamento, que nem todos os vampiros apresentavam...

Apesar de tudo, mesmo tendo decidido se adaptar àquela nova forma de viver, Sophia percebeu que não escolheria esta condição de livre e espontânea vontade. Apenas via nisso a mão do destino, tantas vezes cruel com ela. Perdeu os pais cedo, foi morar na fazenda que odiava, apesar de adorar os tios; apaixonou-se cegamente por Toninho, acabou prostituta em São Paulo... Não dava para saber ainda se isso era uma oportunidade ou uma maldição.

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⏰ Última atualização: Mar 10, 2016 ⏰

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